Ativista denunciava violência policial em Tucano (BA); “Como mãe, meu sentimento é de medo e angústia”, afirma Ana Maria Cruz
Um ano e seis meses. Esse é o tempo em que a professora Ana Maria Cruz espera por justiça para a morte de seu filho Pedro Henrique Santos Cruz, assassinado aos 31 anos, em 27 de dezembro de 2018, dentro de casa, no bairro de Matadouro, em Tucano, cidade no interior da Bahia, a 252 km da capital Salvador.
Três policiais militares são suspeitos de matar Pedro com 8 tiros, mas, até hoje, ninguém foi preso. Criador da “Caminhada pela Paz”, que tinha como objetivo combater crimes praticados por policiais, Pedro vivia para o ativismo. Sua militância começou quando foi agredido por PMs em 2012.
Uma testemunha reconheceu os PMs que abordavam Pedro como os assassinos do jovem pelas características físicas e pela voz, e chegou a citar nominalmente pelo menos dois suspeitos. Pedro havia denunciado abordagens violentas feitas por Alex Andrade e Sidnei Santana, com a participação de Bruno Montino e Edvando Cerqueira, que assistiam sem fazer nada.
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À Ponte, dona Ana conta que tem medo de a morte do filho ficar impune. “Não temos notícias do caso, então supomos que está parado. A última notícia que eu tive era que o inquérito tinha sido devolvido pelo delegado. Como mãe, meu sentimento é de medo e angústia”, lamenta.
“Do crime para cá, Tucano já mudou de promotor umas três vezes. O indiciamento dos policiais aconteceu em 30 de abril de 2019, mais de um ano que eles foram indiciados por homicídio qualificado, e eles não foram presos. O promotor alega sigilo nas investigações, mas nunca detalha o que está acontecendo”, critica Ana que, em mais de uma oportunidade, declarou sentir medo.
A Delegacia de Polícia de Tucano indiciou dois PMs pelo assassinato de Pedro: Bruno de Cerqueira Montino e Sidnei Santana Costa. O Ministério Público da Bahia recebeu a denúncia, mas devolveu para a delegacia para que novas diligências fossem realizadas.
À Ponte, a Polícia Civil informou que “o cumprimento das diligências solicitadas pelo Ministério Público da Bahia encontra-se em fase final, restando uma, a ser realizada no início de julho, pela Delegacia Territorial, de Tucano, quando o procedimento será novamente remetido ao MP-BA”.
Com a pandemia do coronavírus, conta Ana, ficou ainda mais difícil conseguir notícias do andamento do caso. “Paramos de nos encontrar com a Defensoria, que a gente sempre se encontrava. Inclusive íamos ter uma reunião com o promotor, mas logo estourou essa pandemia e não teve como. Eu não tenho notícia nenhuma mais sobre o caso”, afirma.
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Em junho de 2019, a testemunha principal do caso reconheceu o terceiro homem que atirou em Pedro. Em 18 de junho de 2020, ela foi chamada novamente na delegacia, acompanhada da Defensoria Pública, que solicitou novamente o reconhecimento do terceiro atirador, mas nenhuma data foi marcada.
“Esse terceiro policial não é lotado em Tucano e, sim, em uma cidade da região, mas o nome ainda não podemos divulgar, já que ainda não foi formalmente reconhecido”, conta Ana, que acompanha de perto as investigações da morte do filho.
“A gente não sabia desse detalhe, do terceiro atirador não ser lotado em Tucano. Inclusive, ele já foi ouvido no inquérito porque já tinha sido citado por um dos assassinos. Uma hora depois de executarem Pedro, ele e outros assassinos voltaram à cena do crime, fardados”.
Sucessivas tentativas de denunciar
Uma reportagem publicada pela Ponte em janeiro do ano passado mostrava as sucessivas tentativas de Pedro em denunciar abusos policiais no Ministério Público. Foram, ao menos, quatro formalizações de denúncias ao MP entre 2014 e 2018.
Em setembro de 2014, por exemplo, Pedro compareceu ao MP e informou que havia sido abordado de forma violenta e relembrou que, em abril daquele ano, o rapaz que havia presenciado a agressão contra ele em 2012 havia sido morto. Na ocasião, Pedro assinalou que acreditava que a motivação foi “preconceito do Tenente Alex, que comandava a operação, por ele ser usuário de maconha e adepto da cultura ‘Rastafari’.”
Na ocasião, Pedro informou também à promotoria as tentativas do tenente de desqualificar a “Caminhada pela Paz”, criada pelo ativista, ao dizer, sem nenhuma prova, que havia envolvimento com o tráfico de drogas e que o evento era financiado por facções criminosas.
Em abril de 2017, há um novo termo de declaração assinado por Pedro em que ele conta que o tenente Alex foi cobrá-lo sobre a multa que teve de pagar quando condenado pela abordagem de 2012. “O declarante [Pedro Henrique] informa que o Tenente Alex disse que o declarante deve a quantia de R$ 50 mil e afirmou que é sorte o declarante não ter dinheiro para pagar.” Pedro havia sido condenado anos antes justamente nesse processo e pagou a pena com medidas alternativas.
Um mês depois, um novo termo de declaração informava que os policiais Sidnei Santana e Bruno Montino estiveram no bairro Nova Esperança, onde a família de Pedro mora, e perguntaram se ele era o “rasta” que foi processado pelo Tenente Alex. “O declarante informa que teve a impressão que os policiais estavam ali para cobrar a dívida, que os policiais perguntaram se o declarante é usuário de droga ilícita e qual o significado das tatuagens”, fazendo com que Pedro ficasse praticamente nu em via pública, apontava o documento a que a Ponte teve acesso no ano passado.
No último termo, datado de maio de 2018, Pedro relata uma nova abordagem da PM, feita mais uma vez por Santana e Montino, quando ele voltava do mercado. O ativista contou que foi obrigado a virar de costas, colocar as mãos na cabeça, que levou chutes e sua sandália chegou a arrebentar. Os policiais também teriam mexido nas sacolas de compras e lançado para longe uma caixinha de remédios. “Sidnei mexia nos bolsos e questionava sobre as suas publicações no Facebook”, diz o documento. Pedro, na ocasião, também contou que Sidnei pegou o seu celular que estava no bolso e jogou no chão, quebrando a tela. Por fim, foi agredido com um tapa no pescoço e o policial teria dito: “vá tomar suas providências, porque você tem o seu advogado e eu tenho o meu”. Antes de sair, ainda de acordo com a declaração de Pedro, o policial mostrou a arma ele. Pedro Henrique seria assassinado sete meses depois disso, em dezembro de 2018.
Outro lado
A Ponte procurou a SSP (Secretaria da Segurança Pública) da Bahia, chefiada pelo secretário Maurício Teles Barbosa e subordinada ao governador Rui Costa (PT), e pediu esclarecimentos das investigações da morte de Pedro Henrique. Até o momento, nenhuma resposta foi enviada.
A reportagem também solicitou entrevista com os policiais militares citados (Alex Andrade, Sidnei Santana, Bruno Montino e Edvando Cerqueira). Também formalizou o pedido de contato das defesas, mas, até o momento, não houve resposta.
O Ministério Público da Bahia, a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social e a Defensoria Pública da Bahia foram procurados. A Secretaria de Justiça e a Defensoria não retornaram o contato.
O MP-BA informou, em nota, que solicitou que a Polícia Civil realize “novas diligências com o objetivo de apurar informações probatórias da autoria do crime”.
O MP também afirma que abriu procedimento de investigação criminal para apurar o assassinato e que as “investigações correm em sigilo para não prejudicar seu andamento”.
Reportagem atualizada às 12h15 do dia 29/6 para inclusão de nota do Ministério Público