Governo Doria some com mais de 800 casos de coronavírus em prisões de SP

    Secretaria da Administração Penitenciária culpa testagem; especialista aponta “tentativa de omitir a verdadeira situação no sistema prisional”

    Ilustração: Junião

    Em 24 horas, o sistema do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), que monitora os casos de coronavírus no Brasil, sumiu com 812 casos confirmados da doença nos presídios paulistas. O órgão subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, mas é alimentado por dados dos governos estaduais. Nesta quarta-feira (1/7), a Secretaria de Administração Penitenciária de SP informou que são 219 casos confirmados nas prisões paulista. O número representa uma queda drástica no que aparecia no painel do Depen até terça-feira (30/6): 1.019 casos de presos infectados.

    Nem mesmo na redução estatística Depen e SAP entraram num acordo, já que o órgão federal indicava queda para 207 confirmações. Ainda, segundo o Depen, o número de suspeitos e recuperados também teve queda: de 102 para 77 detentos com suspeita e de 225 para 66 presos recuperados.

    A SAP-SP negou que os presos, antes confirmados, sumiram das estatísticas e atribuiu a redução drástica de um dia para o outro a mudanças na testagem. Em nota, a secretaria informou que “os dados foram atualizados para apresentar os casos comprovados por meio do exame laboratorial de RT-PCR”, que seria o “teste mais eficaz na confirmação da Covid-19”.

    “Os números anteriores traziam a soma destes com os resultados de exames sorológicos de testagem rápida. Estes últimos identificam a presença de anticorpos no organismo testado, o que não implica a presença do vírus. Por isso mesmo, seus resultados exigem validação por outro meio”, explicou a pasta.

    No dia 24 de junho, uma testagem massiva para Covid-19 detectou 854 presos confirmados somente na Penitenciária Dr. Antonio de Souza Netto, a P2 de Sorocaba, no interior do estado, segundo tabela de monitoramento da própria Secretaria de Administração Penitenciária de SP obtida pela Ponte.

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    Três dias antes, o Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública havia feito uma visita técnica ao local e identificado mais de 700 casos de contaminação, o que indicava que 34,53% da população prisional da P2 estava com coronavírus.

    Foi nessa unidade prisional onde aconteceu a primeira morte por coronavírus no sistema prisional paulista e segunda no Brasil, de detento de 67 anos, no dia 19 de abril.

    No interior do estado, unidades que registraram, no dia 24/6, mais de 10 casos confirmados foram: o Centro de Detenção Provisória de Jundiaí (20), o Centro de Progressão Penitenciária de Campinas (11) e as penitenciárias de Iperó, Mirandópolis II e Irapuru, cada uma com 12 positivos.

    Além dos presos, há casos de servidores contaminados e morrendo por causa do coronavírus, como vem denunciando o Sifuspesp (Sindicado dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo). E há diferenças no levantamento do sindicato e da SAP. Os dados atualizados nesta quarta-feira (1/7) pelo Sifuspesp informam que 21 servidores morreram, 270 estão contaminados e há 84 casos suspeitos. No entanto, levantamento anterior, do dia 24 de junho, da SAP indicava 17 mortes em todo o estado e 507 confirmados.

    “Falta de transparência é alarmante”

    Para Marília Budó, coordenadora do Infovírus, um observatório de casos de Covid-19 em prisões que reúne diversos grupos de pesquisadores, a explicação da SAP não convence “já que a soma não fecha”.

    “Não é a primeira vez que o painel do Depen apresenta uma mudança drástica e inexplicada. Mas este caso se destaca porque se trata de uma redução drástica não apenas nas confirmações, de 1.019 para 207, de um dia para o outro, mas também dos recuperados, que caiu de 225 para 63”, aponta.

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    “O Infovírus tem exposto as inconsistências metodológicas do painel desde abril. A falta de transparência é alarmante, pois não há qualquer uniformidade metodológica na construção dessas categorias de ‘suspeitos’, ‘detectados’, ‘óbitos’ e ‘recuperados’. Números de detectados somem, aparecem números de recuperados que nunca haviam sido computados como contaminados, fora todo o problema da subnotificação”, aponta Budó.

    A advogada Maria Clara D’ávila, integrante da Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, lembra que, desde antes das testagens nos presídios, os sindicatos já anunciavam suspeitas da doença na categoria de trabalhadores prisionais. “Isso causa grande pânico entre os familiares e ausência de transparência sobre o que está acontecendo”, pontua.

    A ausência de informações precisas, afirma a advogada, reflete no drama dos familiares que, sem as visitas, ficam sem saber quais são riscos e perigos as pessoas privadas de liberdade estão enfrentando.

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    Para D’ávila, a inconsistência dos dados pode ser uma tentativa de omitir a verdadeira situação no sistema prisional e, assim, “blindar eventual responsabilização do governo, das autoridades, das secretarias penitenciárias, dos governos estaduais e, inclusive, do poder judiciário”.

    “Isso [omitir dados] já é um precedente do Governo Federal em relação a casos das pessoas que estão fora dos presídios, quanto mais lá dentro, que é um local, por si só, que potencializa violações de direitos”, argumenta.

    D’ávila também lembra a insistência dos governos em não adotar o desencarceramento, principal medida para evitar a contaminação dentro dos presídios. “É uma relutância dos governos que proferem declarações contrárias a isso, estimulando medo na sociedade, e é uma postura que vem sendo adotada pelo poder Judiciário em todas suas instâncias”.

    “Há uma coalizão de diversos poderes e autoridades que estão cometendo negligência e colocando em risco a vida dessas várias pessoas que correm risco de contaminação e de morte dentro desses estabelecimentos”, aponta.

    O que diz o governo

    Segundo a SAP-SP, há “219 detentos confirmados com Covid-19 por exame PCR, sendo que desses 15 faleceram, 409 com suspeitas que testaram positivo em Teste Rápido e 76 isolados com suspeita sem confirmação”.

    A pasta informou que os servidores em contato com os presos infectados usam mecanismos de proteção padrão, como máscaras e luvas descartáveis. Quando o diagnóstico é confirmado “além de continuar seguindo os procedimentos indicados, o preso será mantido em isolamento na enfermaria durante todo o período de tratamento e encaminhado para atendimento hospitalar em caso de agravamento”.

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    Entre os funcionários, afirma a SAP-SP, são 310 confirmados com Covid-19 por exame PCR, sendo que desses 18 faleceram, 263 com suspeitas que testaram positivo em teste rápido e 279 afastados com suspeita, mas ainda aguardando confirmação. “Todo servidor com suspeita de diagnóstico de Covid-19 está devidamente afastado sob medidas de isolamento em sua residência”, frisa a pasta.

    O Depen foi procurado pela reportagem, mas, até o momento de publicação, não obtivemos retorno.

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