Delegado da Polícia Federal, Anderson Torres já foi chefe de gabinete de deputado bolsonarista. Para especialistas ouvidos pela Ponte, presidente quer ter maior controle sobre a PF
A defesa enfática da segurança pública foi um dos principais destaques no discurso de posse de Anderson Torres, primeiro delegado a assumir o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública no país, empossado nesta terça-feira (6/4). Torres disse que a segurança pública foi uma das principais bandeiras da eleição de Bolsonaro “e ela voltará a tremular alta e imponente”.
Alinhado ao discurso anti-isolamento de Bolsonaro, ele também apontou que nesse momento, “a força da segurança pública tem que se fazer presente garantindo a todos um ir e vir sereno e pacífico”, ao referir-se à pandemia.
Torres é delegado de Polícia Federal e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, ele assume a pasta no lugar do ex-ministro André Luiz Mendonça, que retornou à chefia da Advocacia-Geral da União (AGU). É o terceiro a assumir a pasta no governo Bolsonaro, depois de Sérgio Moro e Mendonça.
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Para especialistas ouvidos pela Ponte, a troca no ministério representa um aceno de Bolsonaro à bancada da bala, composta, entre outros núcleos, pelas forças militares, que nos últimos tempos têm sido utilizadas como massa de manobra para agitar conflitos contra o isolamento social implementados por governadores, mas também como uma tentativa de exercer mais controle nas investigações da Polícia Federal.
Acusação de tortura e carreira política
O novo ministro já esteve envolvido com um caso de sequestro e tortura de dois homens suspeitos de um furto ocorrido em Brasília, na casa de um policial federal. Em 2012 Anderson Torres, junto a outros cinco agentes, foi denunciado pelo Ministério Público Federal por aplicação de práticas de tortura no caso ocorrido em 2007.
Além disso, ele foi acusado de abrir uma investigação sobre o furto, o que foge da competência da PF, sendo de responsabilidade da Polícia Civil local. Ele e os outros acusados foram absolvidos em 2018. A sentença apontou para a “inexistência do fato”.
Na política, Torres atuou como diretor de Assuntos Parlamentares e Institucionais da Associação dos Delegados da Polícia Federal, em Brasília, no qual fazia a articulação entre os policiais e parlamentares.
Já entre 2011 e 2018, Torres se aproximou de Fernando Francischini, eleito deputado federal em 2010 pelo PSDB do Paraná, quando foi chefe de gabinete de seu mandato. Hoje Fransichini é deputado estadual no Paraná pelo PSL, ex-partido de Bolsonaro.
Junto ao parlamentar, Torres participou de comissões como a de Fiscalização Financeira e Controle, e a de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, e também fez parte das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara Federal que investigaram fraudes e irregularidades no frigorífico JBS e na que apurou os crimes do bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Torres também é amigo de longa data do atual ministro do Tribunal de Contas da União do Brasil, Jorge Oliveira, que foi chefe de gabinete do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, Torres não impediu os atos antidemocráticos ocorridos na capital organizados por apoiadores de Bolsonaro, nos quais o próprio presidente esteve presente. Realizadas no ano passado durante a pandemia, as manifestações foram marcadas por pedidos de intervenção militar, e hoje o Supremo Tribunal Federal investiga a realização e o financiamento dos atos.
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Na visão de Juliana Diniz, professora da Universidade Federal do Ceará, doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e editora executiva do portal Bemdito, a chegada de Torres ao cargo diz muito sobre a agenda e a visão de segurança pública que o presidente tem, e que será aprofundada. “É um ministro que está próximo da polícia, e que, portanto, dá um indicativo de que o presidente Jair Bolsonaro tem como posição estratégica uma aproximação desse grupo, representado pela pelas polícias e suas famílias”.
Juliana ainda vê uma relação entre a troca no ministério como uma resposta aos últimos acontecimentos ocorridos com as Polícias Militares da Bahia e do Ceará. “Acho que as polícias militares são hoje uma das principais bases de apoio político do presidente Jair Bolsonaro, por isso é preciso manter o apoio, sobretudo após o episódio do motim no Ceará e a morte do policial na Bahia, esse caso foi utilizado por alguns parlamentares bolsonaristas para insuflar a desobediência e angariar apoio”.
Na fila desde a saída de Moro
O apoio a Anderson Torres no ministério da Justiça já havia sido ventilado pela família de Jorge Oliveira. No ano passado, o deputado federal Felipe Francischini (PSL-PR), filho de Fernando, disse: “É um nome natural e de total confiança do presidente, que nós apoiamos”. O nome de Torres também foi um dos favoritos dos filhos de Bolsonaro para assumir a PF em 2019.
Além disso, Bolsonaro sugeriu em 2018 o nome do delegado Anderson Torres ao governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) para ocupar a secretaria de Segurança Pública. Ele assumiu o posto no início de janeiro de 2019.
Em abril de 2020, o desgaste de Bolsonaro e Moro tornou-se cada vez mais crítico, após a pressão para a troca do comando da Polícia Federal declarada publicamente por Bolsonaro. Moro pediu demissão e acusou o presidente de tentar interferir no órgão para defender familiares, e com isso o ex-diretor da PF, Maurício Valeixo, foi demitido e o substituto escolhido foi Rolando Alexandre de Souza.
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Também em abril do ano passado, Ibaneis Rocha falou ao jornal O Estado de S. Paulo, um dia antes da demissão de Moro, que Torres seria um “ministro cem vezes melhor” do que o ex-juiz da Lava Jato . Apesar da sugestão, André Mendonça foi escolhido pelo governo Bolsonaro.
Diferente de Torres, André é pastor evangélico e foi advogado da União por 20 anos, onde passou pelos cargos de corregedor-geral da Advocacia Geral da União e de diretor de Patrimônio e Probidade.
Para Hugo Leonardo, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), André Mendonça nunca teve condições de ocupar o cargo. “Ele nunca compreendeu ao certo a função do ministério, utilizou a pasta como um departamento de polícia política para implementar ações que visaram calar opositores do governo. Entrou com medidas descabidas e requisitou investigações à PF que acabaram transformando o órgão num instrumento de polícia política”.
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Ele ainda aponta que a postura dos demais ocupantes da pasta indicados por Bolsonaro não tem sido diferente. “Não conheço a trajetória de Anderson Torres, mas tenho dúvidas sobre a possibilidade de mudança na orientação geral no ministério. Não creio em uma transformação que pudesse resgatar a dignidade e importância da pasta – a qual, aliás, já foi ocupada por grandes juristas”.
Humberto Ribeiro Júnior, professor do Mestrado em Segurança Pública da Universidade Vila Velha (UVV-ES) e doutor em Sociologia e Direito aponta que há anos o ministério não vem cumprindo sua função de promover políticas públicas ligadas ao sistema penitenciário e segurança pública em interlocução com os estados, além de envolver aspectos ligados à Justiça em geral.
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“A discussão que existia há anos era separar e criar o Ministério de Segurança Pública, quem fez isso foi o Temer. Aprovaram o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), então houve naquele momento um certo alento para quem é alinhado a esse modelo de segurança pública. Mas com Bolsonaro acontece o contrário, juntam as duas pastas, dificultando a atuação. Para falar verdade, o Susp já nasceu morto no final das contas”, critica o professor Humberto.
No olhar dele, com o ex-ministro Sérgio Moro houve um movimento de reconfiguração para pior no ministério. No entanto Moro, ainda em uma tentativa midiática, fazia ações pontuais, como o pacote anticrime e o programa “Em frente, Brasil”, um fracasso na opinião do professor. “O ministério da Justiça e Segurança Pública deixou de ser as duas coisas, por exemplo o lançamento do movimento ‘Em frente, Brasil’ que tinha a intenção de mandar a Força Nacional para vários estados e municípios, foi arbitrário porque não avisaram ninguém, nem os governos dos estados. Criou-se na verdade um grande problema”.
Interferência na Polícia Federal
Responsável por coordenar os trabalhos da Polícia Federal (PF), Anderson Torres quase de imediato trocou o comando da PF, um dos cargos mais sensíveis para o governo Jair Bolsonaro, que tenta esvaziar investigações que miram a família e aliados do presidente. Quem assume agora é o Paulo Maiurino, delegado da PF desde 1988. Ele era assessor especial de segurança institucional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde setembro de 2020.
Maiurino também esteve como secretário de segurança do Supremo Tribunal Federal entre 2019 e setembro de 2020, e foi membro do conselho de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro e secretário de Esportes de São Paulo na gestão Geraldo Alckmin (PSDB) de maio de 2016 a maio de 2018.
De acordo com a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, delegados da PF dizem que se decepcionaram com a entrada de Torres pelo anúncio do novo diretor-geral, uma vez que Maiurino está fora do órgão há mais de 10 anos. Segundo os servidores ouvidos pela colunista, a independência da polícia é causa de preocupação com a entrada de Torres e Maiurino. Para os delegados, o novo diretor da PF não tem história para ocupar o posto.
Com isso, o temor de uma possível interferência na Polícia Federal ainda é presente, de acordo com a professora Juliana Diniz. “Existe um temor muito grande que ficou declarado desde a ruptura com Sérgio Moro, que é a intenção do presidente de aparelhar as polícias federais para ter um maior controle sobre as investigações. Então, a iniciativa do novo ministro de determinar a mudança de diretorias dentro da estrutura da Polícia Federal é algo que acende um alerta e que confirma que existe uma intenção de ter pessoas da estrita confiança no núcleo próximo do presidente desempenhando essas tarefas estratégicas em termos de informação policial”.
No mesmo sentido, Humberto Ribeiro lembra que, após a cisão de Moro e Bolsonaro, o interesse de instrumentalizar as polícias de um modo geral e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi intensificada. “Isso dá para perceber agora com o uso da Lei de Segurança Nacional usada contra opositores. O ministério se tornou pouco expressivo, em um momento de extrema confusão e problemas nacionais, como com as polícias, no meio disso tudo o interesse é garantir o desrespeito às medidas de isolamento. Fica clara a subserviência dos ministros ao Bolsonaro e políticas voltadas para a sua reeleição”.
Já o representante do IDDD espera que haja uma mudança no ministério. “Não posso dizer se a troca atende a uma tentativa de manutenção dessa política desastrosa comandada pelos últimos ministros da Justiça de Bolsonaro. Mas nada indica mudança de rumo. Espero que, de fato, haja uma correção, já que o Brasil hoje tem problemas sérios e complexos a serem enfrentados na área”.
[…] Já o representante do IDDD espera que haja uma mudança no ministério. “Não posso dizer se a troca atende a uma tentativa de manutenção dessa política desastrosa comandada pelos últimos ministros da Justiça de Bolsonaro. Mas nada indica mudança de rumo. Espero que, de fato, haja uma correção, já que o Brasil hoje tem problemas sérios e complexos a serem enfrentados na área”. Com informações da PonteJornalismo […]