Órgão internacional cobra que Brasil proteja padre ameaçado de morte

    Documento foi feito pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Julio Lancellotti, que trabalha com pessoas em situação de rua, continua sendo ameaçado mesmo depois das denúncias que fez, em março de 2018: ‘Não mudou nada, ouço todo dia’

    Julio Lancellotti é pároco na Mooca, zona leste de SP, onde atua ativamente com povo em situação de rua | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), braço da OEA (Organização dos Estados Americanos), cobrou que o Estado brasileiro garanta a proteção do Padre Julio Lancellotti. O religioso, que atua na Mooca, zona leste da cidade de São Paulo, tem sido ameaçado de morte desde março de 2018, quando uma onda de ataques virtuais atingiu Lancellotti. Ele passou a receber mensagens como “morte ao padreco” e “tem que começar mandando esse padre pro inferno e depois seus seguidores”. O MP (Ministério Público) chegou a entrar no caso.

    Segundo o texto divulgado pela CIDH, o órgão cobra medidas cautelares das autoridades do país na Resolução 11/2019, assinada em 8 de março. O pedido tem como base o art. 25 do regulamento da CIDH, parte que trata sobre proteção judicial e que os Estados garantam ações “contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção”.

    O texto trata especificamente de Padre Julio, responsável pela Pastoral do Povo de Rua, e de Daniel Guerra Feitosa, uma pessoa em situação de rua atendida pelas ações do padre. Integrantes da Comissão estiveram no país em novembro de 2018 e, em uma das visitas, verificaram a situação tanto do defensor do povo de rua quanto de seus acolhidos.

    Na ocasião, em entrevista à Ponte, ele chegou a dizer que não atribui as ameaças a algum evento específico e sim ao trabalho pastoral em favor dos pobres que sempre desenvolveu de maneira suprapartidária. Em 2015, o padre denunciou repressão contra moradores de rua e tentativa de “higienização social em decorrência da especulação imobiliária” por parte da Prefeitura de São Paulo. Na época, o prefeito era Fernando Haddad (PT). Em 2017, foi a vez de Lancellotti criticar o projeto da farinata, do então prefeito e atual governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Na época, Lancellotti criticou a iniciativa, que acabou não indo para frente. “Secretário nenhum sabe como e onde será feito esse produto. Faltam dizer com clareza essas questões. Apoio o discurso de não partidarização, mas destaco que a fome é uma questão politica sim, porque não está na Noruega, Espanha, França. Está na África e em países do hemisfério sul, latinos”, provocou o religioso. A tal farinata é uma espécie de farinha feita com sobras de alimento e que tinha como público alvo crianças de escolas públicas e população em situação de rua.

    Na nota divulgada à imprensa, há a informação de que o Brasil o incluiu no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, ação decorrente das ameaças sofridas desde o início de 2018. No entanto, a Comissão critica o conjunto de ações. “Observamos que os eventos alegados de risco têm acontecido com certa frequência durante o tempo em que houve monitoramento do assunto, sem contar com informações detalhadas que demonstrem que as medidas de proteção implementadas estão no momento certo e efetivo”, sustenta a CIDH.

    Padre Julio considera que o pedido de um órgão internacional “é uma forma de cobrar e preservar a vida dos defensores de direitos humanos”, mas revela que não teve resultado prático até o momento. “As ameaças estão do mesmo jeito. Agora, na reintegração da Favela do Cimento, na Bresser, aconteceu o mesmo. É a mesma história, não muda”, conta.

    No sábado (23/3), moradores do Cimento atearam fogo nas próprias casas por alegarem falta de suporta da Prefeitura de São Paulo antes de sua remoção, que aconteceria na manhã seguinte. Padre Julio atua na região e esteve no local para auxiliar os moradores. “As pessoas batem no povo de rua e ameaçam: ‘Fala para o padre que ele será o próximo’. Me contam isso toda vez, todo dia”, explica o pároco.

    Desde a denúncia ao MP paulista, em março de 2018, ele conta que a situação não mudou e que não obteve nenhuma resposta por parte do órgão. “Eles receberam a denúncia, o caso, não sou eu que tenho que cobrar. Nem tenho tempo de pensar nisso, não consigo nem ter perspectiva [de como será daqui pra frente]”, aponta. Para Julio, o importante nesse momento é dar suporte ao povo do Cimento.

    “Está sendo difícil, não sei onde ficarão, não sei o que vai acontecer com eles. A sociedade está se tornando individualista, mas os gestos solidários são maiores”, diz sobre o incêndio, quando vídeos mostravam pessoas comemorando o fogo e chamando os moradores da favela de “vagabundos”. Um homem morreu queimado naquele dia.

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