‘Os presos estão sem receber cartas e a comida foi racionada’, denunciam familiares

    Esposa de detento relata que comida e itens de higiene enviados foram devolvidos sem explicação; Mães do Cárcere cobram informações sobre situação de presídios na pandemia

    Familiares aguardam saída de preso no CDP II de Guarulhos, na Grande SP, em janeiro de 2020 | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Tânia* conta que está há 20 dias sem receber notícias do marido, preso no CDP (Centro de Detenção Provisória) II de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. “Toda a semana eu envio carta e até agora não tive uma resposta de como ele está lá dentro”, lamenta. Com a pandemia da Covid-19, as visitas nas unidades prisionais estão proibidas desde o dia 20 de março.

    Esse também é o período, segundo ela, que o esposo está sem receber o “jumbo” (sacola de itens de higiene, alimentação e remédios que os parentes enviam aos detentos). “Na segunda-feira (6/4), eu enviei o Sedex e duas horas depois voltou. Liguei lá [no CDP] e não responderam o por quê, sendo que estava tudo certinho”, denuncia. Desde o dia 25 de março, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) anunciou que os itens deveriam ser enviados pelos Correios.

    Esposa de preso afirma que caixa com “jumbo” enviada pelos Correios foi enviada de volta | Foto: Arquivo Ponte

    De acordo com ela e com outras parentes ouvidas pela Ponte, reeducandos que saíram da unidade para cumprir prisão domiciliar relataram que as cartas e o “jumbo” não estão sendo entregues para os encarcerados. “[Um deles] Me falou que a comida está sendo racionada, os presos estão recebendo menos do que de costume, eles não têm mais o pão [que recebem] à noite, não têm cobertor, estão passando frio”, conta.

    Na última quarta-feira (8/4), o secretário de Administração Penitenciária de São Paulo, coronel Nivaldo Cesar Restivo, enviou ofício ao juiz-corregedor da Justiça paulista, desembargador Ricardo Anafe, prestando contas sobre as medidas preventivas tomadas para evitar a proliferação da Covid-19 no sistema prisional. Dentre as determinações, apontou que novos presos passam por um isolamento de 14 dias, período em que ficam em observação para verificação de eventuais sintomas de coronavírus nos CDPs de Belém I e II, e só depois são incluídos nas unidades com outros presos.

    O Centro de Detenção Provisória Chácara Belém I tem capacidade para 853 detentos e hoje é ocupado por 496. No entanto, a unidade II está superlotada: tem 922 pessoas, mas 844 vagas, segundo dados da própria SAP.

    Segundo Tânia*, o esposo dela não passou por qualquer isolamento, nem antes, nem quando chegou no CDP II de Guarulhos. “Eu liguei na unidade perguntando qual raio e cela o meu marido ia ficar. Me passaram que ele ia ficar de R.O. [regime de observação quando chegam ao CDP por motivo de segurança, separados de outros presos] e que dois dias depois já estava em convívio com os outros presos”, denuncia. De acordo com ela, há presos do CDP II Belém, na zona leste da capital, que estão sendo transferidos para Guarulhos.

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    As familiares também apontam que funcionários estão destruindo materiais dos detentos. “A gente não sabe se é agente penitenciário ou GIR (Grupo de Intervenção Rápida), mas estão entrando para humilhar eles e os poucos materiais de papelaria estão jogando fora, acredito que seja no intuito de que eles não respondam as cartas”, afirma.

    “A gente tá aflita porque não temos notícias”, aponta Carla*, esposa de um reeducando na unidade em Guarulhos. “Cortaram a visita por causa do coronavírus e a gente concorda porque a gente tem que se cuidar, mas tem que cuidar deles [presos] lá também porque estão trancados. Pelo menos o meio de comunicação, que é a carta, a gente tem que ter”, desabafa.

    “A gente liga na unidade e [funcionários da administração] dizem que está tudo bem, que tudo está sendo recebido, só que a gente não tem resposta deles. Enviei várias cartas desde a semana passada e estamos sem notícias”, lamenta Maria*, que também é esposa de um reeducando em Guarulhos.

    Todas elas procuraram a Amparar (Associação de Familiares de Amigos e Amigas de Presos e Presas), que presta apoio a parentes de encarcerados, para fazer as denúncias.

    Outra entidade que tem reunido relatos de falta de comunicação sobre a situação dos presos no estado de São Paulo diante da pandemia é o coletivo Mães do Cárcere. As familiares de pessoas presas fizeram vídeos lendo uma carta cobrando o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o governo do estado sobre a situação dos presídios. Veja abaixo.

    Governo de SP nega denúncias

    Questionada pela reportagem, a assessoria de imprensa da SAP afirma que as denúncias não procedem. Em nota, declarou que não há racionamento de alimentos e que as correspondências tem sido entregues no CDP II de Guarulhos e em todas as unidades prisionais. Também afirmou que não há atuação do GIR “especificamente para rasgar material de envio de cartas aos presos” nem transferências de presos para o CDP mencionado.

    A pasta também reiterou que os CDPs I e II de Chácara Belém estão “preparados para centralizar a entrada de novos detentos” e que transferiu para outras unidades 1.430 presos a fim de criar novas vagas nos dois centros de detenção. Segundo a secretaria, de 1 a 8 de abril, essas duas unidades receberam 635 novos presos que, ao chegarem, ficam em “pavilhões separados dos demais custodiados, para que seja possível o monitoramento deles por 14 dias, antes que possam ter contato com o resto da população prisional das unidades”.

    A SAP alega que não há nenhum caso confirmado de presos com Covid-19 e que adota medidas de prevenção como restrição de entrada de qualquer pessoa alheia ao corpo funcional, fornecimento de equipamentos e aumento de distribuição de itens de higiene, álcool em gel e máscaras.

    *Os nomes foram trocados a pedido das entrevistadas por medo de represálias contra seus familiares

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