Principal testemunha da morte do ativista Pedro Henrique Santos Cruz, ocorrida em 2018, reconheceu o soldado José Carlos Dias dos Santos como um dos assassinos
Dois anos depois da execução do ativista Pedro Henrique Santos Cruz, 31 anos, o terceiro policial militar suspeito de participar do crime foi reconhecido pela principal testemunha do caso. Pedro foi assassinado dentro de casa, em 27 de dezembro de 2018, dentro de casa, no bairro de Matadouro, em Tucano, cidade no interior da Bahia, a 252 km da capital Salvador.
Foram várias tentativas para que esse reconhecimento fosse feito no último ano, mas houve diversos cancelamentos e adiamentos. No dia 3 de fevereiro, a principal testemunha do caso de Pedro, que terá o nome preservado, esteve na Delegacia Territorial da Polícia Civil de Tucano e reconheceu o soldado José Carlos Dias dos Santos como o terceiro policial suspeito de matar Pedro.
Segundo o relato da testemunha, José foi quem pressionou o seu rosto no colchão e quem a agrediu com chutes, usando um calçado semelhante a um coturno marrom, utilizado pela Polícia Militar.
O PM José Carlos foi colocado ao lado de outras oito pessoas, com características semelhantes, conforme folha de reconhecimento assinada pelo delegado Paulo Jason de Melo Falcão. A testemunha já havia reconhecido outros dois soldados, Bruno de Cerqueira Montino e Sidnei Santana Costa, que foram indiciados como suspeitos do assassinato de Pedro, mas que ainda não foram denunciados.
À Ponte, a mãe de Pedro, a professora Ana Maria Cruz, 54 anos, comemorou o reconhecimento do terceiro suspeito. “A esperança a gente não perde nunca. É melhor morrer do que perder as esperanças. Ficamos mais otimistas, mas o problema é a lentidão com que as coisas acontecem.”.
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“Tem mais de um ano que o promotor de justiça requisitou o reconhecimento. A delegacia de Tucano é vizinha do batalhão deles. Não tem por que isso”, lamenta Ana Maria.
A professora lembra que, em junho de 2020, a testemunha havia ido até a delegacia para o reconhecimento, mas, à época, a Polícia Civil havia apresentado uma foto de um PM, morto em Euclides da Cunha, interior da Bahia, em 2019.
“Colocaram esse outro PM para reconhecer enquanto o verdadeiro tá vivo, andando, trabalhando, fazendo tudo. Até hoje eu não entendo o que levou eles a acreditarem que [a testemunha] reconheceria um PM morto como terceiro assassino de Pedro”.
Como a testemunha não havia reconhecido ninguém, conta dona Ana Maria, a defensora pública Valéria Teixeira Sousa, que acompanha a família de Pedro, sugeriu o nome de dois PMs para uma próxima audiência, que foi marcada para 2 de julho de 2020.
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“Na véspera, entraram em contato desmarcando, dizendo que os PMs estavam com suspeita de coronavírus. Isso durou até dezembro, aí o delegado desistiu e mandou o inquérito para o promotor do jeito que estava”, conta a mãe de Pedro.
“O promotor também mandou do jeito que estava para a Justiça. Esse reconhecimento só feito agora porque a juíza pediu. Então ficamos nessa. É um pequeno passo para chegarmos até a justiça. É animador porque não sabíamos mais em quem acreditar. Vamos ver o que vai acontecer agora”, finaliza dona Ana Maria.
Os próximos passos, de acordo com a defensora pública Valéria Teixeira Sousa, ainda são incertos. “Ainda há diligências solicitadas pelo Ministério Público, que solicitou a quebra de sigilo telefônico dos suspeitos e ainda não sabemos o resultado disso porque não consta no inquérito”.
“Como o processo está em segredo de justiça não sabemos se foi concluído ou não. O que resta é aguardar e ver, se com base nisso, o MP vai entender que já tem elementos para denunciar ou se vai solicitar mais diligências”, completa.
Relembre o caso
Era noite de 26 de dezembro de 2018 quando Ana Maria Cruz falou com o filho Pedro Henrique Santos Cruz pela última vez. A conversa não foi leve, como dificilmente era já que Pedro era um dos ativistas mais importantes contra a violência policial na cidade de Tucano, cidade no interior da Bahia, a 252 km da capital Salvador.
Naquela noite, Ana e Pedro trocavam mensagens pelo Facebook, mas o filho avisou que precisava falar por telefone com a mãe. Por volta das 22h, Pedro contou para a mãe que queria instalar câmeras na casa de um adolescente de 17 anos que estava sendo perseguido por policiais militares.
Havia escapado por pouco de ser pego, dentro de casa. Mas os homens que invadiram sua casa deixaram um recado para sua mãe: não queremos prendê-lo, queremos matá-lo.
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“O menino tinha falado com Pedro que tinha medo e Pedro tinha perguntado se podia trazer ele para Salvador para aqui a gente encaminhar ele para o Ministério Público e para a Defensoria Pública. Ele ficou me falando ‘não quero não que esse menino morra’. Pedro viu esse menino crescer, ele sempre ia nas caminhadas”, contou dona Ana em entrevista à Ponte.
Essa caminhada é a “Caminhada Pela Paz”, organizada por Pedro, que tinha como objetivo combater crimes praticados por policiais. A ideia surgiu depois de uma abordagem violenta que ele havia sofrido em 2012. Ali surgia também a versão de Pedro que lutava pelos outros: passou a dedicar a sua vida para denúncias abusos cometidos pelas forças policiais de Tucano.
“Eu ainda falei para Pedro tomar cuidado, porque era uma cidade pequena que todo mundo sabia o que acontecia. Aí ele disse que ia tomar um banho e ainda trocamos algumas palavras no Facebook. A última mensagem minha para ele foi a foto do sobrinho dele de 10 anos, que ele nem chegou a visualizar. Meu último encontro com Pedro foi sobre proteger pessoas. O último pensamento de Pedro foi esse”, lembra dona Ana.
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Às 3h daquela madrugada de 27 de dezembro de 2018, a professora foi acordada. Sua filha, que mora com ela em Salvador, recebeu a notícia de que Pedro havia sido executado, dentro de casa, no bairro Matadouro, em Tucano, com 8 tiros. Pedro morreu na hora. Os autores eram três homens encapuzados.
Dona Ana ficou mais uns dias em Tucano, para fazer companhia para o marido, que mora na cidade e estava muito abalado. Ali nascia a ativista que Ana Maria se tonaria para buscar por Justiça pela execução do filho.
Outro lado
A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública, a Polícia Civil, a Polícia Militar da Bahia, questionando como o Estado enxerga a execução de Pedro Henrique e se os policiais militares suspeitos de terem matado o ativista serão afastados das ruas e presos, além de solicitar entrevista com os três PMs. Também acionamos o Ministério Público da Bahia.
Por e-mail, a Polícia Militar da Bahia informou que “a solicitação será encaminhada para a Corregedoria da PM, assim que tivermos as informações responderemos. A respeito de entrevistas com os policiais militares, elas devem ser encaminhadas para os mesmos”.
A Polícia Civil também se posicionou por e-mail: “A Delegacia Territorial (DT), de Tucano, já concluiu e remeteu o inquérito que apurava o caso ao Ministério Público (MP), com o indiciamento dos autores”.
ATUALIZAÇÃO: Reportagem atualizada às 11h45 do dia 18/2/21 para incluir posicionamento da Polícia Civil