Abaixo-assinado tem mais de 5,8 mil apoiadores e grupo acusa integrantes de albergue de roubos até estupro, o que a Polícia Civil nega ter comprovado
Moradores da Mooca, na zona leste de São Paulo, buscam assinaturas em um abaixo-assinado com a intenção de retirar do bairro um CTA (Centro Temporário de Acolhimento), também conhecido como albergue, localizado na rua João Soares, 81, na Água Rasa. O aparelho é voltado aos moradores em situação de rua, com atendimento diário de 440 pessoas. No local são ofertados banhos, dormitórios e refeições.
Na visão de parte dos mooquenses, desde a instalação do aparelho, há cerca de dois anos, suas vidas têm sido um transtorno, atraindo mais roubos e furtos para o bairro. As críticas começaram na página do Facebook Portal da Mooca e são vistas em visita ao local. Os vizinhos do CTA ainda afirmam que um estupro, cometido no último dia 15 de outubro, dentro de uma residência na rua Cavalieri, a cerca de 500 metros do aparelho, foi cometido por um convivente do albergue. Esta versão é refutada pela Polícia Civil.
Nas redes sociais, moradores promoveram diversos ataques aos albergados e também ao padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua. O pároco da região tem conhecida ação com desabrigados na região da Mooca e do Belém, o que gera o ódio de parte dos moradores da região. Lancellotti já foi agredido por guardas e recebeu ameaças de morte, com a CIDH cobrando sua proteção por parte do estado brasileiro.
“A pergunta que fica: até quando ficaremos a mercê dessa raça?”, questiona Emerson Zanon em uma publicação do Facebook. “Tem que acabar com esse alberque e colocar na rua do João Doria!”, esbraveja Selma Sampaio, ao se referir ao atual governador de São Paulo e prefeito da capital de 2016 a 2018. “Tudo culpa daquele padre do caralho Julio Lancelotti. Porque ele não leva essa cambada de vagabundo pra casa dele?”, pergunta Fabio Maregatti.
A reportagem da Ponte esteve durante toda sexta-feira na região, ouvindo policiais, vizinhos da vítima e moradores do CTA. Até às 20h desta sexta-feira, 5.850 pessoas já haviam assinado a petição. De acordo com os idealizadores, o material coletado será remetida ao prefeito Bruno Covas (PSDB), que sucedeu Doria. “Não tem indícios, em hipótese alguma (que seja um morador do albergue o estuprador). Até o momento não tem fundamento. Temos imagens e estamos investigando para chegarmos na identificação”, afirma o chefe dos investigadores Samir, que não detalhou sua identificação.
O agente atua no 57 DP (Distrito Policial), localizado no Alto da Mooca, unidade policial responsável pela apuração do caso. Samir nega que os crimes na região têm aumentado depois da instalação do CTA. “As ocorrências estão dentro da normalidade, nada que por conta do albergue tenha aumentado”, assegura o profissional.
A Polícia Civil obteve imagens de câmeras de segurança do homem que cometeu o estupro, inclusive, com a vítima reconhecendo o acusado. Depois de cometer o crime, o homem fugiu utilizando roupas furtadas da residência. A vítima, segundo vizinhos, é muito querida no bairro, mãe de uma criança pequena, que foi surpreendida dentro de sua casa. Além da violência física, ela teria sido picada diversas vezes por uma agulha em uma seringa.
No entanto, pessoalmente, o que se viu na tarde de sexta-feira (18/10) foram reclamações ponderadas dos vizinhos do albergue, diferentemente do tom pesado adotado nas redes sociais. “A Mooca era um bairro bem sossegado. Após o CTA, acabou o sossego. Você está andando na rua e desconfia até da sua sombra. Tem muitas vítimas de roubo, além do pessoal que urina na porta das casas”, conta o comerciante Murilo. Nenhum dos entrevistados que mora no entorno do albergue quis informar seus sobrenomes quando questionados pela reportagem. Eles temem alguma resposta negativa do povo de rua.
Outro comerciante que tem reclamações quanto ao CTA é Carlos, dono de um restaurante a poucos metros da unidade e, também, da casa invadida pelo estuprador. “Ninguém é contra albergue, só não deveria ser em área residencial. Tem uma creche na frente, eles bebem, usam drogas, ficam esparramados na calçada. Não estou dizendo que é de lá [o estuprador], mas tem grande chance de ser. Se não fosse a PM e a GCM, aqui já tinha virado uma Cracolândia. Eu não entro no caso da moça, porque ela precisa ser preservada”, diz.
O padre Julio Lancellotti diz lidar bem com a fúria dos moradores da Mooca contra seu trabalho. “Como eles percebem que eu os acolho [povo de rua], fazem críticas irracionais. É muito fake. Chegarem a dizer que prenderam o estuprador e que eu teria ido falar com o delegado para ele ser solto. Ultrapassam o limite da irracionalidade”, exemplifica o padre, considerando o abaixo-assinado baseado no preconceito. “Há uma rejeição porque a população de rua cresceu muito. As respostas da prefeitura são sempre as mesmas, como chegar a dizer que esse CTA teria cursos profissionalizantes, mas nunca teve. É um bairro de imigrantes que rejeita os migrantes, é isso que acontece na Mooca”, critica o padre.
Povo de rua condena crimes
Considerado um crime gravíssimo entra a massa carcerária, o estupro igualmente não é aceito entre as pessoas em situação de rua, que também estão em alerta e pretendem ajudar a polícia se o acusado for encontrado. “É muita injustiça por causa de um os outros terem que pagar. Tem trabalhador, idoso… Nem todo mundo é bêbado ou drogado”, diz Jacques Steenbock.
Steenbock é paranaense e seguiu a vida para Praia Grande, cidade na Baixada Santista, para cuidar de sua mãe que estava doente. Após seu falecimento, passou a viver nas ruas. “Acabei ficando desnorteado [após a morte]”, confessa. O homem, que ganha a vida vendendo panos de prato, está impedido de trabalhar após ter sua mercadoria apreendida pelo “rapa”, como é chamada a batida feita por funcionários da Prefeitura contra comerciantes irregulares. Segurando um anúncio sobre seus produtos, o homem fala para a reportagem que “só ficou a placa, sem mercadoria, porque o rapa levou na Avenida Salim Farah Maluf”.
Enquanto a reportagem da Ponte conversava com os moradores em situação de rua em frente ao CTA, uma viatura do 21º BPM/M (Batalhão da Polícia Militar Metropolitano) parou no local. O cabo que estava de serviço afirmou que chegou ao local após uma denuncia de que o estuprador estaria entre o grupo que esperava para entrar no abrigo. Um dos homens era negro e careca, assim como o acusado, mas outras características não batiam com o procurado. Após alguns minutos, a equipe policial deixou o local.
Paulo, o homem que foi considerado como suspeito, contou que moradores da região são preconceituosos. “É preocupante. Nós não podemos pagar pelo erro dos outros. O pessoal da Mooca é preconceituoso. Já te julga antes de te conhecer”, afirma.
De voz forte, cabelo loiro e de olhos cor azul, Adriano Casado é outro morador em situação de rua que crítica o pedido para fechar o abrigo. “Eu acho uma hipocrisia. Tem muito estupro na USP (Universidade de São Paulo) e não tem passeata para fechar. É muito fácil fechar um CTA. Quem prova que o rapaz é daqui? Por causa de um vamos sofrer retaliação? Estão aflorando o preconceito. Aqui tem mais de 70 idosos, se fechar, para onde eles vão? Nós estamos em perigo, não somos perigosos”, finaliza.
No mesmo instante das entrevistas, dentro do albergue, a Polícia Civil fazia novas diligências em busca da identificação do acusado pelo crime.
Procurada, a Associação de Moradores Amo a Mooca informou que não possui uma definição quanto a retirada do CTA Mooca I. No entanto, sua presidente, conhecida como Dona Zina, afirmou à reportagem que o “número de moradores em situação de rua no bairro está assustador. É muito trânsito de morador de rua. É muito gente rondando e dormindo na rua, algo que precisa ser revisto. Alguma coisa tem que ser feita para dar segurança maior para o morador”, posiciona-se.
Questionada sobre o pedido de fechamento do abrigo, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, administrada pela secretária Berenice Maria Giannella, afirmou, por telefone, que o estupro é um caso de polícia e que ainda não havia sido informada sobre o abaixo-assinado cobrando a retirada do CTA.
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