Governo de SP é condenado a dobrar indenização para família de Laura Vermont

Desembargadores reverteram sentença e consideraram que atuação de PMs, que omitiram socorro e mentiram em depoimento, agravou sofrimento de parentes; jovem trans de 18 anos foi assassinada em 2015

Zilda e Jackson, pais de Laura Vermont, em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, em maio de 2019 | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

O Governo do Estado de São Paulo terá de dobrar o valor da indenização à família de Laura Vermont, mulher trans de 18 anos brutalmente assassinada em 2015 ao ser espancada por cinco homens e agredida e baleada por policiais militares quando pediu socorro. Isso porque a 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça acatou o recurso impetrado pela Defensoria Pública, que representa os parentes, para que seja pago o valor de R$ 100 mil em danos morais.

O G1 divulgou o resultado do recurso nesta sexta-feira (10/6) apontando que a determinação foi proferida na quinta-feira (9/6), porém, o acórdão (decisão de um grupo de magistrados) ocorreu em 25 de abril. O voto da segunda juíza Maria Olívia Alves foi publicado nesta semana e foi seguido pela maioria dos desembargadores, que divergiram do relator Maurício Fiorito.

Fiorito havia corroborado o mesmo entendimento do juiz Kenichi Koyama que atendeu parcialmente o pedido da Defensoria Pública, sentenciando o governo ao pagamento de R$ 50 mil, e reconheceu que os PMs Ailton de Jesus e Diego Clemente Mendes, que então atuavam no 39º Batalhão, omitiram socorro, foram negligentes na abordagem e cometeram fraude processual ao mentirem em depoimento, mas que não seriam os responsáveis diretos pela morte da jovem, já que o laudo médico identificou que ela morreu por traumatismo craniano e não por disparo de arma feito por Ailton, que a atingiu no braço. Para Fiorito, o valor era suficiente para compensar a dor dos familiares e não geraria enriquecimento ilícito.

Já Maria Olívia Alves destacou que a conduta dos policiais militares no atendimento de Laura agravou o sofrimento dos parentes. “O atendimento prestado foi, no mínimo, negligente e truculento. E isso somado à fraude processual e tentativa de alterar a verdade dos fatos, por parte desses mesmos policiais, autoriza o reconhecimento de que foi alto o grau de reprovabilidade de suas condutas, a justificar, a meu ver, a elevação do valor reparatório”, argumentou.

A magistrada também pontuou que os policiais tiveram descuido ao permitir que Laura ingressasse na viatura gravemente ferida e colidisse em um poste, sendo que ela necessitava de atenção e socorro imediatos. “Além disso, diante da sua situação de extrema vulnerabilidade, não se justificava ainda a efetivação de um disparo que acabou por atingir seu braço. Não houve contenção eficiente e proporcional”, criticou. “Ou seja, a filha dos autores, de apenas dezoito anos de idade, havia sido covardemente agredida e, portanto, a abordagem policial se justificava, para que a agressão fosse interrompida, o socorro imediato fosse prestado e os danos fossem amenizados. Mas não foi isso o que ocorreu. Os policiais conseguiram agredir mais a vítima e aumentar o sofrimento vivenciado por seus pais”.

No pedido de indenização, feito em outubro de 2020 e que cita reportagem da Ponte, a Defensoria solicitava o pagamento mensal de uma pensão no valor de salário mínimo por mês aos pais de Laura até 2062, quando ela completaria 65 anos, e uma indenização de R$ 2 mil para o casal por danos morais. A Ponte procurou a família de Laura sobre a decisão, mas não teve retorno. Cabe recurso à decisão judicial.

A Ponte também contatou a Procuradoria-Geral do Estado, que representa o governo paulista, cuja assessoria disse que está analisando a decisão.

Relembre o caso

O assassinato de Laura vai completar sete anos em 20 de junho e no âmbito criminal a data do júri popular foi marcada para 11 de maio de 2023. O julgamento por homicídio doloso (quando há intenção de matar) dos cinco civis réus – Van Basten Bizarrias de Deus, Jefferson Rodrigues Paulo, ambos de 24 anos, Iago Bizarrias de Deus, Wilson de Jesus Marcolino, os dois com 20 anos, e Bruno Rodrigues de Oliveira – já foi adiado duas vezes. Primeiro pela ausência de testemunhas, em maio de 2019. Depois, por causa da pandemia, em março do ano passado. Os acusados respondem em liberdade.

Já os policiais militares foram demitidos da corporação em dezembro de 2016, conforme publicação no Diário Oficial do Estado. A Polícia Civil entendeu que os dois não participaram do homicídio e o inquérito foi arquivado.

Na época, Ponte revelou imagens de câmeras de segurança de estabelecimentos comerciais que mostram Laura sendo perseguida e agredida pelos cinco homens quando passava pela avenida Nordestina, Vila Nova Curuçá, zona leste de São Paulo. Na versão da polícia, ela se desentendeu com o grupo ao passar por ele. A PM foi chamada para atender a ocorrência. Os policiais Ailton e Diego alegaram que Laura estava extremamente agitada e, sem que os dois militares percebessem, a jovem teria assumido o volante do carro da PM e partiu em alta velocidade, vindo a perder o controle e bater contra o muro de um condomínio poucos metros depois. A família afirma, porém, que Laura não sabia dirigir.

Diego disse que ainda teria se ferido ao tentar pará-la e, quando ela desceu do veículo, Laura continuou a correr pela avenida Nordestina, sendo atingida na cabeça por um ônibus, que não parou. Os PMs não mencionaram o disparo que foi feito contra ela na delegacia e disseram que haviam a socorrido ao hospital, mas a família afirma que os próprios pais a levaram para ter atendimento médico. Laura, porém, chegou sem vida ao hospital.

Ajude a Ponte!

Desde então, familiares lutam por justiça. “É pelo o que eu vivo todos os dias”, desabafou Zilda Laurentino, mãe de Laura, em entrevista à Ponte em maio do ano passado, quando contou estar à base de remédios e ter tentado fazer acompanhamento psicológico. “Eu vou levar a perda da minha filha por toda a minha vida, se não fosse o trabalho no pet shop, já teria enlouquecido, mas não vou desistir.”

Reportagem atualizada às 10h, de 11/6/2022, para incluir resposta da PGE.

Já que Tamo junto até aqui…

Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

Ajude

mais lidas