No dia em que massacre ocorrido em Manaus (AM) completa um mês, manifestantes condenaram visão de que ‘presos são mercadoria’ e cobraram responsabilização: ‘Umanizzare assassina’
Duas faixas, uma branca e outra preta, carregavam as frases “Umanizzare assassina” e “Preso não é mercadoria”. O protesto aconteceu na Avenida Faria Lima, zona oeste de São Paulo, área rica da capital paulista, sede da empresa Umanizzare, responsável pela administração de presídios no Norte e Nordeste do país. Em 26 de maio, 55 presos morreram em massacre ocorrido em quatro unidades geridas pela empresa em Manaus, capital do Amazonas.
No dia que o episódio completou um mês, na quarta-feira (26/5), integrantes da FED (Frente Estadual pelo Desencarceramento) de São Paulo organizaram o protesto. Cerca de 15 pessoas se manifestaram em frente ao número 4.221 de um prédio luxuoso. Segundo eles, levaram um número restrito de forma proposital, apenas de quem está imerso na luta, como representantes da Amparar (Associação de Amigos/as e familiares de presos/as).
Era por volta de 17h quando começaram a escrever nas faixas e, meia hora depois, se posicionaram com uma caixa de som em frente à entrada do prédio. Eles reproduziram relatos gravados com familiares das vítimas do massacre. Seguranças tentaram impedi-los, primeiro dizendo que o som atrapalharia as pessoas que trabalham no primeiro andar e, depois, dizendo que o ato não poderia acontecer ali, apenas na rua. “Estamos na calçada”, respondeu uma ativista.
O grupo leu um manifesto contra o encarceramento em massa, alertando para o fato de a Umanizzare ter interesse em participar do processo licitatório para a privatização de quatro unidades prisionais em São Paulo. O governo de João Doria (PSDB) não explica os detalhes da proposta, mas diz que a intenção é ampliar para mais presídios paulistas. Ainda em Manaus, o Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) também foi palco de outro massacre, com 56 mortos em janeiro de 2017. O total de mortos em dois anos e seis meses é de 111, mesmo número registrado no maior massacre prisional do Brasil, em 1992, no Carandiru, em São Paulo.
“Não aceitamos o discurso de que as recorrentes matanças dentro do sistema penitenciário são simplesmente decorrentes de briga entre facções”, discursou um dos integrantes da FED. “Essa visão retira do Estado e das empresas, de forma inaceitável, a responsabilidade não só pelo que acontece dentro dos presídios, mas também pela lógica sangrenta e racista do encarceramento massivo que produz essa violência”, completou, encerrando a fala com o grito “Umanizzare assassina”.
Antes do ato começar, um funcionário do prédio questionou o que eles fariam e, posteriormente, retornou com três seguranças. Segundo um dos ativistas, eles foram ameaçados por um deles, que disse “cuidado para não serem mais um”, em referência aos mortos de Manaus. “Estão fazendo isso porque é parente de vocês”, teria dito outro. Os homens ainda reclamavam das velas postas na calçada de pedra do edifício.
“Vamos vir o quanto for preciso. Essas pessoas tinham mãe, tinham nome, eram mais do que R$ 4 mil por mês. É assim, com mortes, que se constrói um prédio na Faria Lima”, criticou uma manifestante, se referindo ao gasto médio com cada preso em Manaus. O governo amazonense paga essa quantia para a Umanizzare, em um total de R$ 836 milhões nos últimos cinco anos, conforme reportagem do Brasil de Fato.
Na caixa de som, as falas eram de mães e familiares de presos. Elas denunciaram à Pastoral Carcerária situações que aconteciam antes do massacre, o que, segundo elas, evidenciava as precárias condições às quais os presos estavam condicionados.
“Eles sabiam que ia acontecer massacre lá dentro, com certeza. Quando eu saía de onde meu filho estava, a Umanizzare perguntava se estava tudo bem porque eles sabiam que ia acontecer alguma coisa. Estou muito revoltada”, diz uma das familiares. “Colocam duas pessoas para revistarem as comidas, chegava 8h e entrava 13h. Tinha dia com muita gente com criança. Às vezes, só dava um beijo no meu filho e ia embora. Perdi meu único filho”, completa.
Outra mãe relembra o alerta que o filho deu antes de morrer. “Eu fui uma das três últimas a sair no dia do massacre. Ele falou para mim ‘Vai se não pode morrer aqui dentro’. E falou ‘ai meu Deus’ quando a polícia estava para entrar. Ele falou isso porque eles iram fazer carinho? Não”, conta.
Elas também criticam a situação de quem sobreviveu após o massacre. “Quando o Choque entrou junto com a Umanizzare, eles colocaram os meninos para a quadra só de cueca, fizeram eles cantarem o hino nacional, mandaram gritar o nome do Bolsonaro. Começaram a descer o cacete, quebraram braço, cabeça, jogaram spray de pimenta… Meu marido até hoje está mal com isso, situação que não vem aqui para fora. Eles jogaram sabão em pó na quadra e mandavam eles correrem, teve um que caiu e quebrou o queixo”, conta uma companheira de preso.
A Ponte questionou a Umanizzare sobre os posicionamentos dos manifestantes e dos familiares. Também questionamos o que fora feito pela empresa desde o massacre em maio. A empresa nos enviou uma nota com os nove apontamentos a seguir:
“A Umanizzare Gestão Prisional Privada esclarece:
- A empresa cumpre integralmente os termos dos contratos assinados com o Governo do Estado do Amazonas, demonstrando, por meio de relatórios, todo o conjunto de serviços prestados nas seis unidades cogeridas.
- Diferentemente do que costumam afirmar, cogestão não significa privatização – o que sequer é permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro. Cabe ressaltar, que no modelo de cogestão os presídios são administrados, ao mesmo tempo, pelo poder público e pela iniciativa privada, de forma complementar. Tudo que se relaciona com segurança e disciplina são de responsabilidade do Poder Público.
- Destaca-se que os agentes de ressocialização da empresa sequer podem portar cassetetes ou fazer revistas nas celas sem apoio policial.
- A empresa reafirma seu papel de cumprimento das atividades-meio dentro dos presídios, como limpeza, alimentação, assistência material, cursos profissionalizantes, suporte psicológico, social, ocupacional e religioso e atendimento médico, farmacêutico e ambulatorial.
- Neste episódio atual, como também em 2017, a empresa disponibilizou uma equipe psicossocial, orientando as famílias quanto aos procedimentos de liberação de corpos e os trâmites para o enterro, bem como realizando o primeiro acolhimento psicológico. Na sede da SEAP, no departamento de reintegração social, juntamente com a Umanizzare, está à disposição dos familiares para o apoio psicossocial, conforme já divulgado na imprensa. Este serviço está disponível das 8h às 17h.
- Em 2018, foram 204.185 mil atendimentos, desse total destacam-se: 31.378 mil atendimentos em assistência social, 9.055 assistências odontológicas, 14.176 de enfermagem e 10.630 atendimentos de assistência médica.
- Outro dado importante, é total de dias remidos, que somaram 8.852 mil em 2018, desse total, 861 foram remição por trabalho, 1.288 por estudo e 6.703 por participação nos projetos de ressocialização.
- A empresa trabalha em conjunto com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – SEAP no apoio necessário à retomada da normalidade dentro das unidades, no escopo restrito de suas atividades que complementam a atuação do poder público.
- Por fim, a Umanizzare confirma que está apta para prestar os serviços de cogestão e não tem nenhum impedimento técnico ou jurídico para participar de nova licitação no Amazonas ou de qualquer outro certame no Brasil.”, sustenta a Umanizzare.