Policiais atuaram em 47% das chacinas em 5 estados, aponta levantamento

    Rede de Observatórios da Segurança lança monitoramento de dados da violência feito entre junho e outubro; RJ é campeão de operações policiais

    Integrantes do Bope durante operação em comunidade | Foto: Divulgação/PMERJ

    Policiais participaram de 16 das 34 chacinas ocorridas em São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco e Bahia, entre junho e outubro deste ano, aponta o 1º Relatório da Rede de Observatórios de Segurança divulgado nesta quinta-feira em parceria com a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (ALCE) e o Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (leia o estudo na íntegra clicando aqui).

    “Mais da metade dos casos de chacina aconteceram no Rio de Janeiro. E a gente pode lembrar do caso do Fallet, que foi no início do ano, quando 15 pessoas foram mortas e constatar que isso continua acontecendo. O número de casos, que são 16, que tiveram participação de agentes do Estado nos prova que a violência policial tem aumentado muito. Alguns locais do estado não estão conseguindo aproveitar a queda de homicídios, por exemplo, por causa do aumento da letalidade policial. Isso é um resultado de ação da polícia violenta, truculenta”, analisa Pablo Nunes, coordenador de pesquisa da Rede.

    O levantamento também mostra que a taxa de homicídios de jovens negros com idade entre 19 e 24 anos é 8 vezes maior que a de brancos e que o RJ segue campeão de operações policiais: 54% das operações policiais ocorridas no período monitorado aconteceram no estado e houve um aumento de 56% na letalidade nessas ações, quando comparado ao mesmo período do ano passado. Quase metade das operações deixaram, pelo menos, uma vítima.

    “A gente tem um cotidiano envolto nas ações de polícia, não apenas no Rio, mas em outros estados. Boa parte dessas operações é feita pela PM. A gente também analisou a vitimização de policiais. Foram 163 agentes vitimados, 100 deles foram ferimentos e 63 foram mortes. Desses casos, 33 aconteceram no Rio. As operações são um retrato da segurança pública do Rio”, afirmou em coletiva de imprensa.

    Gráfico: Rede de Observatórios da Segurança

    De acordo com Sílvia Ramos, coordenadora geral da Rede de Observatórios da Segurança, os novos números alertam para a falta de políticas públicas de segurança, em especial no Rio de Janeiro. “É um destaque a violência policial, um problema brasileiro, uma característica de ação, mas que não tínhamos nos dado conta de como o Rio tinha ido tão fundo nessa característica”, pondera. “Com muita frequência se atira para matar, mesmo que não traga nenhum benefício para a segurança”, analisa a pesquisadora.

    Silvia destaca a questão dos linchamentos. Um dos casos mais recentes aconteceu em São Paulo, quando um adolescente foi pego tentando furtar algumas barras de chocolate em um unidade da Rede de Supermercados Ricoy, foi amarrado e chicoteado com fios elétricos por seguranças do estabelecimento. “O aumento de linchamentos é uma realidade e vitimiza jovens, pobres e negros. O Brasil é racista e silencia sobre isso”, afirma.

    Em um trecho do relatório, há alguns artigos de análise de quadros de violência e um deles, assinado por Pablo Nunes, aponta que o monitoramento facial, previsto no Pacote Anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e já utilizado por algumas polícias, reforça o racismo no cárcere: 90,5% dos presos no período por reconhecimento facial são negros. De março a outubro, 151 pessoas foram presas com o uso da nova técnica.

    A Bahia, o estado mais negro do Brasil, liderou o número de abordagens e prisões por reconhecimento: 51,7% das prisões, seguida do Rio, com 37,1%, Santa Catarina, com 7,3%, Paraíba, com 3,3% e o Ceará, com 0,7%.

    “Por mais que para alguns a tecnologia de reconhecimento facial possa parecer uma novidade misteriosa e incerta em seus resultados, para os rapazes jovens e negros ela tem representado a certeza de que continuarão a ser abordados de forma preferencial, em nome da chamada guerra às drogas. É uma atualização high-tech para o velho e conhecido racismo que está na base do sistema de justiça criminal e tem guiado o trabalho policial há décadas”, escreve Nunes.

    A violência contra mulher teve destaque também para o monitoramento da Rede. São Paulo teve 169 registros, sendo 60 feminicídios e 109 outras violências, como agressão e abuso sexual. Dos 518 casos registrados nos 5 estados no intervalo, 39% foram feminicídios, ainda que se faça o alerta para uma subnotificação elevada.

    “Há resistência dos próprios órgãos competentes em classificarem os crimes como feminicídio. Acompanhamos em Pernambuco a morte de uma mulher pelo seu companheiro com ácido e não foi tipificado feminicídio sendo que, em nosso entendimento, é um típico caso”, exemplifica Silvia Ramos, coordenadora geral da Rede de Observatórios da Segurança.

    Gráfico: Rede de Observatórios da Segurança

    Apesar das dificuldades em conseguir dados sobre violência dentro do sistema prisional, o estudo deu destaque para denúncia de torturas praticadas contra presos no Ceará, o enfrentamento do estado com ataques de facções criminosas (84% dos ataques no período se concentraram no estado) ao mesmo tempo que houve queda de homicídio.

    A análise da Rede leva em consideração notícias veiculadas pela imprensa desses estados, informações oficiais e acompanhamento de 300 contas de Twitter, entre elas das redes policiais. Silvia explica que a questão racial perpassa por todas as violências, mas que, muitas vezes, é difícil monitorar pela ausência dessa informação nos canais acessados. Ela destaca a atuação da Ponte como positiva para dar o nome certo para as coisas.

    “Não lemos em lugar nenhum ‘jovem negro morre’, ‘jovem negro é morto’. Só na Ponte. Isso interfere nestes números específicos. Queremos e temos intenção de fazer futuramente”, analisa a coordenadora. “No entanto, é nítido o quanto os negros são os mais afetados. Olhamos número de mortos pela polícia? Os negros são as vítimas principais. Feminicídios? Mulheres negras são maioria. A taxa de homicídio para jovens negros é oito vezes maior do que a da população geral. Isso é latente”, resume.

    A pesquisa alerta também para crimes de racismo e a baixa incidência de denúncias. Foram apenas 14 casos ao longo de cinco meses nos estados acompanhados pela Rede de Observatórios. “Há um contraste muito chocante do silêncio de admitir que a violência e a segurança pública são problemas atravessados por viés racial. Há o excesso de violência contra negros. Temos um país racista que não admite, em que os veículos não colocam ‘jovem negro’ nas notícias”, completa a especialista.

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