Evento promoveu conversa entre ativistas cujos familiares sofreram violência do Estado, incluindo as brasileiras Rute Fiúza e Débora Silva: “Nós temos muitos George Floyd no Brasil”
Uma rede de mães vem sendo construída em termos globais. O desejo delas era que fosse uma rede de felicidade, de orgulho de suas crias e seus feitos incríveis. Mas essa rede foi tecida com lágrimas, luto e força, pois os filhos dessas mulheres sofreram a violência de quem deveria protegê-los e garantir seus direitos: o Estado.
Mães do Brasil, do México e da Colômbia estiveram reunidas nesta quinta-feira (8/10) para falar de suas lutas contra a violência do Estado na live “Resistindo à violência de Estado nas Américas: mães na linha de frente”, organizada por Yanilda Gonzales, professora assistente de Políticas Públicas da Harvard Kennedy School e pela Universidade de Harvard (EUA).
“Se essa luta é globalizada, precisamos oferecer uma resposta global”, afirmou a brasileira Débora Silva, fundadora das Mães de Maio. Ao longo de sua fala, a mãe de Edson Rogério Silva dos Santos, morto pela polícia paulista em maio de 2006, contou sua trajetória por diversos países para falar da violência policial que seu filho e tantos outros sofrem no Brasil. “Nos foi pedido para ocupar essa América para pedir direito a vida”.
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A baiana Rute Fiuza, fundadora das Mães de Maio do Nordeste, foi pontual na sua fala: “Pra mim, a democracia nunca chegou. Nem para mim, nem para as Mães de Maio”. Falar no dia em que seu Davi, desaparecido em 2014 após uma abordagem policial, completaria 22 anos exigiu força, sobretudo para relembrar sua trajetória e luta pela verdade diante dos olhos de dentro de fora das fronteiras brasileiras. “É um dia triste, mas é também um dia de saudade”, disse antes das lágrimas rolarem pelo seu rosto. Mas isso não a impediu de ser incisiva: “Há um complô de genocídio, de extermínio da juventude negra. Nós temos muitos George Floyd no Brasil “
Da Colômbia, Jacqueline Castillo Peña, do Mães dos Falsos Positivos, contou a história de seu irmão, Jaime, e dos “falsos positivos” de Soacha e Bogotá, um grupo de pessoas assassinadas por membros do Exército colombiano que buscavam premiações ao atingir as metas impostas pelo Estado. “Nossos mortos têm voz, nós somos suas vozes”, afirmou durante sua narrativa que, não fosse o idioma, o espanhol, poderia representar qualquer periferia do Brasil. “Nós, os pobres, e as pessoas negras também, nascemos marcados. Somos pessoas que devem desaparecer”, pondera.
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Cristina Salvador Bautista mora em um rincão afastado do México e nunca tinha imaginado que seu filho, Benjamín Ascencio Bautista, estudante de Iguala, no sudoeste do país, poderia desaparecer. “Nunca imaginei que havia tantos milhares de desaparecidos no México até o caso do meu filho acontecer”, relata. Junto com outros familiares, ela organizou o “Mães e pais dos 43 estudantes desaparecidos de Ayotzinapa” e percorreu o país exigindo saber a verdade. “São seis anos de caminhada. Não gostava de sair, mas pelo meu filho e seus companheiros, comecei a sair para falar sobre eles”.
A live foi um espaço para que essas mulheres e tantas outras pessoas pudessem compartilhar histórias, e acima de tudo, de somar as lutas e ter o conforto de não estarem sozinhas. “Essas mães não vão desistir de sua luta por justiça e verdade”, afirmou a professora Yanilda, organizadora do evento. “Essas mulheres formaram laços para além dos idiomas e fronteira. Vamos continuar apoiando seu trabalho”.