Manifestação percorreu o centro da capital paulista com gritos por justiça e homenagens aos nove jovens mortos após dispersão de um baile funk pela PM em 2019
Familiares e movimentos sociais se encontraram no Vale do Anhangabaú, no centro da capital paulista, na tarde desta quarta-feira (1/12), para um ato em memória aos nove jovens mortos após ação da Polícia Militar ao dispersar um baile funk em Paraisópolis em 2019.
Parentes das vítimas anunciaram que participaram da construção de um projeto de lei que institui o dia 1 de dezembro como Dia da Memória, Verdade e Justiça para a juventude e familiares de vítimas da violência de Estado nas esferas municipal, estadual e federal. Na Câmara dos Deputados o projeto será protocolado pela deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), pela deputada estadual Mônica Seixas (PSOL) e na Câmara de Vereadores de São Paulo, por Luana Alves (PSOL). “É um projeto que escrevermos juntos porque não vivemos só do luto, estamos em luta”, declarou Danylo Almicar, 20, irmão de Denys Henrique, 16.
“Eu estou aqui por verdade, memória e justiça, porque esse crime não pode ficar impune. Entregaram meu filho num saco plástico para eu enterrar, isso é desumano”, diz Maria Cristina Quirino, 39, que tatuou no braço o nome de Denys. “A polícia que deveria proteger matou meu filho, não é essa a polícia que me representa, que a gente precisa”, criticou.
Desconstruir a versão da polícia sobre o que aconteceu no baile da DZ7 foi objeto da série de nove vídeos intitulado Paraisópolis: 3 atos, 9 vidas produzidos pela Defensoria Pública em conjunto com o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp) e familiares, que foi lançado na segunda-feira (29/11), cujos filmes estão disponíveis no canal do YouTube do CAAF e serão utilizados também durante o período de audiências do processo que está em tramitação no Tribunal de Justiça de São Paulo, que analisará se o caso será julgado por um júri. Um policial militar foi acusado por explosão e 12 por homicídio qualificado. O Ministério Público entendeu que eles assumiram o risco de praticar as mortes, com agravantes de motivo fútil, que dificultou a defesa das vítimas, com emprego de meio cruel e concurso de agentes (quando mais de uma pessoa participou do crime).
Durante o protesto, as famílias ganharam apoios de peso, como o de Zilda Maria de Paula, 68, do movimento Mães de Osasco e Barueri, que é mãe de uma das 19 vítimas da chacina ocorrida em agosto de 2015: “A minha revolta é que a gente não está aqui porque quer. Eu perdi meu único filho porque estava num bar. Os meninos foram mortos porque estavam num baile. Não está fácil. Vidas negras importam?”, questionou.
O ato partiu em direção à Catedral da Sé, passando por pontos-chave do centro de São Paulo, por volta das 15h. Em cada parada, um discurso de parente ou personalidade que acompanhava a caminhada.
“Não é falta de preparo, o capitão da Rota [em 2017] disse que a abordagem tem que ser diferente da periferia e dos jardins. Que segurança pública que nós temos?”, afirmou o estudante e ativista Thiago Torres, conhecido como Chavoso da USP, em frente ao prédio da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP). Coros de “não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar” e “chega de chacina, eu quero o fim da polícia assassina” também foram entoados durante o trajeto.
Já em frente ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o gestor ambiental Maurício Botelho, 59, sobrevivente do Massacre do Carandiru, questionou: “São 30 anos de impunidade pelos 111 mortos, os nove jovens vão esperar isso também?”. Ocorrido em 1992, o caso está prestes a ir para o Supremo Tribunal Federal, depois que a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça não reconheceu, este mês, a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo para que o julgamento, realizado em 2014, fosse anulado.
“Seu juiz, mataram meu filho! Vocês precisam dar uma resposta, vocês nos adoeceram, há dois anos destruíram a minha familia”, suplicou muito emocionada Adriana Regina dos Santos, 49, mãe de Dennys Guilherme dos Santos Franco, também em frente ao TJSP.
Por volta das 16h35, o protesto chegou à Catedral da Sé, também no centro da cidade. Um missa conduzida pelos padres Júlio Lancellotti e Luciano Borges, que atua há 13 anos em Paraisópolis, homenageou as vítimas do massacre. Lancellotti foi duro em seu sermão: “Disseram que foi tragédia, que foi pisoteamento, mas o que aconteceu foi uma execução. Meninos que foram encurralados pela polícia”. Em março de 2020, o padre Luciano conversou com a Ponte e declarou: “medo talvez seja a palavra que mais bem define Paraisópolis”.
Triângulo, violão, boneca, bola, caminhão de brinquedo entre outros foram alguns dos objetos levados como ofertório durante a missa. Após rezarem um Pai Nosso, padre Júlio pediu para que dissessem em voz alta “força e coragem”. Logo depois, aconteceu a comunhão.
Em frente à catedral, após um canto, os presentes acenderam velas e estenderam cartazes, faixas e fotos das vítimas, gritando: memória, verdade e justiça.