Aluno que ameaçou ‘matar a negraiada’ é novamente expulso do Mackenzie

    (*) Arthur Stabile e Mariana Ferrari

    Apoiador de Bolsonaro, Pedro Baleotti fez declaração racista no dia da eleição presidencial de 2018 e postou nas redes sociais | Foto: Reprodução

    Em novo processo, universidade seguiu regras internas e decidiu, novamente, pela expulsão de Pedro Baleotti; Justiça anulou processo anterior pela comissão descumprir procedimentos

    Desde o dia 30 de outubro de 2018, Pedro Baleotti, 25 anos, é protagonista de um processo judicial que envolve racismo e expulsão. Na época, o então aluno de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie ameaçou “matar a negraiada” em vídeo divulgado nas redes sociais. Menos de dois meses depois da gravação, em 12 de dezembro, a universidade determinou sua expulsão. Após a decisão ser anulada pela Justiça Federal de São Paulo, o Mackenzie abriu novo processo que culminou, novamente, na expulsão de Pedro em 12 de abril de 2019.

    Na gravação que gerou seu desligamento do Mackenzie, Pedro ameaça “matar a negraiada” vestindo uma camiseta do então candidato à presidência da República Jair Messias Bolsonaro – o representante do PSL foi eleito com 55% dos votos. “Indo votar ao som de Zezé [di Camargo e Luciano, dupla sertaneja], armado com faca, pistola, o diabo, louco para ver um vadio vagabundo com camiseta vermelha e já matar logo. Ó, tá vendo essa negraiada (virando a câmera em direção à uma moto parada no farol), vai morrer, vai morrer, é capitão, caralho!”, defendeu durante o vídeo.

    A nova expulsão de Pedro foi compartilhada nas redes sociais pelo Coletivo Negro AfroMack nesta sexta-feira (24/5). “É com um profundo sentimento de alívio que o Coletivo Negro Afromack informa que Pedro Baleotti, estudante do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie está oficialmente expulso da instituição”, sustenta a publicação.

    “A decisão veio a muito custo, seis meses praticamente de luta. A portaria publicada em abril e só divulgada agora aconteceu pois precisávamos de um aval da reitoria. Não publicamos antes por estar sem a assinatura do reitor, o que ficamos cobrando por um mês para termos esse documento oficial”, explicou uma integrante do coletivo, que prefere não se identificar. Os membros do grupo consideram que, ao se exporem, há risco de sofrerem represálias internamente.

    Após a mobilização estudantil contra suas falas, Pedro se desculpou e disse que não era racista, violento ou preconceituoso. Em entrevista à Ponte, o advogado de defesa, Norman Prochet Neto, alegou que seu cliente não era racista, pois “namora uma menina parda há nove anos”.

    O processo de expulsão

    Assim que o vídeo ganhou repercussão, Pedro foi afastado da universidade. Pouco depois, no dia 12 de dezembro de 2018, o Mackenzie decidiu pela sua expulsão. Mas, no dia 21 de janeiro deste ano, a juíza Federal Sílvia Figueiredo Marques anulou a decisão.

    Sílvia acatou a liminar do advogado, alegando descumprimento no processo feito pelo Mackenzie, já que a universidade não havia seguido à risca o Código de Decoro Acadêmico (que pode ser lido aqui). O documento apontava que a “comissão Sindicante deveria ser formada por cinco membros, sendo três professores, um membro do corpo técnico administrativo e o Corregedor Disciplinar universitário, o que não ocorreu”, argumentou a defesa.

    Manifestante cobra a direção do Mackenzie durante ato, em janeiro, pela expulsão de Pedro | Foto: Everton Pires Luz/Ponte Jornalismo

    Desde então, o Coletivo AfroMack, em parceria com a EducAfro e outros movimentos negros, levantou manifestações em repúdio à decisão. Em ato realizado no dia 24 de janeiro, os estudantes pediam uma posição da reitoria e queriam um novo processo para a expulsão definitiva do estudante.

    Com o mesmo Código de Decoro que impossibilitou a expulsão de Pedro, a universidade abriu um novo processo alegando – novamente – que o aluno cometeu “infração disciplinar”. Nesse novo processo de expulsão, a universidade seguiu detalhadamente o Código Acadêmico – sem infrações -, constatando a quebra do art. 8º, em seu inciso V do 1º parágrafo, o qual explica que “discriminação religiosa ou racial, de incitamento, bullying e congêneres” são infrações disciplinares desde o dia 21 de janeiro de 2017.

    Para ajudar nessa nova fase, o advogado criminal Flávio Campos, 27 anos, se tornou um orientador jurídico do AfroMack. “O coletivo tinha ideia, anseio, mas não tinha a visão jurídica a respeito. E aí eu pontuava o aspecto jurídico do que eles reivindicavam. O que eles estavam amparados pela lei, o que era direito de expressão, o que era dano moral, o que era racismo explícito, implícito, estrutural ou jurídico”, explicou.

    Campos acompanhou os alunos em reuniões tanto com a reitoria quanto com a diretoria da Faculdade de Direito da Universidade. Ele mesmo se classifica apenas como uma figura política na movimentação, já que o processo ocorreu “dentro das prisões do regimento acadêmico”. Flávio, “acha difícil” a defesa de Pedro conseguir uma “reversão jurídica”, pois não houve infrações no novo processo.

    Em tentativa de mandado de segurança no TRF (Tribunal Regional Federal) de São Paulo, Pedro tentou obter liberação para entregar seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), baseando-se na primeira decisão da Justiça, que reverteu a expulsão. No entanto, a juíza federal Silvia Figueiredo Marques negou o pedido, justificando a realização do segundo processo de exclusão.

    “A decisão, que determinou o desligamento da faculdade, está em vigor, já que, como afirmado pela autoridade impetrada (Mackenzie), o impetrante (Pedro) não recorreu administrativamente da mesma. Não cabe, pois, a este juízo determinar que a autoridade impetrada promova a defesa do TCC do impetrante após nova decisão administrativa que determinou seu desligamento, cuja validade e regularidade não está sendo discutida nestes autos”, argumenta Marques.

    Os alunos do AfroMack agradecem a reitoria da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a Faculdade de Direito do Mackenzie, a EducAfro e as entidades estudantis que participaram da mobilização. “É uma grande vitória, o Pedro, se não me engano, se torna o primeiro estudante em faculdade particular do Brasil expulso por racismo. Sabemos que ainda há vários Pedros ocultos aqui e em outras universidades, mas que sirva de exemplo e eles saibam que existe na faculdade um regimento interno, que muitos desconhecem, e que não vamos mais tolerar preconceito”, ressalva a mesma aluna, que não quer se identificar.

    A Ponte tentou contato com o advogado Norman Prochet Neto, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno. Também tentamos uma posição da universidade, mas a assessoria não sabia do caso e disse que, até o momento, “não há nota oficial”.

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