Mortes pela PM foram 16% dos homicídios de SP em 10 meses

De janeiro a outubro, 479 pessoas foram mortas pela polícia; número é 31% menor que no mesmo período do ano passado, mas ainda vitima quase dois por dia

Frame de parte de degravação de vídeo proveniente da câmera acoplada na farda do cabo Elenilson. A Ponte censurou os dados do RG da vítima | Foto: reprodução

Com as mãos na cabeça, sem reagir, Vinícius David de Souza Castro Gomes, um jovem negro de 20 anos, foi gravado sendo executado pelo sargento Frederico Manoel Inácio de Souza, do 3º BAEP (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) de São José dos Campos, interior paulista, como a Ponte revelou em setembro e cujas imagens das bodycams dos policiais militares foram exibidas pelo programa Fantástico, da TV Globo, dois meses depois. Vinícius foi uma das 479 pessoas mortas pela PM de janeiro a outubro deste ano. Apesar da redução de 31% comparado ao mesmo período do ano passado, com 695 vítimas, ainda são quase duas pessoas mortas por dia pelo braço armado do Estado sob gestão do governador João Doria (PSDB).

Em relação ao mês de outubro, foram 43 mortes decorrentes de intervenção policial, quando os PMs estavam de serviço ou de folga. No ano passado, foram 45 ocorrências no respectivo mês, não havendo diferença significativa de comparação.

Especialistas em segurança pública apontam que indicadores usados para medir o uso excessivo da força é comparar homicídios dolosos e mortes praticadas pela polícia. Segundo estudos de Ignacio Cano, o ideal é a proporção de 10%, e Paul Chevigny sugere que índice maior de 7% é considerado abusivo. Em outubro deste ano, as mortes pela PM representaram 16% dos homicídios. No acumulado de 10 meses, a taxa foi de 16,6%. No mesmo período do ano passado, foi 22%.

Para a Francine Ribeiro, pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança, os dados mostram uma tendência que começou no segundo semestre do ano passado, quando Doria recuou em sua política de segurança pública, realizando mudanças que incluem a troca de comandante da corporação e comissões internas para acompanhar casos de mortes praticadas pela polícia, além da pressão popular. “Existem diversos fatores que têm a ver com a sociedade, com a postura do governo que ouviu a sociedade, porque no início governo, Doria tinha uma postura bastante favorável ao excesso da força policial, dando carta branca para que eles [policiais] agissem da maneira que fosse conveniente”, aponta. “A postura pró-responsabilização, de atuação de acordo com a lei, vem muito também com a mobilização social das pessoas, de comitês, os protestos de Vidas Negras Importam aconteceram não só na capital, mas na região metropolitana, nas cidades do interior, então teve uma repercussão muito grande aqui com o que aconteceu a George Floyd, e [Doria] adotou também o projeto de colocar câmeras nas fardas dos policiais como uma forma de controle e de fiscalização”.

No começo deste mês, a Secretaria de Segurança Pública reativou a Comissão de Monitoramento da Letalidade Envolvendo Policiais, conforme publicação do Diário Oficial do Estado, e a formação dos membros do grupo deverá ocorrer em 30 dias. A iniciativa tinha surgido pela primeira vez em 2000 pelo então governador Mário Covas (PSDB), com o objetivo de identificar os fatores que aumentavam o risco de letalidade em ações envolvendo policiais e propor medidas, após a Ouvidoria das Polícias ter realizado uma pesquisa sobre uso da força letal em 1999.

Nesta semana, a Rede de Observatórios da Segurança, que monitora indicadores e políticas de segurança pública em sete estados, publicou relatório sobre os dados de violência policial em 2020. Em São Paulo, das 814 vítimas, havia informação sobre cor/raça de 770 delas: 63% eram negras. Francine Ribeiro destaca a urgência sobre a discussão do racismo como a pele alvo das mortes tendo em vista que, em comparação com o Censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 35% dos habitantes do estado paulista se declaram pretas ou pardas. “Existe o fator de racismo, o fator de preconceito porque a população [negra] é menor, mas é que a mais sofre e é mais vitimizada pela violência policial”.

Crimes patrimoniais seguem aumentando

Com relação a outros indicadores, os crimes patrimoniais apresentaram aumento em outubro deste ano em comparação com o ano passado. Furto foi de 32.704 para 44.029, ou seja, 25,7% a mais. Um dos casos que tomou repercussão a partir do final de setembro foi o de uma mãe de cinco filhos que furtou R$ 21 em mercadorias de um supermercado, incluindo miojo, suco e refrigerante, como a Ponte revelou, e a discussão sobre furto famélico foi retomada.

Furtos de veículo foram de 5.442 para 7.631, uma diferença de 28,6%; roubos aumentaram de 15.782 para 18.618, o equivalente a 15,2%; e roubos de veículos foram de 2.354 para 3.023, um aumento de 22,1%.

Para a pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança, esses resultados refletem o cenário de crise econômica atual. “Estamos vivendo alta de desemprego e, no dia a dia do monitoramento e de registros, percebo que furtos de diversas origens, pequenos furtos, têm voltado a crescer e levado pessoas para a prisão, como peça de carne, algum tipo de comida, cabos elétricos. Isso tem ocorrido não só naquele recorte que se estigmatiza, mas de pessoas que em um desespero, em uma emergência, acabam tomando esse tipo de atitude”.

O que diz a polícia

A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública sobre os índices, bem como sobre o caso de Vinicius David. A In Press, assessoria terceirizada da pasta, encaminhou a seguinte nota:

A SSP informa que a letalidade policial no Estado caiu 37% ao longo dos últimos 15 meses. Esse resultado é fruto de um amplo trabalho de gestão desenvolvido junto às forças policiais, incluindo medidas de modernização, a análise de ocorrências graves e o fortalecimento dos sistemas corregedores. Em relação ao caso de citado pela reportagem, a Polícia Militar esclarece que ele é investigado pela Corregedoria por meio de inquérito policial militar, que segue sob sigiloso, conforme previsto no Código de Processo Penal Militar.

Um fator que deve ser considerado ao analisar os indicadores criminais é atipicidade do ano de 2020, em decorrência das medidas sanitárias e restritivas adotadas durante a pandemia da Covid-19. Na comparação entre os dez primeiros meses do ano de 2021 com o mesmo período de 2019, houve redução dos roubos (-12,73%), roubos de veículos (-31,09%), furtos (-14,54%) e furtos de veículo (-14,33%) no Estado. De janeiro a outubro, as forças de segurança estaduais prenderam 139.009 criminosos e 298.829 inquéritos foram instaurados. Mensalmente, as forças de segurança analisam criteriosamente os dados criminais e apresentam soluções para combater a criminalidade e aumentar as ações de proteção da população.

Reportagem atualizada às 17h17, de 16/12/2021, após recebimento de resposta da SSP.

Metodologia

As estatísticas usadas nesta reportagem foram retiradas dos comunicados publicados mensalmente pelo gabinete do secretário da Segurança Pública no Diário Oficial do Estado de São Paulo, sendo que os dos meses anteriores já haviam sido compilados pela reportagem da Ponte, sempre com base nos relatórios do Diário Oficial. Para chegar ao Número de mortos pela PM, somamos dois campos do relatório original: Pessoas mortas em confronto com a polícia militar em serviço e Pessoas mortas por policiais militares de folgaO número obtido por essa soma, em seguida é usado no cálculo da Porcentagem dos mortos pela PM sobre o total de homicídios (segundo gráfico). O item "total de homicídios" reúne tanto os homicídios dolosos no geral como as mortes cometidas pela polícia — embora o governo não chame os mortos pela PM de homicídios, os estudos sobre o tema, de Ignacio Cano e Paul Chevigny, apontam que, para efeitos de análise, essas mortes também devem ser incluídas quando se analisa o total de mortes violentas intencionais. Os dados dos homicídios dolosos bem como dos crimes patrimoniais podem ser consultados no site da SSP: http://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/pesquisa.aspx 

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