Para epidemiologista, sanitarista e patologista ouvidos pela Ponte, a prioridade deveria acontecer porque a população negra morre mais de coronavírus e não teve direito ao isolamento social
Pessoas negras devem ser prioridade na vacinação contra Covid-19? Para especialistas ouvidos pela Ponte, sim. A discussão foi iniciada após um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em que o economista Pedro Fernando Nery defendeu a priorização alegando que a população negra tem probabilidade maior tanto de morte quanto de internação do que brancos.
De acordo com o Painel de Monitoramento Covid-19, do Ministério da Saúde, até esta quinta-feira (22/4) 14.122.795 pessoas já foram infectadas pela pandemia em todo o país, e 381.475 pessoas morreram da doença. No ranking global, o Brasil só fica atrás dos Estados Unidos, que tem 583.330 mortes.
Em relação às vacinas, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, 27.523.231 pessoas tomaram a primeira dose da vacina no país e 10.947.310 a segunda, num total de mais de 38,4 milhões de doses aplicadas, até 21 de abril de 2021. De acordo com a Folha de S. Paulo, até 22 de março de 2021, a população branca representava quase o dobro que a população negra entre os vacinados: 38% x 21%.
A Ponte vem noticiando como a pandemia tem vitimado mais a população negra. Entre os fatores determinantes estão a desigualdade social e falta de equipamentos de saúde em regiões periféricas, que concentram a população negra no país.
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Para o epidemiologista Paulo Andrade Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a priorização da vacinação para pessoas negras deveria estar em vigor, já que “os dados de mortalidade na cidade de São Paulo mostram que o risco de morte por negros na pandemia é quase cinco vezes o de branco”.
Em São Paulo, uma pesquisa apontou como a população mais pobre foi a mais atingida. De acordo com boletim lançado em agosto de 2020, divulgado pelo monitoramento Covid-19, do Projeto SoroEpi MSP, feito pela parceria do Instituto Semeia, Grupo Fleury, IBOPE Inteligência e Todos pela Saúde, a população negra e pobre é a mais afetada. A soroprevalência entre pessoas negras é de 20,8%, comparada a 15,4% dos brancos. Quando o boletim foi divulgado, a cidade de São Paulo tinha 1,5 milhão de pessoas com mais de 18 anos infectadas pelo novo coronavírus.
Em boletim de outubro de 2020, a população negra e pobre continuava sendo a mais infectada pelo vírus. Entre os mais ricos a soroprevalência do vírus, ou seja, detecção de anticorpos que prova que a pessoa teve contato com Covid-19, é de 21,6%, enquanto a população mais pobre tem 30,4%. Nessa fase, mais de 26% da população adulta do município de São Paulo já possuía anticorpos contra o coronavírus: dos 8,4 milhões de pessoas com mais de 18 anos na cidade de São Paulo, ao menos 2,2 milhões já foram infectados pelo coronavírus.
“A razão é que a profissões e atividades consideradas como ‘essenciais’ são mal remuneradas e impedem o trabalho em domicílio. A melhor forma de atingir a população negra será: por áreas de atividade formais em um primeiro momento e, depois, priorizando as áreas da cidade com número maior de casos e mortes”, argumenta Lotufo.
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Para o médico sanitarista, Daniel Dourado, advogado e integrante do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP, seria inviável colocar a população negra como grupos prioritários, por ser maioria da população, mas acredita que “priorizar áreas de atividade mais expostas seria a melhor forma de minimizar esse efeito de desigualdade da vacina”.
“Determinando grupos prioritários por faixa de idade e atividade profissional, priorizar CEP seria uma iniciativa interessante no cenário de escassez de vacinas”, completa Dourado.
O biomédico Jonathan Vicente, patologista clínico e mestrando da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, concorda. Para ele, a população negra deve estar ao lado dos povos indígenas na prioridade de vacinação. “A população negra é a que está sendo menos vacinada do que a população branca”.
Entre os motivos, argumenta Jonathan, estão a desinformação e o foco nos grandes centros urbanos brasileiros. “As regiões mais metropolitanas estão com mais prioridades do que as regiões interioranas, principalmente nas regiões do Nordeste. É preciso, primeiramente, entender por que isso está acontecendo”.
O biomédico também explica que a população negra deveria ser prioridade por conta das comorbidades. “Na população negra temos bastante pessoas com diabetes, o que agrava casos de Covid. Priorizando pessoas com comorbidades, priorizamos a população negra”.
Outro fator, defende Jonathan, está nas profissões que não tiveram direito ao isolamento social. “A população negra é a que menos trabalha em profissões na saúde, como médicos e enfermeiros. E sabemos que os profissionais de saúde autônomos não entraram na prioridade de vacinação”.