Negra e travesti, candidata é ameaçada no RJ: ‘Ronnie Lessa está de olho’

    Candidata em Niterói, Benny Briolly (PSOL) é assessora de Talíria Petrone e registrou boletim de ocorrência por ameaça de morte que cita réu pelo assassinato de Marielle Franco

    Benny Briolly: “É uma ameaça que não atinge só a mim, atinge um projeto de poder que nós mulheres pretas” | Foto: Reprodução/Instagram

    A campanha da candidata Benny Briolly, 28 anos, tem sido marcada por momentos difíceis, de intimidações até ameaças de morte. Ela concorre a uma vaga na Câmara Municipal de Niterói, no Rio de Janeiro, pelo PSOL. Na semana passada, durante uma panfletagem no Shopping Icaraí, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), todos homens, xingaram e empurraram as mulheres que fazem a campanha de Benny.

    Depois de postar um vídeo em apoio à deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), de quem foi assessora durante o mandato como vereadora de Niterói e durante a trajetória na Câmara dos Deputados, Benny foi ameaçada de morte nas redes sociais. Talíria também vem sofrendo diversas ameaças contra sua vida.

    Travesti, negra, de favela e militante de direitos humanos, Benny recebeu xingamentos e também frases sobre ela não ser uma mulher. A mais grave, avalia, foi uma citação direta com o nome de Ronnie Lessa, PM da reserva réu no assassinato da vereadora Marielle Franco, executada na noite de 14 de março de 2018. “Ronnie Lessa já está de olho em vocês. Cuidado com a metralhadora para excluir os maconheiros”, dizia a publicação.

    “É uma ameaça que não atinge só a mim, atinge um projeto de poder que nós mulheres pretas encampamos e que está representado também na atuação da Mari”, afirma Benny em entrevista à Ponte. “Um projeto de poder que não aceita mais uma Câmara composta por mais de 90% de homens brancos, como é Niterói, que não representa a diversidade da nossa cidade. É um aviso de quem não aceita a democracia e precisa eliminar os opositores. É um aviso do racismo, da misoginia”.

    “Marielle representava em seu corpo a mesma política que encampava no discurso, era uma mulher negra que lutava pelos direitos das mulheres negras, favelada que priorizava a favela na hora de legislar, mulher que amava mulheres e entendia a necessidade de se debater isso na sociedade. Tudo que os conservadores não querem. Mas não nos amedronta, porque somos muitas. Eles vão ter que engolir”.

    Leia também: Talíria Petrone, ameaçada de morte: ‘Não é possível viver em paz sem lutar’

    O caso foi registrado como injúria por preconceito e homofobia na Delegacia de Atendimento à Mulher de Niterói, na tarde desta quarta-feira (21/10), pelo investigador Helio Gilson Lessa Sanches. As frases de referência a Ronnie Lessa e as citações com discurso de ódio foram descritas no boletim de ocorrência.

    Benny é fundadora do coletivo Orgulho e Luta Trans, que criou para pensar política para as travestis como ela. Filha de manicure e porteiro, cresceu nas favelas da zona norte e já trabalhou como camelô, atendente de telemarketing e vendedora de loja em Niterói. Descobriu a política lutando contra o aumento das mensalidades da sua faculdade, quando cursava jornalismo. Foi nesse período que conheceu Talíria.

    Benny Briolly é ex-assessora de Talíria Petrone | Foto: Reprodução/Instagram

    Entre as ofensas recebidas nas redes sociais, conta Benny, uma foi incentivada pelo candidato Douglas Gomes, que concorre a uma vaga à Câmara Municipal de Niterói pelo PTC (Partido Trabalhista Cristão), e é apoiador de Bolsonaro, tem publicado fotos dela em seu Instagram.

    “Nos comentários haviam ameaças de seus eleitores como ‘dá um pau nelas’, ‘merece uma surra de gato morto’. Sabemos que a violência política se aprofunda no Brasil, já sofri outros ataques e intimidações, e decidimos registrar a ocorrência”.

    Benny avalia que ameaças são sempre graves. “Nos deixam inseguras, amedrontam. A violência política é real, o Brasil é um país perigoso para aqueles que lutam. É o país que mais mata defensores dos direitos humanos no mundo, o que mais mata travestis e transexuais, o quinto em feminicídios e onde morre um jovem negro a cada 23 minutos”.

    “Ser uma mulher preta, travesti que luta pelos direitos humanos nos expõe e nos coloca muito em risco. Minimizar isso seria minimizar o contexto autoritário, extremamente violento que vivemos na política do nosso país”, desabafa.

    Leia também: Polícia levou 363 dias para prender suspeitos de matar Marielle e Anderson

    Apesar disso, pontua, ela segue em frente. “Ao mesmo tempo, ser tudo isso e lutar pelos meus só me dá força a continuar denunciando e gritando que não dá mais para aceitar e tolerar isso. O Estado brasileiro precisa se responsabilizar pela nossa segurança, precisamos sempre dar visibilidade ao que acontece conosco, com o nosso corpo na política”.

    A campanha

    A campanha de Benny Briolly tem quatro eixos: negritude e favela, mulheres, assistência social e direitos humanos, e população LGBT+. A ideia, conta a candidata, é “corrigir desigualdades”. “Precisamos de reparação. Niterói é uma das cidades mais ricas do Brasil, um orçamento de 3 bilhões e esconde a pobreza do cartão postal. Precisamos mudar isso, precisamos de uma Niterói que também nos pertença, que também tenha a nossa cara”.

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    Depois que Talíria foi eleita deputada federal, continua Benny, essa resposta para a cidade se intensificou. “Talíria foi a candidatura mais votada em 2016. Essa é uma demanda da nossa cidade. Éramos a única mandata de mulher em exercício durante mais de um ano na Câmara”.

    “Era preciso ser responsável e dar continuidade a esse projeto por uma Niterói negra, feminista, LGBT e popular, pelo qual fomos eleitas. Após a morte da Mari, ficou nítido que era preciso se jogar nesse processo, porque não dá mais pra fazer política sem nós. Nada sobre nós sem nós”, finaliza.

    Outro lado

    A Ponte procurou o candidato Douglas Gomes e aguarda posicionamento. Também questionamos a Polícia Civil do Rio de Janeiro para saber como as investigações serão conduzidas.

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    […] denunciou diversas vezes ameaças contra a sua vida. Benny Briolly (PSOL), recém-eleita a primeira travesti vereadora de Niterói (RJ), também foi ameaçada durante a […]

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