PM trocou roupa de David para bater com descrição de suspeito, sugere denúncia

    Segundo promotoria, David Nascimento dos Santos estava de bermuda e chinelo quando foi levado pelos PMs, mas foi encontrado morto de calça e tênis

    David Nascimento dos Santos, 23 anos, foi morto depois de ser colocado dentro de uma viatura do Baep, na periferia de SP | Foto: Arquivo Ponte

    Policiais militares trocaram a roupa de David Nascimento dos Santos, 23 anos, sequestrado e morto na noite de 24 de abril de 2020, para que a descrição das vestimentas batessem com as roupas usadas por suspeitos de roubar um carro na região da Favela do Areião, no Jaguaré, na periferia da zona oeste da cidade de SP.

    Quem afirma isso é o promotor Edson Corrêa Batista, 2º promotor de Justiça Militar, em denúncia que afirma os sete PMs do Baep (Batalhão de Ações Especiais da Polícia) sequestraram e mataram David. Os policias envolvidos na ação estão presos no Presídio Militar Romão Gomes, zona norte da capital paulista.

    No dia 27 de abril, três dias depois do assassinato, Cilene Geraldina do Nascimento, 38 anos, mãe de David, afirmou à Ponte que as roupas do filho foram trocadas. “Meu filho sumiu de bermuda e chinelo. Quando mataram, eles trocaram a roupa. Foi a polícia que trocou a roupa. A calça do Corinthians nunca foi dele, nem aquele sapato”, relatou. A denúncia sugere que Geraldina estava certa.

    Os policiais do Baep 1º sargento Carlos Antonio Rodrigues do Carmo, 2º sargento Carlos Alberto dos Santos Lins, cabo Lucas dos Santos Espíndola, cabo Cristiano Gonçalves Machado, soldado Vagner da Silva Borges, soldado Antonio Carlos Rodrigues de Brito e soldado Cleber Firmino de Almeida sequestraram David Nascimento dos Santos e, na sequência, o mataram, segundo a promotoria. Para confundir a perícia e tentar mostrar que David era, na verdade, quem procuravam, os policiais teriam trocado as roupas dele.

    Confira como foi a ação, de acordo com a denúncia do MP:

    Ilustração Junião / Ponte Jornalismo

    Um tenente e um cabo, que são testemunhas protegidas, relataram que iniciaram perseguição a um carro roubado de um motorista por aplicativo. Os três suspeitos entraram na Favela do Areião com o veículo.

    Na sequência, uma segunda viatura chegou ao local, comandada por um cabo que virou testemunha protegida. Pouco depois, uma terceira viatura chegou ao local, com o 1º sargento Carmo, o cabo Espíndola e o soldado Borges, que entraram a pé na favela encontrando dois policiais que são testemunhas da ação.

    Leia também: Justiça Militar torna sete PMs réus por morte de David

    David foi abordado às 19h48 pelo 2º sargento Lins, pelo cabo Machado, pelo soldado Brito e pelo soldado Firmino. Neste momento, David foi colocado no banco traseiro da viatura. Ou, mais precisamente, “sequestraram o jovem”, como afirma a denúncia.

    O 2º sargento Lins teria perguntado para o cabo testemunha quais eram as características dos assaltantes. Como resposta, recebeu a informação de que usavam calças e tênis. David usava bermuda e chinelo, por isso o cabo testemunha da ação disse que não era a mesma pessoa, orientando libertar o jovem. Mas o 2º sargento Lins retornou para a favela com os outros denunciados e com David.

    Leia também: ‘Tive duas perdas: do meu namorado e do filho que não vai nascer’

    David, ainda com bermuda e chinelos, foi levado pelos PMs, armados, que mandaram todos ao redor saírem. A equipe do 1º sargento Carmo estava no local, próxima do Bar do Baixinho, para acompanhar a pé uma pessoa pessoa vestindo calça jeans e blusa vermelha.

    Segundo o promotor Edson Corrêa Batista, David foi entregue para a equipe do 1º sargento Carmo pela equipe do 2º sargento Lins. Minutos depois, ele foi morto a tiros, num “suposto e improvável confronto armado”, destaca o promotor. As roupas foram trocadas após os tiros. Uma segunda ligação foi feita às 20h29. Dessa vez foi Carmo que ligou para Lins.

    David foi encontrado morto, armado, com uma calça preta com o logotipo do Corinthians, um calçado bege fechado, tipo tênis, que não eram dele, segundo sua família. A informação foi ratificada pela promotoria. A denúncia afirma que David foi abordado desarmado, vestindo bermuda e chinelos, e foi levado até a Favela dos Porcos, onde teve suas roupas trocadas.

    O promotor de Justiça Militar Edson Corrêa Batista, então, denunciou os PMs 1º sargento Carmo, 2º sargento Lins, cabo Espíndola, cabo Machado, soldado Borges, soldado Brito e soltado Firmino pelos crimes de sequestro seguido de morte, conforme o artigo 225 do Código Penal Militar em seu artigo 3º, de organização de grupo para prática de violência, conforme o artigo 150 do Código Penal Militar, de fraude processual, conforme o artigo 347 do Código Penal Militar com o artigo 9.

    Todos os crimes tiveram como agravante o fato de os militares estarem em serviço, conforme o artigo 70 do Código Penal Militar em seu inciso II e alínea “l”. O 1º sargento Carmo e o 2º sargento Lins também foram denunciados por falsidade ideológica (artigo 312 do Código Penal Militar).

    ‘Preservar cena do crime é a 1ª lição na formação do PM’

    Em entrevista à Ponte, Diógenes Lucca, tenente-coronel aposentado da PM paulista, explica que a preservação da cena de crime é a primeira lição de um policial durante a sua formação.

    “A troca de roupa, alterar posição de câmeras, sumir com materiais da cena do crime, desaparecer com objetos revela uma intenção inadequada, criminosa”, aponta.

    O tenente-coronel lembra a importância da preservação da cena do crime para que os profissionais da perícia executem o seu trabalho. “Até a forma que uma gota cai no chão é importante. Há duas formas de alterar um local de crime: intencional, que é muito grave, ou acidental, que é com a negligência, tocando na cena do crime e contaminando com as digitais”.

    Apoie a Ponte!

    “Às vezes se altera o local do crime de forma intencional justamente para prejudicar os trabalhos periciais. Quando isso acontece, consequentemente, chama a atenção e temos mecanismos para perceber isso de formas simples”, aponta Diógenes.

    Outro lado

    Em nota, a a Secretaria da Segurança Pública informou que “a investigação do caso citado segue em sigilo pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). O inquérito policial foi encaminhado à Justiça com pedido de dilação de prazo para continuidade das diligências. A PM também apurou o caso por meio de IPM, o qual foi avocado pela Corregedoria, concluído em 20 de maio e encaminhado à Justiça Militar com indiciamento de sete policiais militares”.

    A reportagem também tentou saber quem são os responsáveis pela defesa dos policiais acusados, mas foi informada que o posicionamento seria via nota.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas