Os ataques dos trolls de extrema-direita a políticas negras e LGBT+ recém-eleitas

    Após queda de fórum que disseminava pedofilia e feminicidio, criminosos digitais voltam a fazer série de ameacas, agora contra nomes como Duda Salabert, Benny Briolly, Ana Lúcia Martins e Talíria Petrone.

    Ilustração: Antonio Junião / Ponte Jornalsimo

    Após a alegria da vitória nas eleições, candidatas recém-eleitas de várias partes do Brasil que foram eleitas passaram a receber ameaças de morte via e-mail. Em quase todos, a intimidação de natureza racista, sexista e – em um caso – capacitista, se utilizava de um texto praticamente igual, que era alterado ligeiramente dependendo do alvo. O modo de ação é conhecido por quem segue a Ponte Jornalismo.

    Trata-se de uma nova onda de ataques inspirados pelas ações do Dogolachan, um fórum anônimo cujo site original saiu do ar mas que sobrevive em outros boards e é extremamente influente na cena troll brasileira. A série de ameaças se iniciou após denúncias da vereadora eleita Ana Lúcia Martins (PT) de Joinville, Santa Catarina. No dia 18 de novembro, um usuário anônimo postou um comentário inferindo que, após a eleição de Ana, seria necessário matá-la para que entrasse um suplente branco. Alguns dias depois, após o caso viralizar, Ana recebeu outras ameaças, dessa vez por email.

    A Polícia Civil de Santa Catarina investigou o caso e chegou ao responsável pela postagem. Para a delegada Cláudia Gonçalves, titular da Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCAMI), o suspeito possui esquizofrenia, mora com a mãe e pode ter sido instigado a fazer os comentários. “A gente percebeu que não é uma coisa só daqui de Joinville, talvez tenha uma conexão intermunicipal”, disse Cláudia na ocasião para jornalistas.

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    Poucos dias depois, ao fazer uma postagem em apoio à Ana Lúcia, o vereador eleito Alisson Julio (Novo) de Joinville, também recebeu ameaças e xingamentos capacitistas, desta vez via email encaminhado para ele e ao escritório do PT na cidade

    “Nos chamaram de aberração. Ela de macaca e eu de aleijado, dizendo que iam nos matar”, lembra Alisson à Ponte, que defendeu a colega desde as primeiras ameaças e, por isso, também recebeu emails com intimidações. “Chegaram a falar que haviam me dado uma chance por eu ser branquinho mas que agora eu tinha provocado eles.”

    O remetente era o mesmo que havia contactado Ana Lúcia anteriormente. Um nome que há anos é envolvido de forma proposital nesses ataques: Ricardo Wagner. 

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    O analista de sistema carioca vem, há anos, lutando para deixar de ser associado a ataques de trolls que visam incriminá-lo. Desde o início da pandemia de coronavírus, Ricardo não tinha sido mais relacionado. Entretanto, no dia dia 3 de dezembro, um familiar avisou-lhe que seu nome tinha aparecido no telejornal Bom Dia Brasil, da Rede Globo, em uma reportagem que falava sobre as ameaças sofridas pela prefeita eleita de Bauru,São Paulo, Suéllen Rosim, do Patriotas. “Comecei a acompanhar esses ataques desde então”, compartilha Ricardo, resignado que provavelmente terá que, mais uma vez, depor por algo que ele não fez. 

    Suéllen, que é negra, recebeu no fim de novembro um e-mail, também do mesmo remetente, com ameaças e xingamentos racistas. A narrativa do texto foi a mesma que foi enviada para ao menos outras quatro candidatas eleitas, com ligeiras mudanças: Carol Dartora, do PT, a primeira vereadora negra de Curitiba; Duda Salabert, vereadora trans em Belo Horizonte pelo PDT; a própria Ana Lúcia Martins; Benny Briolly, vereadora trans do PSOL de Niterói e Talíria Petrone, deputada federal pelo PSOL no Rio de Janeiro. 

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    Em um fórum que usa o nome do antigo Dogolachan, onde se reúnem parte dos trolls misóginos, os ataques foram comemorados por sua viralização. O que seria o novo Dogolachan hoje opera no Endchan, um fórum menos conhecido do que contrapartes como 8chan e 4chan, cuja maior notoriedade veio de um atirador que transmitiu ao vivo no board um ataque a uma mesquita na Noruega – o atirador foi preso pela polícia antes que ferisse qualquer pessoa.

    Imagem do site onde o Dogolachan opera hoje em dia | Foto: Reprodução

    Para a vereadora e professora de Belo Horizonte, Duda Salabert, o ataque feito a ela e a outros políticos recém-eleitos é um atentado à democracia. “Querem inibir não apenas minha atividade política, mas também a educação brasileira. Não é uma ameaça qualquer”, disse à Ponte, compartilhando que o colégio onde ela trabalha também recebeu ameaças, com a finalidade de forçar sua demissão.

    A deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) indentifica que parte das apeaças que recebe vinda do grupo de trolls: “infelizmente desde que topei a tarefa de ser parlamentar eu sofro ameaças. Esse não é um caso isolado. Essa ameaça por email parece vir de um grupo extremista organizado”.

    Apesar disso, ela também frisa que, no seu caso, o risco maior vem de milicianos, que também têm tentando a aterrorizar. “Mesmo com essa nova ameaça, algo prioritário pra gente é que a Polícia Federal faça uma análise de risco sobre outras ameaças que recebi de milicianos de me executarem. Eu preciso voltar pro Rio em segurança pra exercer meu mandato”, diz a deputada, cobrando ações do poder público.

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    Lola Aronovich, professora universitária que já foi vítima de difamações de grupos semelhantes, afirmou que a dinâmica dos trolls parece não ter se alterado muito, com ataques repetindo informações entre alvos. Em uma postagem em seu blog “Escreva Lola Escreva”, onde escreve há anos sobre assuntos variados, explicita que o importante é que as autoridades vejam essa nova onda de ameaças de forma macro.

    “Que a mídia e as polícias entendam que essas ameaças não são casos isolados que caíram de paraquedas. Portanto, não devem ser analisadas ou investigadas separadamente, e sim em conjunto”, disse a professora à Ponte.

    Histórico de ataques

    Essa nova onda de ataques é claramente inspirada no modo de agir de trolls do Dogolachan, um fórum de mensagens anônimas que existe, de forma intermitente, desde 2013.  A Ponte investiga a atividades desses grupos desde 2017, já fez denúncias e traçou o perfil dos usuários, que são, majoritariamente, homens incels – os celibatários involuntários – que não conseguem fazer sexo e culpam as mulheres e o mundo por isso.

    A Polícia Federal vive um antigo jogo de gato e rato com esses fóruns. Em alguns casos, teve êxito, como na Operação Bravata que prendeu Marcelo Valle Silveira Mello, um dos criadores do fórum. Ele foi condenado, em 2018, a mais de 40 anos de prisão por associação criminosa, divulgação de imagens de pedofilia, racismo, coação, incitação ao cometimento de crimes – como estupro e feminicídio – e terrorismo cometidos na internet. 

    Ajude a Ponte!

    Em janeiro de 2019, a Ponte descobriu que parte das ameaças de morte que fizeram o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) decidir sair do país eram arquitetadas e saíam do Dogolachan. O grupo também ameaçou figuras conhecidas da direita, como Allan dos Santos e Joice Hasselmann.

    Após o Massacre de Suzano, no qual o fórum foi ligado aos assassinos que mataram  sete pessoas em uma escola, o procurador federal Daniel de Alcântara Prazeres, do grupo de combate a crimes cibernéticos com enfoque em racismo e pornografia infantil, explicou que um monitoramento qualificado desses lugares não existe por falta de estrutura. O procurador, ele próprio vítima de doxxing no fórum – prática que consiste em escrutinar dados pessoais como CPF, endereço, telefone da vítima e divulgar – disse que a falta de técnicos especializados deixa investigações como essa ainda mais vagarosas.

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