Em 8 mortes pela PM no Guarujá, Polícia Civil pediu imagens de câmeras de apenas uma

Ponte teve acesso a oito boletins de ocorrência das 16 mortes na Baixada Santista após deflagração da Operação Escudo; além da ausência de pedidos de imagens de câmeras na farda, delegado determinou entrega irregular de armas de PMs

Ato “Ser pobre não é crime” pediu fim da Operação Escudo que ocorre desde sexta-feira (28/7) na Baixada Santista | Foto: Ailton Martins

As imagens das câmeras corporais (COPs) dos policiais envolvidos nas mortes no Guarujá, litoral paulista, foram solicitadas em apenas um dos casos de mortes. A Ponte teve acesso a oito boletins de ocorrência que registraram os óbitos em intervenção policial. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP), 16 pessoas morreram desde o início da Operação Escudo, deflagrada no último sábado (29/7). 

Dos BOs aos quais a Ponte teve acesso apenas três identificaram as vítimas. Elas são Fábio Oliveira Ferreira, 40 anos; Cleiton Barbosa Moura, 24 e Rogério Andrade de Jesus, 50. 

O único caso em questão as imagens das câmeras foram solicitadas pela Polícia Civil é o da morte de Rogério ocorrida na manhã de domingo (30/7) no Morro do Macaco, em Guarujá. O óbito ocorreu no segundo dia da Operação Escudo, deflagrada após a morte na sexta-feira (28/7) do soldado da PM Patrick Bastos Reis, 30 anos. Integrante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), Reis foi atingido por um tiro enquanto estava em patrulhamento no mesmo município. 

Em resposta ao episódio, 600 policiais (incluíndo civis e militares) foram enviados no sábado (29/7) para a região da Baixada Santista com objetivo de investigar a morte de Patrick. No domingo (30), a Ouvidoria das Polícias já havia recebido relatos de moradores da região com denúncias de tortura e outras violações por parte dos agentes.

Rogério foi morto com tiros de fuzil. O boletim de ocorrência registrado na 1ª Delegacia de Polícia do Guarujá aponta que o sargento Eduardo De Freitas Araújo, o cabo José Pedro Ferraz Rodrigues Junior e os soldados Augusto Vinicius Santos de Oliveira e Vitor Nigro Vendetti Pereira participaram da ação, mas não há indicação do batalhão em que eles atuam.

O sargento Eduardo e o soldado Augusto relataram estarem na avenida principal do Guarujá quando “populares começaram a apontar para o morro”. Com isso, a equipe saiu da viatura e iniciou uma incursão no Morro do Macaco. Ainda segundo o narrado pelos PMs, ao seguirem a direção que essas pessoas indicavam, chegaram a uma casa. 

Eles afirmaram que perguntaram a vizinhos, mas que não responderam, e viram a porta entreaberta. O sargento Eduardo disse que viu “um indivíduo armado com uma pistola” e “verbalizou imediatamente para ele largar a arma, mas ele não largou” e deu um disparo de fuzil 762. 

O soldado Augusto disse que ouviu o colega dizer “polícia, larga a arma, larga a arma” e na sequência um disparo de arma de fogo, mas não conseguiu ver o homem porque estava atrás do sargento e que depois do disparo viu Rogério com uma arma e a pegou. O sargento disse que acionou o resgate, mas “demorou uns 50 minutos para o SAMU chegar, pois é área de comunidade”.

O cabo José Pedro Ferraz Rodrigues Junior e o soldado Vitor Nigro Vendetti Pereira afirmaram não ter presenciado a morte de Rogério por estarem na retaguarda. Ambos contaram ter ouvido um grito de “larga a arma” e o disparo na sequência. A dupla disse que não atirou. 

No relato do soldado Vitor, o sargento Eduardo saiu da casa logo em seguida e solicitou resgate. Ele teria entrado no local e encontrado drogas e um colete balístico. Foram apreendidos uma pistola 380 com numeração raspada, três tijolos de maconha, um celular e um colete a prova de balas. 

Os quatro policiais envolvidos na ocorrência informaram que estavam com as câmeras corporais ligadas. O delegado Otaviano Toshiaki Uwada solicitou as imagens e o depoimento de mais testemunhas. As armas foram apreendidas e consta que os policiais preencheram formulário da assistência jurídica pela Defensoria Pública. 

As câmeras corporais foram adotadas em 2020 por alguns batalhões da Polícia Militar de São Paulo por meio do programa Olho Vivo. Até o final do ano passado, 62 dos 135 agrupamentos do estado adotaram as COPs — entre eles o 1º Batalhão de Choque, a ROTA. 

A consequência do uso das câmeras foi a queda na letalidade policial. Entre 2020 a 2022 houve redução de 76,2% quando analisadas as ocorrências de policiais em serviço que passaram a usar os aparelhos. 

Nos demais boletins analisados pela Ponte não há sequer menção ao aparelho por parte dos policiais envolvidos e nem pelos delegados responsáveis pela investigação. 

Na quarta-feira (2/8), o Ministério Público de São Paulo (MPSP) solicitou acesso às imagens das câmeras corporais dos policiais envolvidos. O órgão também designou três promotores da Baixada Santista para atuar na análise das ações da polícia durante a Operação Escudo.

Entrega irregular de armas

Em outro BO ao qual a Ponte teve acesso, de uma vítima não identificada, o tenente Nicolas Alves Moraes, que não participou da ocorrência, é quem dá os depoimentos. Ele aponta que os policiais Rubem Pinto Santos, Rafael Perestrelo Trogillo e Samuel Wesley Cosmo disseram que estavam fazendo incursão a pé na comunidade da Prainha às 20h10 do sábado (29/7), no Guarujá quando teriam vsito três indivíduos, dois portariam pistolas e o terceiro carregaria uma mochila.

Segundo os PMs, um dos suspeitos apontou uma arma em direção à equipe. Rafael disse que deu cinco tiros de fuzil 556. O PM Samuel Cosmo disse também tinha feito disparos de fuzil 762, mas não mencionou quantos. Já Rubem disse que deu três tiros de fuzil 556. Depois, o trio de criminosos fugiu, sendo que um foi alvejado e tomou uma direção enquanto os outros dois suspeitos foram para outra. O PM Samuel Cosmo disse foi atrás do alvejado “e logo percebeu que o mesmo ainda portava a pistola de forma ameaçadora razão pela qual necessitou realizar novos disparos” e que “somente após esses disparos que a situação foi apaziguada”.

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O que chama a atenção é que o delegado Josias Teixeira De Souza orienta o tenente Nicolas a entregar as armas dos PMs ao Instituto de Criminalística (IC), responsável pela perícia, o que contraria uma decisão da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que em julho 2021 estabeleceu que apenas a Polícia Civil pode apreender objetos de crime, como armas, em casos de mortes de civis praticados por policiais militares.

Outro lado

A reportagem entrou em contato com a SSP solicitando informações sobre o uso das câmeras pelos 600 policiais envolvidos na Operação Escudo. Também foi questionado se as apurações até aqui houve pedido posterior por parte dos delegados encarregados das imagens.

Em nota, a SSP informou que as imagens serão anexadas aos inquéritos em curso e estão disponíveis para consulta do MP, do Poder Judiciário e da Corregedoria da PM.

Veja nota na íntegra

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informa que atualmente estão em uso 10.125 câmeras corporais pelas forças policiais no Estado, distribuídas em 52% das unidades da Polícia Militar. As imagens das câmeras corporais serão anexadas aos inquéritos em curso e estão disponíveis para consulta irrestrita pelo Ministério Público, Poder Judiciário e a Corregedoria da PM.

Todos os batalhões de policiamento da Capital e Grande São Paulo possuem o equipamento, assim como alguns batalhões do interior, incluindo Santos, Guarujá, Campinas, Sumaré e São José dos Campos. O 1º e 2º Batalhão de Policiamento de Choque também utilizam as câmeras e, ainda no segundo semestre de 2023, o programa será reforçado.

Todas as ações são apuradas pela própria Polícia Militar, por meio de sua Corregedoria, como também pela Polícia Civil, além da fiscalização do Poder Judiciário e do Ministério Público.

*Matéria atualizada às 14h de 4 de agosto de 2023 para incluir a nota da SSP

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