Ato organizado no centro de SP pela Coalização Negra por Direitos exigiu justiça para os 28 mortos no Jacarezinho, auxílio emergencial, vacina para o povo negro e o impeachment de Bolsonaro
Contra o genocídio do povo negro, diversos movimentos marcharam pelo centro da capital paulista nesta quinta-feira (13/5), dia que marca oficialmente a abolição da escravatura. Sob o mote “nem bala, nem fome e nem covid”, organizações que integram a Coalizão Negra por Direitos marcaram protestos em todo o país a fim de mostrar que a tinta da Princesa Isabel não libertou a população negra do racismo há 133 anos.
“Esse é o dia da falsa abolição e o que a gente vem denunciando recorrentemente, ano a ano, é que a abolição não nos proporcionou igualdade de direitos no Brasil e na pandemia do coronavírus isso só se intensificou, a população negra segue fazendo parte das piores estatísticas, seja pela mortalidade de covid, seja a insegurança e a fome”, declarou Simone Nascimento, 28, do MNU (Movimento Negro Unificado), uma das 150 entidades que compõem a Coalizão.
Para Wellington Lopes, 24, Uneafro Brasil, “o 14 de maio, que é o dia seguinte à abolição, é um dia eterno que vivemos até hoje porque continuamos denunciando o genocídio que é instrumentalizado pelo Estado”.
A manifestação, que é a segunda marcada pelos movimentos em uma semana, também lembra e presta solidariedade aos 28 mortos durante operação da Polícia Civil na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, ocorrida no dia 6 de maio. Um dos manifestantes levou uma cadeira de plástico pintada de tinta vermelha e com flores e brinquedos, em alusão a uma foto de Matheus Gomes dos Santos, 21, que foi encontrado morto sentado em uma cadeira roxa com a mão posicionada na boca, como uma possível encenação de zombaria. Faixas e gritos entoavam “não foi operação, foi chacina”.
A dor das famílias às vésperas do final de semana do Dia das Mães, quando ocorreu a ação no Jacarezinho, também foi relacionada com os 15 anos dos Crimes de Maio, que se completam nesta semana e até hoje seguem impunes. “Em 2006, nós choramos com as mães que perderam seus filhos, agora choramos com as mães de Jacarezinho”, discursou a vereadora de São Paulo Erika Hilton (PSOL).
Os presentes também levaram fotos de jovens negros vítimas da violência policial, como David Nascimento dos Santos, 23, morto em abril do ano passado após ser sequestrado e morto por sete policiais do Baep (Batalhão de Ações Especiais da Polícia) enquanto esperava uma entrega de comida por aplicativo em frente de casa, e Rogerio Ferreira da Silva Junior, 19, morto por policiais militares em agosto do ano passado, no dia do seu aniversário. Também foram entoados nomes dos nove jovens que morreram após ação policial durante um baile funk na favela de Paraisópolis, em dezembro de 2019. Diversas vezes, os manifestantes entoavam “não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar”.
Erika Hilton, assim como os demais presentes, destacaram a falta de políticas públicas para preservar vidas e que, mesmo dentro de casa, a população negra sofre violência do Estado. “Isolamento social é privilégio branco, porque nós negros estamos na rua todo o dia, somos os motoristas de ônibus, os seguranças, os profissionais de saúde”, declarou a parlamentar.
casas em meio a um colapso de mortes, afirma Thiago Torres, o Chavoso da USP, 21 anos, estudante de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, militante e youtuber. “Lutamos desde o começo da pandemia pelo direito à quarentena para todos os trabalhadores, com um auxílio emergencial digno, mas infelizmente isso nunca foi garantido. As políticas genocidas do governo federal, mas também da grande maioria dos governos estaduais e municipais, vêm exterminando nosso povo aos milhares por dia. Além de não dar direito à quarentena, o Estado foi nos matar dentro de casa, como na Chacina do Jacarezinho, que eu acredito que foi o estopim para toda a esquerda organizada entender que já passou da hora de nos manifestarmos nas ruas. Como diz a frase que vimos em manifestações colombianas recentemente, ‘se precisamos ir pras ruas durante uma pandemia, é porque o governo é mais letal que o vírus'”, comenta.
Outro manifestante, Akil Alexandre, 23 e estudante de Ciências Ambientais (Gestão Ambiental/Engenharia Florestal) na Universidade de São Paulo comenta que o ato do 13M é de suma importância, não apenas para dizer “não” ao genocidio armado da população preta, mas ao sucateamento das vidas, dos corpos e da dignidade humana. “A mudança partirá não através de balas e mortes, mas sim com mais cultura, educação, renda, emprego, saúde e serviços humanos, inteligentes de integração e recuperação social que conseguiremos superar essa crise que perdura há mais de um século e meio, recebida de legado do racismo e da escravidão.”, finaliza.
Na primeira manifestação, no último sábado (8/5), as pessoas marcharam pela Avenida Paulista e já perto do encerramento, a Polícia Militar deteve dois jovens sob a alegação de desacato. Os rapazes disseram que os policiais não gostaram quando tentaram filmar as viaturas, o que não é proibido.
Já na tarde desta quinta-feira, o protesto terminou sem ocorrências. A concentração começou às 17h em frente ao Masp (Museu de Arte de São Paulo), na Avenida Paulista, deslocando-se por uma faixa da avenida, descendo pela Rua da Consolação e finalizando na Praça Roosevelt, reunindo centenas de pessoas muito próximas umas das outras. Um cordão da PM acompanhou todo o trajeto, que também ocupou apenas uma faixa da Rua da Consolação.
No encerramento, em forma de jogral, os presentes reproduziram trechos do manifesto da Coalizão, exigindo justiça para as mortes no Jacarezinho, reivindicando auxílio emergencial de R$ 600, vacina para o povo negro e o impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido).