Comunidades do Jacarezinho e da Muzema foram ocupadas nesta quarta (19) pelas forças policias fluminenses: “violação de direitos humanos”, afirma Pedro Paulo da Silva, do LabJaca
A comunidade do Jacarezinho, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, e da Muzema, localizada na zona oeste, foram as primeiras a serem ocupadas pelas forças de segurança do governo fluminense como parte do Projeto Cidade Integrada. O programa criado pelo atual governador Cláudio Castro (PL) segue a mesma linha de um plano executado em 2008 pelo então governador Sérgio Cabral (MDB), que tinha como principal marca a criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).
Os dois locais escolhidos para inaugurar o projeto foram recentemente palco de tragédias de grande repercussão. Em maio do ano passado, uma operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro no Jacarezinho deixou 28 pessoas mortas. Essa é a maior chacina provocada por forças policiais da história do estado. Em 2019, dois prédios construídos de forma irregular por uma milícia desabaram matando 24 pessoas na Muzema.
“Damos início a um grande processo de transformação das comunidades do estado do Rio. Foram meses elaborando um programa que mude a vida da população levando dignidade e oportunidade. As operações de hoje são apenas o começo dessa mudança que vai muito além da segurança”, afirmou Castro em sua conta no Twiiter.
Até o momento o governo do Rio de Janeiro não deu detalhes de como será a execução do Cidade Integrada, Também pelas redes sociais, Cláudio Castro afirmou que explicará como será feita a implementação no projeto apenas no final de semana. “No sábado, vou detalhar os projetos que serão iniciados de maneira permanente em duas comunidades. E que servirão de modelo para outros importantes lugares que sofrem com a ausência de serviços e programas que realmente colaborem para melhorar a vida de quem mora nessas áreas”.
Críticos do plano do governador apontam que não houve diálogo com nenhuma das comunidades ocupadas hoje para saber os reais problemas, necessidades e prioridades de cada uma. Outro ponto seria o aspecto midiático da implementação desse plano, já que 2002 é ano de eleitoral e Cláudio Castro estaria usando essas ações como forma de propaganda política.
A Ponte conversou com o coordenador de pesquisa do LabJaca, plataforma de dados sobre favelas e periferia, Pedro Paulo da Silva. Nascido e criado no Jacarezinho, o pesquisador afirma que o principal mais imediato que deveria ser feito pelo governo Cláudio Castro seria rever a política de drogas do governo do estado.
Ponte – Como você enxerga o projeto Cidade Integrada iniciado hoje pelo governador Cláudio Castro?
Pedro Paulo da Silva – A gente tem que considerar primeiro que estamos em 2022, que é um ano eleitoral. Neste contexto, há uma conjuntura do Cláudio Castro, que é um político desconhecido e que veio na esteira do bolsanarismo. Ele era vice vice-governador e agora precisa de alguma forma mostrar algo que a sociedade considere relevante. Para variar, nesse momento as favelas e a segurança pública se tornam essa moeda de troca. Se utiliza da violência e da segurança, que são pautas extremamente importantes e que deveriam ser baseadas nos princípios dos direitos humanos, como uma moeda de troca política ou uma campanha meramente eleitoreira.
Ponte – É um erro insistir na implantação das UPPs?
Pedro Paulo da Silva – Sim. Da mesma forma que Sérgio Cabral fez isso em 2008. Para se eleger, ele fez questão de usar a segurança pública como plataforma, mas fazendo isso de uma forma completamente equivocada. O equívoco agora é que o governo tomou essa decisão de forma rápida e não houve diálogo algum com as favelas que foram escolhidas para essa ocupação de hoje. Se você não tem você não tem noção de quais são as reais necessidades da população e as melhores formas de fazer, como implementar as reais necessidades da população?
Ponte – O que representa para quem mora nessas favelas que foram ocupadas hoje esse novo projeto do governo estadual?
Pedro Paulo da Silva – A ocupação representa violação de direitos humanos e, para a pessoa que está na favela, representa a militarização da vida. A gente está falando aqui de pessoas que vão sair pra comprar pão e vão ser confrontadas com um policial militar armado de fuzil. Envolve uma dimensão traumática para todo mundo que mora ali. Sobretudo para os mais novos que vão ser obrigados a conviver com esse tipo de militarização da vida já desde muito cedo. É uma política pública que é baseada não em combater questões estruturais, mas versões particulares específicas, que são mais midiáticas do que soluções de fato.
Ponte – Um dos locais ocupados hoje foi o Jacarezinho, que foi palco da maior chacina cometida pela polícia na história do Rio de Janeiro. O que muda na comunidade com essa ocupação de hoje?
Pedro Paulo da Silva – Muda na vida de quem mora lá e está sendo afetada nesse momento, mas não altera em nada do ponto de vista histórico e estrutural. Essa violência já é sofrida durante décadas. Há um ano o Jacarezinho passou por um trauma com aquela operação que deixou sequelas na comunidade até hoje. Mas aquilo foi a ação de um dia, mas agora a gente está falando de uma ocupação. Então tem aquele temor de quem está dentro da favela com o risco iminente de ter um tiroteio a qualquer momento.
Ponte – Qual seria uma ação efetiva que o governo poderia fazer para as favelas cariocas ao invés do Cidade Integrada?
Pedro Paulo da Silva – O primeiro ponto seria atacar a atual política de drogas. Se o principal problema do Rio de Janeiro é a política que gera o tráfico, a gente tem que lidar com ela antes de qualquer coisa. A primeira coisa a ser feita para desarticular o varejo de drogas fazendo com que os recursos que são usados para a repressão fosse destinado de outra forma para quem mais sofre com essa política que é quem mora na favela.