Ação policial aconteceu na Cidade Tiradentes e deixou um morto; Ouvidoria da Polícia de SP quer afastamento dos PMs que participaram de suposta perseguição
Tem sido difícil para a estudante Evellyn Souza de Jesus Silva, 17 anos, caminhar pelas ladeiras da Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, e em alguns trechos com asfalto irregular. Desde a madrugada do domingo (5/1), ela anda mancando. Na altura dos joelhos, há duas feridas. “Essa aqui quase que chega no osso”, diz à Ponte apontando para uma delas, a da perna esquerda, em frente ao Terminal Tiradentes nesta segunda-feira (6/1).
Evellyn foi atropelada e arrastada por uma viatura da Força Tática da PM quando estava com os amigos curtindo o Baile das Casinhas por volta das 2h30 na esquina da Rua Moises de Corena com a Apóstolo Felipe, um dos pontos de concentração do Baile das Casinhas. “Eu vi minha morte ali”, conta. Segundo ela, a polícia já havia feito uma ação de dispersão alguns minutos antes, uma quadra abaixo, na Rua Apóstolo Bartolomeu, usando bombas e spray de pimenta.
“Eu e meus amigos conseguimos correr pra um bar que estava aberto e o dono baixou a porta. A gente foi para a rua de cima e estava rolando baile ainda. Quando a gente estava na esquina, vimos um carro preto vindo e logo depois a viatura. Foi tudo muito rápido, quando a gente foi tentar entender o que estava acontecendo, a viatura estava em cima de mim”, conta. “A minha sorte foi que um menino me puxou, senão eu estava morta. Foi um anjo e o pior que foi tudo tão rápido que eu nem sei quem foi. Se eu soubesse gostaria de agradecê-lo”.
Evellyn conta que uma outra amiga que estava ao seu lado também se machucou no atropelamento. “Foi coisa de segundos, não tive nem reação”, lamenta. “Estou traumatizada, eu vejo viatura da PM, já tremo”, conta.
No domingo, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de SP) enviou uma nota à reportagem informando que uma pessoa havia morrido e outra tinha sido baleada em uma suposta perseguição que terminou em um baile funk. “Quatro pessoas estavam no carro quando avistaram policiais em patrulhamento de rotina e tentaram fugir onde ocorria um baile funk. Na fuga, atropelaram algumas pessoas e bateram em um poste”, diz trecho da nota. A morte aconteceu em uma viela da rua Apóstolo Simão Pedro. O local fica a cerca de três quadras de onde Evellyn foi atropelada pela viatura.
O Baile das Casinhas acontece às sextas-feiras e sábados, a concentração começa por volta da meia-noite e segue ao longo da madrugada. “É grande, sim. Quase com a mesma fama do DZ7”, diz a garota, em referência ao baile funk de Paraisópolis, onde 9 pessoas foram mortas em 1º de dezembro do ano passado durante uma ação policial que, segundo a versão oficial, também foi provocada por uma perseguição.
Em reportagem publicada pela Ponte em dezembro, o promotor Hidejalma Muccio mencionou que, mesmo que a perseguição de Paraisópolis seja verídica, isso não isenta os PMs. “Pouco importa saber se houve perseguição ou não houve, saber se a perseguição era legítima ou não era legítima. Jamais a polícia poderia entrar naquele local, com aquela quantidade de gente, colocando em risco a vida daquelas pessoas, com a justificativa de prender criminosos”, disse, à época, o promotor.
Situação parecia aconteceu em Cidade Tiradentes. Evellyn afirma que, no momento em que a viatura passou perseguindo um carro, havia grande aglomeração. “Tinha muita gente no meio da rua quando a viatura veio em alta velocidade perseguindo o carro preto roubado. Não dava para passar ali daquele jeito”, avalia a vítima.
Ela também ficou impressionada com a truculência da polícia, mesmo antes de ser atropelada. “É bem comum a PM vir, soltar uma bomba, dar uma dispersada. Mas dessa vez foi demais”, explica. Em vídeo gravado por ela mesma, minutos antes de ser atropelada, jovens correm procurando se proteger de uma dessas investidas da PM ocorridas naquela madrugada.
Evellyn disse que vai dar um tempo dos bailes. “Eu estou com medo, sim. Não estou conseguindo nem sair de casa”, desabafa.
A mãe de Evellyn, a auxiliar de limpeza Priscila de Souza Silva, 35 anos, afirma que a primeira ligação que recebeu não atendeu porque estava dormindo e não ouviu. Quando soube, entrou em desespero. “Foi um susto muito grande. Ainda bem que ela foi puxada, senão em vez de eu estar falando agora com você no telefone, poderia estar no enterro dela”, desabafa.
Priscila afirma que, embora se preocupe com a segurança da filha e não goste tanto assim dos bailes, considera que é uma diversão da juventude da quebrada que deve ser compreendida. “Eu acho errado o jeito que a polícia tem tratado o baile funk. Eles precisam entender que eles têm família e a gente também. São nossos filhos, poderiam ser os deles”, critica.
A mãe de Evellyn afirma que pretende registrar boletim de ocorrência e levar o caso para a Corregedoria da PM. Além de Evellyn e da amiga que foram atingidas pela viatura, uma terceira garota teria sido atropelada pelo carro em fuga.
A Ouvidoria da Polícia de SP quer o afastamento dos policiais envolvidos na ocorrência até o fim das investigações. “Instaurei procedimento nesta segunda-feira e oficiei a Corregedoria da PM pedindo para que haja a instauração de inquérito policial militar e pedi o afastamento de todos os PMs”, destaca o ouvidor Benedito Mariano.
Em nota, a SSP-SP informa que Polícia Militar e o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) investigam a ocorrência.
Criminalização do funk
O ativista de direitos humanos Darlan Mendes, 30 anos, que desde domingo tem acompanhado os desdobramentos da ação policial na Tiradentes, alerta que não é o primeiro caso de violência policial na região. Ele destaca a ação do 28º BPM/M, batalhão da região, que, segundo Mendes, tem agido com violência com relação aos bailes funk.
“Considero mais uma vez uma ação violenta e imprudente do 28º batalhão. Como uma viatura de polícia passa por cima da perna de uma vítima e mesmo assim continua, atropelando as pessoas, como se fosse um boliche humano? É desumano a forma que estão agindo. Estão promovendo um verdadeiro extermínio de pessoas em baile funk”, avalia o ativista, responsável por levar o caso à Ouvidoria da Polícia.
Mendes lembra de dois casos que tem acompanhado que aconteceram na mesma região. “Foi esse mesmo batalhão que cegou a adolescente Gabriella Talhaferro, 16 anos, no baile do Beira Rio, em Guaianazes. E em 30 de setembro de 2013, uma ação do mesmo batalhão também em um baile funk fez Rodrigo, na época com 16 anos, mais uma vítima de de bala de borracha que perdeu a visão. Esse caso não tem nenhuma punição até hoje”, lamenta.