PMs invadem casa e agridem MC Salvador da Rima diante da família

    Policiais agrediram familiares e amigos do funkeiro, em São Paulo, com spray pimenta e mata-leão, golpe proibido desde julho; para ouvidor, PMs fazem ‘tratamento diferente’ para aglomerações na periferia

    Policiais militares invadiram uma casa onde estava o músico Fábio Gabriel Salvador de Araújo, o MC Salvador da Rima, 19 anos, e agrediram o cantor, seus amigos e familiares, diante das câmeras de celulares que registraram toda a violência, no início da tarde deste sábado (27/2), na Rua Moisés Alves dos Santos, no Itaim Paulista, na zona leste da capital paulista.

    Veja atualização: MC Salvador da Rima: violência policial ‘só confirmou o que eu já canto’

    As imagens mostram policiais da 1ª companhia do 29º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano aplicando em Salvador um golpe de enforcamento, conhecido como mata-leão, que é proibido no Estado de São Paulo desde julho do ano passado, além de jogar spray de pimenta e xingar pessoas que filmavam a ação. 

    Logo após a ação, um áudio captado por um celular e postado nas redes sociais mostra o que, segundo testemunhas, seria uma conversa em que os PMs combinam ferir a si mesmos para acusar os jovens de agressão. Segundo testemunhas, os policiais teriam feito a combinação sem perceber que um dos celulares que haviam apreendido estava ligado e transmitindo ao vivo no Instagram.

    No áudio, é possível ouvir vozes masculinas dizendo “machuca a mão, aí, negão, o rosto” e “bato a testa aqui já, ó”. Um deles acrescenta: “Tem que apresentar nós como vítima, mesmo”. A conversa termina com um dos supostos policiais justificando as agressões: “Fui abordar, falei ‘jovem, levanta a mão’ e ele falou ‘vai me abordar o caralho, seu arrombado’ e correu”.

    Em nota (veja abaixo), a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do governo João Doria (PSDB) não negou que as falas tenham sido ditas pelos policiais, mas declarou que o áudio seria “improcedente” porque os PMs não falaram desses ferimentos quando foram à delegacia.

    Leia também: Entregador que gritou ‘não consigo respirar’ relata tortura pela PM

    De acordo com a mulher e empresária do artista, Kelly Araújo, um grupo de jovens estava parado na rua, ouvindo música, antes de ir para uma partida de futebol que aconteceria na região. Ainda segundo ela, os PMs pararam e pediram o documento do carro que estava tocando funk. Quando ela foi entregar a documentação, os policiais teriam visto o MC no portão da casa e foram atrás dele, invadindo a residência e iniciando as agressões. 

    Kelly afirma que também foi agredida pelos policiais militares e teve o celular tomado pelos agentes. A ação estava sendo transmitida ao vivo pelo Instagram.

    “O policial está enforcando ele”, gritam as pessoas no vídeo ao ver os PMs aplicando um golpe de mata-leão. Em 31 de julho do ano passado, a prática foi proibida por uma ordem interna assinada pelo subcomandante da corporação, coronel Marcus Vinícius Valério. A determinação veio após a veiculação de uma série de vídeos que mostravam o enforcamento de pessoas negras, começando com a morte de George Floyd, nos EUA, em 25 de maio, o episódio em que um policial pisou no pescoço de uma comerciante, em 30 de maio, na zona sul da cidade de São Paulo, o sufomento de um rapaz até desmaiar, em Carapicuíba (Grande SP), em 21 de junho, e um entregador imobilizado que gritou “eu não consigo respirar”, na zona oeste da capital paulista, em 14 de julho.

    Leia também: PM pisa em pescoço de mulher durante abordagem: ‘quase cheguei à morte’

    Cerca de uma hora depois de o artista ser colocado em um carro da Polícia Militar, os familiares receberam informação de que ele havia sido levado para o 67º DP (Jardim Robru). Autuado por desacato, o MC deixou a delegacia no início da noite, aplaudido por centenas de amigos e fãs que o esperavam do lado de fora. “Foi muito gratificante. Os caras se acham pra porra porque tem o aparato do Estado, mas eu tenho a população do meu lado, então pra mim é o suficiente”, disse à Ponte.

    Salvador da Rima é conhecido por participar de batalhas de rap e ganhou visibilidade nacional após participação nas músicas “Vergonha para Mídia” e “Ilusão (Cracolândia)”, com outros artistas de funk. 

    Após sair da delegacia, Salvador foi até a casa invadida pelos PMs e pediu desculpas pelo transtorno. A auxiliar de enfermagem Regina Aparecida Marais Mesquita, 52 anos, que conta ter sido agredida pelos policiais, abraçou o músico e disse: “Aqui é sua casa. Nós estamos do seu lado, filho”.

    O ativista de direitos humanos Darlan Mendes, que atua na região onde aconteceu a agressão, disse que relatou os abusos à Ouvidoria de Polícia de São Paulo pedindo o afastamento dos PMs. Procurado pela Ponte, o ouvidor, Elizeu Soares Lopes, disse que vai pedir na próxima segunda-feira (29) que a Corregedoria da Polícia Militar e a Polícia Civil façam “uma rígida apuração” do caso. Lopes afirma que, conforme as apurações iniciais da Ouvidoria, “o objetivo da ação era impedir uma possível aglomeração, mas as imagens mostram que a ação teve efeito contrário”.

    “Temos visto várias aglomerações em regiões de classe média, e o tratamento é diferente desse que vimos nas imagens, que acontece na periferia. Sabemos que não podemos incentivar a aglomeração, mas também não dá para ter tratamento diferenciado por parte de setores da polícia conforme o ambiente que eles estão em atividade”, disse o ouvidor.

    O que diz o governo

    Em nota enviada à noite, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública do governo João Doria (PSDB) afirmou que não houve ilegalidades na ação da Polícia Militar. A nota afirma que os policiais foram à Rua Moisés Alves dos Santos e “constataram aglomeração de pessoas e som alto”. Na versão oficial, os PMs buscaram orientar as pessoas, mas “um deles desrespeitou a ordem dos agentes e passou a hostilizá-los, razão pela qual foi dada voz de prisão a ele”.

    Na nota, o governo afirma que vai investigar a conduta dos policiais, mas já concluiu que são inocentes. “Não houve ilegalidade na ação dos policiais, no entanto, os procedimentos serão analisados do ponto de vista técnico-operacional e administrativo”, afirma a nota.

    “Em relação ao suposto áudio atribuído aos policiais, ele é improcedente vez que nenhum agente policial declarou no registro da ocorrência qualquer lesão sofrida durante a ação”, diz a nota da Secretaria. “A Polícia Militar reforça que estamos vivendo um momento crítico do contágio da Covid-19 e a população precisa respeitar as determinações dos órgãos de saúde para evitar a contaminação e preservar vidas”, conclui.

    • Atualizada em 27/2, às 20h30, para registrar a saída de Salvador da delegacia
    • Atualizada em 27/2, às 21h35, para inserir o posicionamento do governo

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