Cabo Jorge Silva Filho era quem conduzia a viatura, que também trazia o sargento André Chaves da Silva e o soldado Danilton Silveira da Silva, todos da Força Tática; Sindicato dos Delegados critica decisão do Tribunal Militar em manter homicídio doloso em seu poder
A Justiça comum acatou pedido do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) da Polícia Civil e decretou a prisão temporária do cabo Jorge Baptista Silva Filho, 43 anos. O policial militar é o terceiro integrante da corporação preso pela execução dos jovens negros Vinícius Alves Procópio, 19, e Felipe Barbosa da Silva, 23, na noite de 9 de junho.
Os homens foram mortos por tiros disparados à queima-roupa pelo sargento André Chaves da Silva, 46, e pelo soldado Danilton Silveira da Silva, 28, ambos da Força Tática do 1º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, no cruzamento das ruas Doutor Rubens Gomes Bueno e Castro Verde, em Santo Amaro, na zona sul da capital paulista.
Um vídeo, feito pelo celular de uma testemunha, mostra parte dos tiros desferidos pela dupla de policiais militares sobre os rapazes, e foi decisivo para a Corregedoria da PM pedir a prisão dos atiradores, que já haviam sido conduzidos ao presídio no domingo (13/6), após decisão da Justiça Militar.
Jorge Baptista Silva Filho era quem dirigia a viatura M-01018, que também trazia o sargento André e o soldado Silveira. Os integrantes da Força Tática chegaram ao local após serem acionados por uma outra equipe, que havia localizado o veículo em que os jovens estavam. Segundo a polícia, Vinícius e Felipe estariam armados e roubando na região, o que justificaria a ação policial. No entanto, os próprios policiais alegam que ambos não atiraram contra eles.
Segundo o DHPP, o pedido de prisão se deu para entender se houve participação indireta na ação e se houve fraude processual. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, o cabo Jorge foi conduzido na noite de segunda-feira (14/6) ao Presídio Militar Romão Gomes, no Tremembé, na zona norte, mesma unidade em que já estavam presos seus colegas de farda. Em nota, a defesa do soldado Danilton Silveira da Silva sustentou que tentará sua liberdade através de um habeas corpus. A reportagem não conseguiu localizar a defesa do sargento André e do cabo Jorge.
Para Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em direitos humanos e segurança pública e Membro do Grupo Tortura Nunca Mais, “os jovens foram fuzilados”. “O papel dos PMs nesse caso deveria ser de abordá-los e prendê-los e não executá-los sumariamente e à queima-roupa. Não existe pena de morte na legislação brasileira”, disse à Ponte.
O advogado aponta que “as informações do IML (Instituto Médico Legal) são de que o Felipe tinha 27 perfurações geradas pelos disparos dos PMs e o Vinícius tinha 23 perfurações. Essas informações já indicam um fuzilamento”.
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Na tarde de segunda-feira (14/6), Ariel acompanhou os familiares dos mortos até a sede da Ouvidoria da Polícia, na Bela Vista, região central. Ao ouvidor Elizeu Lopes Soares a mãe e o irmão de Vinícius e a esposa de Felipe contaram o que sabiam sobre os últimos minutos de vida dos rapazes. A reportagem teve acesso ao documento, que possui duas páginas.
A esposa de Felipe disse em seu depoimento que o marido trabalhava como motoboy e que, na noite de 9 de junho, recebeu uma ligação do esposo por volta das 19h20, em que foi possível ouvir “moiô, moiô, eles vão matar a gente”. Segundo ela, o marido contou onde estava e se despediu, dizendo que amava a esposa e a filha. Ele ainda teve tempo de pedir para que ela avisasse a família do amigo sobre o que estava ocorrendo.
Durante o depoimento, a mãe de Vinícius Alves Procópio disse que o modo que os policiais militares mataram seu filho e Felipe “parecia um treinamento e não uma ação com vidas”.
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A mãe de Vinícius contou que, naquela noite, recebeu um telefonema de uma pessoa conhecida afirmando que seu filho havia sido preso. Instantes depois, uma outra ligação informou que ele havia morrido. Como ela não teve coragem de ir até o local, seu marido e o irmão do jovem executado seguiram até o endereço mencionado na ligação. Segundo a mulher, seu filho “trabalhava com o pai com transporte escolar e que, em razão da pandemia de Covid-19, por não haver aulas presenciais, estava parado”.
Os familiares das vítimas também apontaram durante o depoimento na Ouvidoria que o vídeo que registrou as execuções foi visto por eles na página no Instagram da própria Força Tática, em que ele foi exibido “como seu fosse um mérito da polícia”. Ainda segundo os familiares, o vídeo foi apagado pouco após a postagem.
Histórico do chefe da ação
Encarregado da equipe e com mais de 20 anos na PM, a ocorrência que resultou no assassinato dos dois jovens não foi a primeira com resultado morte em que se envolveu o sargento André Chaves da Silva. Em 24 de maio de 2011, o sargento, que à época era cabo, estava junto a um soldado quando receberam via rádio a informação sobre caminhão roubado. Ao chegarem à Rua Carloforte, no Capão Redondo, se depararam com dois homens ao lado do veículo. De acordo com documento do Tribunal Militar, “um deles ao visualizar a viatura se evadiu, porém o outro veio de encontro à viatura, momento em que o PM André tentou abordar o indivíduo este começou a correr, mas, virou-se efetuando um disparo de arma de fogo contra a guarnição que foi revidada pelos policiais militares. O agressor continuou a correr, no entanto, depois, de alguns metros caiu alvejado, sendo socorrido ao PS do Campo Limpo”. O homem morto naquele dia foi identificado como Elton da Silva Reis. A dupla de PMs foi absolvida.
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Mais recentemente, em agosto de 2018, o sargento André foi condenado a quatro meses de detenção em regime aberto por ameaça. Durante as buscas por suspeitos de um roubo de moto em Santo Amaro, zona sul da capital, ele e um soldado decidiram abordar um homem que estava em uma rua. Na abordagem, o homem teria chamado o soldado de “você”, e o policial o agrediu com um soco no rosto, dizendo que deveria ser chamado de “senhor”.
Após as agressões, o sargento André ameaçou a vítima, conforme indicam as investigações. Segundo consta no processo, o PM disse o seguinte à vítima: “Tem alguma queixa para fazer de nós? A hora é agora de você denunciar”. Em seguida, tirou fotos do documento, do rosto e da residência do homem agredido, e disse que voltaria caso os policiais fossem denunciados. Em sua defesa, o policial negou a ameaça e usou como prova o sinal de GPS da viatura, num possível indicativo que ela estava em movimento durante o período relatado pela vítima.
Sindicato dos Delegados critica Justiça Militar
Na tarde desta terça-feira (15/6) o Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo divulgou um nota técnica em que critica a Polícia Militar e o Tribunal de Justiça Militar. Para a entidade que reúne policiais civis, a “Polícia Militar instaurou ilegalmente Inquérito Policial para apurar o delito”, investigação que deveria ser tocada pela Polícia Civil, seguindo o que determina a lei.
O entendimento é que a a atitude da PM “investigando crimes praticados pelos próprios integrantes da corporação, além de usurpar as funções constitucionais da Polícia Civil, compromete a persecução criminal, pela falta de imparcialidade, em detrimento da segurança da população”.
A critica ao TJM é devido ao veto do juiz militar Ronaldo João Roth em repassar as investigações iniciais para a Justiça comum, como havia pedido Ministério Público e como determina o Código de Processo Penal, de que crimes dolosos contra a vida são de atribuição do Júri.
Em seu despacho, o juiz Roth justificou sua decisão que “cabe a Polícia Judiciária Militar realizar o IPM, nos termos do parágrafo 2º do artigo 82 do CPPM”. O magistrado também pontuou que o Inquérito Polícia Militar que apura a ocorrência “ainda não está concluído”.
Para o sindicato, tal posição de Roth “contraria entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no sentido de que: a Polícia Militar e a Justiça Militar estadual não têm atribuição para investigar e apurar crimes dolosos contra a vida de civil, ainda que praticados por policial militar em serviço”.
O que diz a Secretaria da Segurança Pública
Por meio de nota enviada nesta terça (15/6) a Secretaria da Segurança Pública confirma a prisão do terceiro policial: “O Comando da Polícia Militar prendeu preventivamente os policiais envolvidos na ocorrência. A corporação havia solicitado a prisão à Justiça Militar, que atendeu ao pedido nesta segunda-feira (14). O DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa) também pediu a detenção temporária do terceiro agente, que foi decretada. Os agentes foram encaminhados ao Presídio Militar Romão Gomes. As investigações prosseguem pela Corregedoria da PM e pelo DHPP. A Polícia Militar não compactua com desvios de comportamento e se mantém diligente em relação às denúncias ou indícios de transgressões ou crimes cometidos por seus agentes”.