MC Cesinha conta que foi agredido duas vezes por guardas civis metropolitanos que atuam no centro da capital paulista; numa delas, um dos GCMs atirou intencionalmente; “tenho medo de sair de casa”, lamenta
O músico César Augusto Carvalho, conhecido como MC Cesinha, 30 anos, tinha conseguido um emprego como porteiro em um hotel no bairro da Santa Ifigênia, no centro da cidade de São Paulo, havia cinco dias. Nesta segunda-feira (24/4), porém, ele foi demitido do novo trabalho, por medo de sair à rua e mais uma vez sofrer ser vítima dos agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) que atuam na região.
Cesinha denuncia que foi agredido duas vezes em menos de três dias pelos guardas. Primeiro, durante a tarde do feriado de Tiradentes (21), quando estava ensaiando para uma apresentação que aconteceria à noite no Teatro de Contêiner e que fazia parte da programação de um seminário justamente sobre violações contra a população em situação de rua que vive na região conhecida pejorativamente como Cracolândia, cena aberta de uso e venda de drogas. O show integra o projeto de redução de danos Teto, Trampo e Tratamento, do psiquiatra Flavio Falcone.
Na tarde do dia 21, por volta de 14h, Cesinha e outros participantes do seminário saíram para almoçar e viram uma viatura da GCM passando pela Rua dos Gusmões. “A gente seguiu andando e eles jogaram a viatura. Eu tentei mudar de calçada, quando eles vieram superarbitrários me abordar”, denuncia. “Uma policial [guarda] feminina apontando arma na minha cara e o outro me deu um soco na cara, quase quebraram meu dedo”.
Os três guardas pertenciam à Inspetoria de Operações Especiais (IOPE), considerada “tropa de elite” da GCM, e Cesinha afirma que conseguiu identificar apenas um deles, que trazia a identificação “Dos Anjos”. A Ponte localizou, no site do Diário Oficial da Cidade, apenas um GCM dessa inspetoria com esse sobrenome: Ivanilson Francisco dos Anjos. “Eu saí dali com crise de raiva e de choro”, lamenta o MC.
A segunda agressão foi no dia seguinte, domingo (23). Cesar havia trabalhado como porteiro noturno e estava a caminho de casa, por volta das 7h da manhã. “Para ir para a minha casa, não tem jeito, eu tenho que passar pelo fluxo”, conta. “Fluxo” é como se chama a cena aberta de uso e venda de drogas. Quando chegou ao local, estava acontecendo uma operação da GCM. “Não deixaram eu passar, fizeram eu voltar em direção ao fluxo e dispararam uma bala [de borracha] de [calibre] 12 [de borracha]”, denuncia.
O disparo foi intecional e o guarda fez questão de mirar em sua cabeça, segundo Cesinha. “Na hora, eu não senti o impacto, mas depois eu vi que furou meu boné e eu fiquei com dor de cabeça”, afirma o MC. “Ainda revistaram todo mundo da Cracolândia, inclusive eu, para deixar eu sair”. Dessa vez, não foi capaz de identificá-los, pois estavam com o rosto coberto por balaclava, uma espécie de máscara preta que cobre todo o rosto deixando apenas os olhos à mostra.
Cesinha conta que já foi abordado outras vezes pela Guarda, mas esses dois episódios foram os mais violentos pelos quais já passou. “Eu saí do meu trabalho, cansado, para passar por um constrangimento desse. Eu não consegui trabalhar, falei para o meu patrão, mas não teve como. E se eu saísse de casa de novo e acontecesse algo pior? Esses guardas tinham que proteger, não torturar e agir com abuso de autoridade”, lamenta.
Ainda no domingo, o músico foi ao Pronto Socorro Municipal Dr. Dino de Almeida, no bairro da Barra Funda, zona oeste, onde foi medicado. “A minha dor de cabeça passou, mas ficou o trauma”, diz, indignado.
Essa não é a primeira vez que a população que vive ou frequenta a região da Cracolândia denuncia agressões por parte da GCM. A denúncia mais recente é de um relatório da Defensoria Pública, que identificou violações de direitos humanos praticados durante uma operação em 4 de abril, com dispersão “violenta” e apreensão de itens pessoais dos usuários em situação de rua.
No ano passado, por conta de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público junto com a Defensoria, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que a Prefeitura, que está sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB), deve coibir “excessos” por parte da guarda no território.
Além disso, decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de agosto de 2022, apontou que guardas municipais não têm poder de polícia e não podem realizar abordagens. Os ministros também há haviam reforçado, em decisão de abril do ano passado, que nem mesmo a polícia pode enquadrar sem motivos.
A Ponte também já publicou diversas denúncias sobre práticas inconstitucionais da GCM que atropelam políticas de saúde no local, envolvendo uso de armas menos letais e agressões.
À reportagem, o advogado Flavio Campos, que representa a vítima, informou que Cesinha registrou boletim de ocorrência por lesão corporal no 77º DP (Santa Cecília) na tarde desta segunda-feira (24) e que requisitou exame de corpo de delito nas lesões e vai fazer uma representação na Corregedoria da GCM.
O que diz a Prefeitura
A Ponte questionou a Secretaria Municipal de Segurança Urbana da gestão do prefeito Ricardo Nunes, que é responsável pela GCM, sobre a denúncia da vítima e o que a gestão está fazendo para coibir violações de direitos humanos no território tendo em vista a decisão judicial. A assessoria não respondeu as perguntas e encaminhou a seguinte nota:
A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) informa que atuação da Guarda Civil Metropolitana (GCM) é pautada no respeito aos diretos humanos e na dignidade das pessoas. As ações da Guarda na região da Nova Luz e adjacências, visam garantir a segurança da população local, das pessoas em situação de vulnerabilidade e dos agentes públicos das Secretarias das Subprefeituras, Saúde e Assistência Social durante a execução dos atendimentos e serviços de limpeza urbana.
A SMSU ressalta que Guarda Civil Metropolitana não compactua com irregularidades e, desde 2002, conta com uma Corregedoria Geral, criada pela Lei 13.396/02, responsável por apurar rigorosamente todas as denúncias e, caso constatadas ações irregulares, aplicadas as sanções previstas.
A GCM atua no patrulhamento comunitário e preventivo em toda a cidade de São Paulo e em apoio às demais instituições de segurança pública, de acordo com o previsto na Lei Federal 13.022, de 8 de agosto de 2014, além de integrar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), conforme a Lei 13.675, de 11 de junho de 2018.
Reportagem atualizada às 20h17, de 24/4/2023, após recebimento de resposta da SMSU.