Julgamento de Jefferson Alves, conhecido por moradores do Jardim Domitila como ‘Negão da Madeira’, e de Thiago Meche pela morte de Gabriel Paiva, 16 anos, será em janeiro de 2019
Os policiais militares Jefferson Alves de Souza e Thiago Quintino Meche irão a júri popular pelo assassinato do adolescente Gabriel Paiva, de 16 anos, em 16 de abril de 2017. O garoto foi espancado até entrar em coma na zona sul de São Paulo e morrer quatro dias depois. O julgamento está previsto para acontecer nos dias 17 e 18 de janeiro do ano que vem.
A decisão é da juíza Debora Faitarone, da 1ª Vara do Júri de São Paulo. Os PMs responderão por homicídio duplamente qualificado, com impossibilidade de defesa e motivo torpe, além de agravamento de pena por serem agentes públicos. Eles atuavam no Jardim Domitila, região de Cidade Ademar.
Gabriel morreu espancado quando estava com um grupo de 50 jovens que conversava e fumava narguilé. De acordo com testemunhas, o encontro terminou com a chegada dos dois PMs. Jefferson é conhecido no bairro como “Negão da madeira”, conforme relato de moradores, por ter o hábito de usar um pedaço de pau para agredir pessoas em suas ações.
Testemunhas do assassinato apontaram que, ao chegarem, os policiais perguntaram “vocês não vão correr, não?”, fazendo os jovens se dispersarem. Gabriel entrou em um beco que, segundo esta versão, já tinha outros PMs e ele deu meia-volta.
“Foi quando o ‘Negão da Madeira’ tacou um pedaço de pau na cabeça dele. Gabriel caiu. Quando foi levantar, bateu a cabeça na caçamba. O ‘Negão da Madeira’ e mais três policiais chegaram perto e começaram a bater nele caído no chão, com murro, com chute, com paulada”, relata uma das testemunhas na investigação.
Relatos apontam que os PMs só socorreram o garoto pois uma moradora os cobrou: “o menino está vivo, vocês não vão socorrer?”. A dupla teria voltado e jogado o menino dentro do carro — ali, segundo a testemunha, agrediram novamente Gabriel antes de levá-lo ao Hospital Regional de Pedreira, também na zona sul.
Os acusados negam essa versão. Eles apontam que a população chamou duas viaturas para acabar com uma festa no local. Quando chegaram, uma senhora teria pedido ajuda e mostrou Gabriel caído no chão, já machucado. Os PMs garantem que socorreram o menino prontamente ao hospital.
Socorrido, o menino ficou quatro dias em coma induzido com um coágulo no cérebro. Internado no Hospital Regional de Pedreira, ele foi transferido para o Regional Sul, de onde retornou ao Pedreira e novamente levado ao Regional Sul. Morreu em decorrência de uma parada cardiorrespiratória.
Testemunhas ameaçadas
Três meses após o crime, em julho de 2017, Jefferson Alves de Souza e Thiago Quintino Meche foram presos após denúncia de que estavam ameaçando testemunhas. A juíza Débora Faitarone destacou, na decisão, que os policiais iriam para a prisão preventiva por tentativa de calar testemunhas.
Denúncias apontaram que Jefferson estaria andando no bairro à paisana. Moradores relataram que outros policiais teriam procurado testemunhas do crime para convencê-las a mudar a versão da morte de Gabriel, segundo eles, pedindo que “pensassem na família do policial”. Há relatos de que policiais à paisana espionaram o enterro do garoto.
Segundo a juíza Debora, “há nos autos notícias de que o acusado Jefferson chegou a procurar por uma testemunha que presenciou os fatos no intuito de intimidá-la”, justificou ao definir as prisões. Os PMs permaneceram presos temporariamente após a morte, sendo liberados em junho de 2017 e presos novamente no mês seguinte.
“Temos informação no processo de ameaças a testemunhas, então entendemos que a prisão preventiva era necessária para preservar a integridade e a tranquilidade dessas pessoas para prestar seus depoimentos”, justificou o promotor José Mário Buck Marzagão Barbuto, responsável por denunciar os dois por homicídio duplamente qualificado.
Imagens de câmeras de segurança mostram um PM com características similares a Jefferson Alves de Souza agredindo pessoas com um pedaço de madeira. Ao ver o vídeo, o PM negou que a pessoa era ele. Titular do 80º DP (Distrito Policial), o delegado Pedro Luis de Souza afirma que não existe nenhum policial parecido com o acusado na região do Jardim Domitila. Para o policial civil, não há provas diretas que liguem o PM ao crime. “Os policiais podem ter agido com violência? Podem. Eu acredito nisso? Acredito. Só que eu preciso provar”, explicou.
A mãe de Gabriel, Zilda Regina de Paiva, 47 anos, se mostrou mais segura após as priões. “Eu estava aflita e nem na rua estava saindo, com medo. Agora deu uma aliviada um pouquinho”, explicou, à época, à Ponte.
Revolta da família e amigos
Mais do que aliviada com a prisão temporária dos PMs Jefferson, que seria o “Negão da Madeira”, e Thiago, Zilda espera a conclusão do caso com a responsabilização da dupla. “Meu sentimento maior é de justiça pela causa que eu vou abraçar agora. O Gabriel morreu por essa causa. Estava acontecendo tanta coisa nesse bairro e ninguém falava nada”, lamentou, no enterro do filho.
“Houve várias outras agressões, só que as pessoas não tiveram coragem de denunciar, como eu estou fazendo agora. Esse PM se autointitula ‘Negão da Madeira'”, continua a mãe, apontando o uso de um pedaço de madeira, parecido com um taco de beisebol ou cabo de enxada, para os espancamentos.
O enterro de Gabriel gerou comoção local. Para sepultá-lo, conhecidos fizeram uma vaquinha que pagou o caixão e ex-professores de Biel, como ele era conhecido, compraram uma pequena lápide em sua homenagem. Um irmão, que pediu para não ser identificado com medo de represálias, disse que queria ficar frente a frente com os PMs para “perguntar por que fizeram isso” com seu irmão.
Amigo de infância de Gabriel, Nicolas Casais Pereira, agora com 20 anos, contou como via o amigo. “O Gabriel era um moleque que só fazia a gente dar risada. Pode ver as fotos, os vídeos dele: é só ele rindo. Um moleque que você não via bravo, não guardava rancor de ninguém e nunca fez ninguém chorar”, contou, no sepultamento do jovem.
As tantas piadas, às vezes, irritavam os professores. “Mas eram problemas de infantilidade de pré-adolescente. Ele era um menino dedicado, passava os dias fazendo trabalho com os colegas”, explicou Iraide Ribeiro, coordenadora pedagógica da escola municipal Antenor Nascentes, onde Gabriel concluiu o ensino fundamental em 2016.
Iranide consolou Zilda no enterro. Quando ela se desesperou, gritando “tiraram a vida do meu bebê”, a coordenadora fez uma promessa: “Calma, eles vão pagar”. E repetia: “eles vão pagar”. Em janeiro de 2019, o júri popular será responsável por dar uma resposta, positiva ou negativa, para dona Zilda.