STJ decide manter investigação dos assassinatos de Marielle e Anderson no RJ

    Por maioria, ministros negaram pedido da Procuradoria-Geral da República de federalizar caso; família comemora: “quem sabe um dia tenhamos resposta”

    STJ decide que investigação de caso Marielle Franco fica no Rio após mobilização de milhares de pessoas | Foto: reprodução/twitter

    O Superior Tribunal de Justiça negou que a federalização da investigação dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, ocorridos em 14 de fevereiro de 2018 no centro do Rio de Janeiro.

    Com a decisão, a Polícia Civil e o Ministério Público do estado seguem responsáveis por elucidar o crime, seja investigando ou acompanhando os trabalhos, enquanto PF (Polícia Federal) e MPF (Ministério Público Federal) não se envolvem nas apurações.

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    A PGR (Procuradoria-Geral da República) havia requerido a transferência da competência de investigação para âmbito federal, ação chamada de federalização. Essa foi uma das últimas ações de Raquel Dodge como procuradora-geral.

    Os familiares de Marielle se posicionaram contra a federalização e se mobilizaram. Criaram uma campanha de assinatura online que superou 150 mil contribuições para dizer “não” à federalização.

    “Hoje foi uma vitória muito importante. Vitória não só para a família, mas para todos os 153 mil companheiros e companheiras que assinaram essa mobilização contra a federalização”, resumiu Anielle Franco, irmã da vereadora. “E também para todos que, não só no Brasil, mas também lá fora, esperam por resposta e justiça”, resumiu.

    Em áudio enviado pela sua assessora de imprensa à Ponte, ela classificou a votação como “importante em meio a tanto caos, interferência, dor e tantas mortes”. Anielle se refere ao recente episódio da saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública e o início da investigação de tentativa do presidente Jair Bolsonaro interferir na Polícia Federal.

    Após o escândalo gerado com a saída de Moro e a acusações feitas por ele, Bolsonaro comparou o caso Marielle Franco ao episódio da facada que levou durante a campanha eleitoral de 2018, em Juiz de Fora, Minas Gerais. “Será que é interferir na Polícia Federal quase exigir e implorar a Sergio Moro que apure quem mandou matar Jair Bolsonaro? A PF de Sergio Moro mais se preocupou com Marielle do que com seu chefe supremo. Cobrei muito deles aí. Não interferi”, disse o presidente, gerando revolta nos familiares e amigos da vereadora.

    “Pelo menos uma vitória. Esperamos, agora, que continue aqui [a investigação], mas que não tenhamos que esperar mais dois anos e alguns meses para descobrir quem mandou matar minha irmã e, quem sabe um dia, tenhamos esse caso solucionado”.

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    Viúva de Marielle, Monica Benício comemorou a decisão através das redes sociais. “Com o apoio de +150 mil pessoas, conseguirmos hoje uma vitória sobre a possibilidade de retrocesso. Não descansemos, sigamos com ainda mais afinco buscando”, escreveu, em seguida questionando: “quem mandou matar Marielle?”.

    Políticos como Marcelo Freixo (Psol), padrinho político de Marielle, também aprovou a manutenção dos trabalhos no Rio. “Parabéns a todos que se mobilizaram e pressionaram para manter as investigações do assassinato de Marielle e Anderson longe das mãos de Bolsonaro. Parabéns a Marinete (mãe), Toinho (pai), Anielle, Luyara (filha), Mônica, aos advogados e advogadas, aos movimentos sociais. Vitória!”, disse.

    O mesmo fez Renata Souza, deputada estadual do Rio e, à época do crime, assessora da Marielle. “O STJ atendeu ao clamor daqueles e daquelas que lutam por justiça e que não querem o caso Marielle e Anderson sob responsabilidade da polícia que Bolsonaro quer controlar”, afirma, citando o diretamente o presidente, já que é o chefe máximo da PF.

    Entidades se pronunciaram e elogiaram a decisão, como o Instituto Marielle Franco, a Rede de Observatórios da Segurança e a Conectas. No começo do dia, a Anistia Internacional destacou que, passados mais de 800 dias, ainda não havia uma resposta sobre o mandante dos assassinatos.

    Votação

    Dez ministros do STJ participaram da decisão, que definiu a negativa da transferência no sexto voto, com placar de 6 a 0. A PGR argumentava que existia “inércia” das autoridades locais na investigação.

    Relatora do caso, a ministra Laurita Vaz avaliou não haver provas de que a Polícia Civil ou o MP, através do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), estão inerte nos trabalhos investigativos.

    Em março de 2019, uma ação da Civil com o Gaeco prendeu o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz. Eles são réus por estarem no carro que atacou a vereadora, segundo o MP.

    No mesmo mês, a Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público. Ambos respondem por homicídio triplamente qualificado e negam participação no crime.

    Lessa, segundo o MP, seria chefe de uma milícia na zona oeste do Rio de Janeiro. Também integraria o Escritório do Crime, grupo criminoso ligado ao jogo do bicho no Rio de Janeiro. Líder da organização, o ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega foi morto em ação da PM na Bahia.

    Um dos argumentos da PGR é de que grupos criminosos teriam influência na investigação. A ministra Laurita cita, em sua decisão, que não há elementos que sugerem interferência nos trabalhos.

    “Basta uma breve leitura para se constatar que não há conivência ou imobilidade das autoridades locais na apuração de crimes praticados por milicianos”, sustenta.

    Os ministros seguintes acompanharam sua argumentação, votando a favor da manutenção dos trabalhos no Rio de Janeiro: Jorge Mussi, Sebastião Reis, Rogério Schietti, Reynaldo Fonseca e Ribeiro Dantas.

    Outros quatro magistrados ainda votariam quando a decisão da maioria definiu o resultado: Felix Fisher, Joel Ilan Paciornik, Nefi Cordeiro e
    Antônio Saldanha Palheiro. Por essa razão, o Instituto Marielle Franco divulgou que a decisão tinha sido “unânime”.

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