Durante pandemia, polícia do Rio diminui operações e mortes em favelas caem 60%

    Estudo da Rede de Observatórios no RJ mostra ligação entre operações e letalidade policial: “coronavírus obrigou o governo a interromper operações no atacado”

    Operações diminuíram após decretado estado de emergência | Foto: Divulgação/PMERJ

    O início do isolamento social provocado pela pandemia de coronavírus gerou queda de operações policiais e, consequentemente, redução de mortes causadas pelo braço armado do Estado no Rio de Janeiro. Estudo da Rede de Observatórios da Segurança identificou diminuição de 74% nas ações e de 60% nas mortes.

    São dois os períodos de análise: do dia 1º de março ao dia 15, antes da decretação de estado de emergência pelo governador Wilson Witzel (PSC), e de 16 até o dia 30, já com isolamento e ações preventivas para evitar a disseminação do vírus.

    O atual governo implementou o uso de caveirões aéreos, como são chamados os helicópteros usados como plataforma de tiros em operações. É com Witzel que surgem os snipers (atiradores de elite) e drones assassinos em ações rotineiras, que identificam pessoas suspeitas e são autorizados a atirar. A política de segurança adotada no estado gerou denúncia na Organização das Nações Unidas.

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    Nos intervalos observados, as operações caíram de 139 na primeira metade do mês para 56 na parte final de março. Somando o mês inteiro, a quantidade de mortes diminuiu quando comparado com março de 2019: 15 mortos contra 36 do mesmo período no ano passado.

    A diminuição contrasta com a política adotada pelo governador Witzel. Ao longo de 2019, em seu primeiro ano no comando do estado, a polícia dobrou a quantidade de ações e foi responsável por um homicídio doloso a cada 3 registrados no Rio. Há locais em que as mortes cometidas por policiais dobraram, como no Complexo da Maré.

    Segundo Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios, os números evidenciam uma alteração na política de segurança pública do estado em seguida à ação de Witzel. Ficaram de lado as ações “grandes”, em que a polícia “é recebida a tiros, chega atirando e mata uma ou duas pessoas”.

    “Temos evidências muito fortes de que o primeiro impacto da pandemia nas políticas de segurança foi interromper esse tipo de predominância de operações no atacado”, analisa Silvia, explicando que o período de 15 dias é curto para fazer projeções futuras.

    A especialista detalha que já há registros de operações em larga escala nesta primeira semana de abril em localidades com grandes populações, como os complexos da Maré e Alemão, na Pedreira, Acari e Baixada Fluminense.

    População tem se recolhido e se prevenido da doença | Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

    Silvia explica que, historicamente, este tipo de ação, com contingente elevado de policiais e uso da força em detrimento da inteligência, gera pouco sucesso. “Mais empurram os grupos para dentro das áreas e têm pouco efeito de desarticulação”, detalha.

    “É muito tiro, enfrentamento, pouca inteligência, pouco planejamento e tem efeito muito frágil. Tanto é que polícia tem que voltar lá na semana que vem, na outra semana, quase um círculo vicioso”, prossegue a coordenadora.

    Um alerta é de que as ações policiais como as que ocorreram ao longo desta semana interferem na mobilização popular para combater a pandemia de coronavírus e os impactos do isolamento em famílias que perderam suas rendas.

    A Ponte apresentou iniciativas, algumas delas no Rio de Janeiro. Há mobilização no Complexo do Alemão, com o Coletivo Papo Reto, e na Maré, com a Redes da Maré auxiliando moradores mais afetados, seja pela falta de alimentação ou de condições para a higienização contra a Covid-19.

    “Importante mencionar que acompanhamos grupos comunitários em muitas favelas se mobilizando em campanhas. Todos os esforços extremamente atrapalhados por operações policiais, que produzem tiroteio, desassossego, medo, intranquilidade”, afirma Silvia.

    Para a especialista, o momento pede soluções e não mais problemas. “Importante que a área de segurança não seja um problema a mais na pandemia relacionada a medo, a pânico, a feridos e mortos”, explica. “É claro que se a polícia entra vai ter tiroteio, pois tem grupos armados ali”, pondera.

    Silvia Ramos tem esperanças de que a mudança na atuação da polícia do RJ, temporária ou não, tenha frutos futuros. “Pode significar que o Estado acordou e entendeu que não é mais possível fazer política de segurança que privilegie a guerra e a morte, e mostre que é possível fazer, sim, com inteligência, planejamento e priorize salvar vidas”, diz.

    A Ponte questionou as polícias Militar e Civil do Rio de Janeiro sobre o motivo para queda nas operações e, consequentemente, na letalidade policial, e aguarda um posicionamento.

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