Manifestantes contra as medidas de isolamento social e pedindo a renúncia de Doria e a criminalização do comunismo se reuniram nesta sexta (2). Na mesma região um grupo antifascista foi dispersado pela PM
Cerca de 40 pessoas de do movimento de extrema-direta “Ucraniza Brasil” se reuniram na tarde desta sexta-feira (2/4) no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. Os manifestantes protestavam contra as medidas de isolamento social tomadas pelo governador de São Paulo, João Doria para conter a pandemia da Covid-19.
Eles também reivindicavam a criminalização do comunismo, a renúncia de Doria, eleições diretas para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e uma nova constituição, com o fim do foro privilegiado para políticos.
Os manifestantes carregavam também uma faixa em homenagem ao policial militar Wesley Soares morto após disparar para o alto em direção a policiais do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), que tentavam negociar a rendição dele em Salvador no último domingo (28/3).
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A morte do policial insuflou o debate na ala bolsonarista sobre as medidas de contenção da pandemia, pois foi interpretado que o PM não queria reprimir trabalhadores que estavam nas ruas ou com comércios abertos por conta da pandemia.
A concentração do ato desta sexta-feira teve início ao meio-dia e, apesar dos recordes nos números de mortos e da alta taxa de infecção pelo novo coronavírus, nenhum policiamento era feito no local. Por volta das 14h um grupo de cerca de 10 manifestantes antifascistas se aproximaram do Vale do Anhangabaú, e então duas viaturas e duas motocicletas da Polícia Militar apareceram imediatamente e iniciaram a dispersão dos antifascistas.
De acordo com o fotógrafo Rogério de Santis que esteve no local, a Polícia Militar sob o comando do capitão Esteves enquadrou os manifestantes do grupo antifascista e os dispersou um a um. “Eles enquadraram os antifascistas, deixaram todo mundo em fila, revistaram e pegaram os documentos e os nomes”.
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Os policiais diziam: “Você está com tudo aí, não tá faltando nada, pega as suas coisas e eu te convido para deixar o local, se vocês quiserem podem se reunir mais tarde, se vocês quiserem se reunir tem que falar primeiro para a polícia”, relatou o fotógrafo.
Após a dispersão do grupo antifascista, Rogério diz ter ouvido o policial militar Esteves se referindo ao grupo como “baderneiros”. Enquanto isso, a reunião do grupo “Ucraniza Brasil” continuava. “Formaram uma rodinha de conversa e eu passei perto e escutei o comandante falando: ‘lá era tudo baderneiro’. Dando a entender que o pessoal antifascista eram todos baderneiros”.
Segundo o fotógrafo, não ocorreram detenções em ambos os grupos. Ele afirma que ao final um dos policiais fotografou duas facas e duas garrafas de vidro colocadas por eles mesmos em cima de um banco de cimento da praça. “E eu não vi de onde saiu aquilo. É bem estranho, se a PM achar uma arma branca normalmente o padrão é levar para a delegacia”.
Pouco tempo depois, o grupo de extrema-direita decidiu ir ao vão livre do Masp (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand) para iniciar um acampamento, a PM os escoltou até a entrada do metrô São Bento.
Organização nas redes
Pelas redes sociais circula um vídeo de convocação para o ato. Nele um homem utilizando uma farda, chamado Alex Silva, diz estar falando diretamente da Ucrânia e afirma que o povo brasileiro está sofrendo com carcere privado, confisco de seus bens materiais, tortura, entre outros abusos praticados por governadores, prefeitos e outros servidores públicos.
O homem que também veste uma touca e um lenço no rosto lê um texto que diz: “Convocamos você de todo o Brasil a participar de nosso primeiro ato de resistência pelas liberdades individuais que foram roubadas de nós. Direito ao trabalho e retomada de poder pelo povo. Esse ato começa pela capital de SP. Chega de tirania, chega de abaixar a cabeça para canalhas. Esse ato é de resistência e desobediência completa, não existe diálogo com tirano mais”.
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No vídeo, o homem fardado também alega que o grupo já reúne milhares de pessoas, que pretendem defender o comércio. “Estamos aqui para defender o comércio do centro da capital paulista, de manter aberto e o direito de ir e vir. Não somos prisioneiros do Estados, não somos prisioneiros do Doria e nem do prefeito da cidade de SP, nós os colocamos lá e assim o tiraremos”. Ao final, Alex Silva diz que quem não comparecer ao ato e continuar reclamando merece morrer.
No Facebook, três grupos chamados “Ucraniza Brasil” reúnem menos de 50 membros cada um. Ainda assim, desde junho de 2020 grupos com o desejo de “ucranizar” o Brasil participam de manifestações da direita brasileira.
A militante de extrema-direita Sara Giromini (cujo apelido “Winter” faz referência a uma nazista britânica da Segunda Guerra Mundial), que liderou uma espécie de milícia armada chamada 300 do Brasil, já escreveu em suas redes sociais que “fui treinada na Ucrânia e digo: chegou a hora de ucranizar!”. Assim como ela, o deputado federal afastado Daniel Silveira (PSL-RJ) postou no Twitter em abril do ano passado uma alusão à Ucrânia. “Está na hora de ucrânizar o Brasil! Quem sabe o que foi feito por lá entenderá”. Ambos foram alvos de prisão pela Polícia Federal e são alvos em inquérito dos atos antidemocráticos.
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A referência à Ucrânia se dá devido aos protestos nacionalista ocorridos em 2014, conhecidos como Euromaidan, que culminaram com a queda do então presidente Viktor Yanukovytch.
Na época, milhares de manifestantes tomaram as ruas de Kiev e outras cidades exigindo sua renúncia, uma vez que Yanukovytch sofria influência do presidente russo, Vladimir Putin e se opôs à entrada da Ucrânia na União Europeia. Na ocasião, grupos de extrema-direita com orientação nazifascista enfrentaram tropas do governo ucraniano. Mais tarde, durante a anexação da Crimeia pela Rússia, milícias nazistas como o Batalhão Azov foram incorporadas ao exército ucraniano pelo novo governo. O Pravyi Sektor, um dos grupos nazistas que participou do Euromaidan, hoje influencia grupos da extrema direita brasileira.
Além do Pravyi Sektor, movimentos brasileiros também ecoam o Exército Insurreto Ucraniano (UPA em ucraniano), braço armado da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN, da sigla em inglês). A Ponte explicou em uma reportagem que “as duas bandeiras [usadas durante protesto em 2020 na Avenida Paulista, em SP] são similares pois se utilizam de simbologia tradicionalmente nacionalista. O UPA teve papel importante no massacre de judeus durante a ocupação nazista na Ucrânia”.
Procurada pela Ponte, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) afirmou que a Polícia Militar acompanha a manifestação que está em andamento. “Alguns manifestantes foram abordados e os agentes encontraram dois canivetes e garrafas de bebidas com eles. O material foi apreendido e os jovens liberados. O ato segue pacífico, até o momento”.
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