Educafro entrou com ação para anular decisão tomada pelo ex-ministro antes de ele fugir para os EUA: “vitória de todo o movimento negro do país”, afirma Irapuã Santana
O Ministério da Educação anulou a decisão de revogar as cotas raciais nesta terça-feira (23/6). Antes de fugir do país, na última quinta-feira (18/6), o ex-ministro da educação Abraham Weintraub, em uma “canetada”, havia acabado com cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência nos cursos de pós-graduação.
Assinada em 2016 pelo então ministro Aloizio Mercadante, no segundo governo de Dilma Rousseff, a medida (Portaria n° 13/2016) previa que universidades federais tivessem um plano para inclusão de negros, indígenas e pessoas com deficiência em mestrados e doutorados.
A manobra do agora ex-ministro provocou indignação e motivou a Educafro a entrar com uma ação contra a Portaria 545 de 16 de junho de 2020 assinada por Weintraub, que o advogado e professor de Direito processual Irapuã Santana chamou de “desmonte claro sobre as nossas esperanças enquanto população”.
Para Santana, a revogação da portaria foi “uma vitória de todo o movimento negro do país”. Ele lembra que, assim que a decisão saiu, na semana passada, a manifestação contrária foi imediata. “Não ficamos só na nota de repúdio, fomos brigar. Fomos à justiça federal, no STJ, no STF e também no Legislativo. Em todas as frentes conseguimos atacar esse abuso perpetuado pelo Weintraub”, conta. “Vamos ficar sempre de olho para que não haja mais retrocessos”, afirma.
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À Ponte, Irapuã Santana, que integra a Educafro, explicou que a motivação para que a entidade entrasse com a ação foi um “sentimento grande de injustiça em relação às políticas públicas de inserção das minorias no campo acadêmico, em que muitas vezes as pessoas precisam daquela bolsa, que funciona como custeio da família”.
Na ação, a Educafro pontuou que “a revogação [da política de cotas na pós-graduação] compõe uma violação à Constituição, ao Estatuto da Igualdade Racial, à Década Internacional dos Afrodescendentes da ONU e aos princípios gerais do Direito Administrativo”.
“A situação da população negra no Brasil não é por acaso. É um reflexo da estrutura escravocrata na qual a economia brasileira se baseou por quase 400 anos, combinada com o total abandono dos negros recém libertos após a abolição da escravatura”, continuou a ONG na ação.
“Aos negros foi negado o direito de adquirir terras, à educação, além de ser criminalizada a ausência de trabalho (vadiagem) bem como de costumes culturais da população negra, como a capoeira”.
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Para a Educafro, “a revogação desestimula a manutenção das políticas afirmativas, tendo em conta que não basta que as cotas existam, é necessária fiscalização, ajustes, debates e estatísticas para que os resultados sejam demonstrados”.
A ação também traz dados da implementação da portaria de 2016. Segundo a Educafro, após a implementação das cotas na pós-graduação, em 2016, o Brasil passou a contar com 320 mil mestres e doutores negros, em 2019.
Apesar do avanço, o número de negros e indígenas ainda é muito baixo. Os 320 mil mestres e doutores negros brasileiros correspondem a 25,60% do total nacional, que contabiliza 1,25 milhão de mestres e doutores.
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Irapuã explica que a medida não gerava custo extra para o governo então não tinha motivo para ser revogada. “As cabeças pensantes ainda são majoritariamente brancas. [A política de cotas] acaba sendo um projeto de ascensão social via educação, que é totalmente legítimo e benéfico. Essa portaria faz negro e o indígena ocuparem os espaços de poder, os espaços pensantes”, aponta.
Para Irapuã, a “canetada” de Weintraub foi mais uma evidência de que existe um projeto do governo que prevê o desmonte das esperanças das pessoas. “É uma série de desmonte de políticas públicas, voltadas para a população negra, para as minorias”.
O advogado também lembra da situação da Fundação Palmares, que está sendo comandada por Sérgio Camargo, declaradamente contrário ao movimento negro e que nega o racismo. “A Fundação Palmares que vem apagado diversos artigos e textos voltados para a questão racial no Brasil, tivemos esses desmonte em que você impede a pessoa a ter acesso a educação. No final das contas é isso. Você não deixa que a pessoa consiga desenvolver todo o seu potencial. É um recado muito claro para a manutenção dos privilégios”, argumenta.
“Precisamos formar pensadores negros e indígenas, precisamos ocupar esses espaços porque não temos professores negros, não temos essas referências. Um país que não tem referência é um país que não consegue sonhar. Sem a oportunidade de sonhar você não consegue ir para frente”, finaliza.