Polícia Civil declarou que ele havia confessado, mas advogado afirma que versão mudou; Ouvidoria da Polícia pediu pericia em vídeo que registra ataque
O morador de rua Flausino Cândido, 49 anos, o Buiú, preso suspeito de atear fogo e matar o também morador de rua Carlos Roberto Vieira da Silva, 39, negou a autoria, segundo o advogado Márcio Araújo.
Silva teve o corpo queimado enquanto dormia sob a marquise do supermercado Dia, localizado na rua Celso de Azevedo Marques, no Parque da Mooca, zona leste de São Paulo, na madrugada de 5 de janeiro. Com queimaduras graves pelo corpo, o homem não resistiu e veio a falecer um dia depois no Hospital Municipal do Tatuapé, referência em queimados.
“Em conversa comigo e garantiu que não foi ele. Temos provas que ainda não podem ser divulgadas e seguiremos a tese de negação de autoria. Provaremos a inocência dele”, declarou o defensor.
Araújo entrou com dois pedidos de habeas corpus para Buiú – na Justiça de SP e no STJ (Superior Tribunal de Justiça) – que foram negados.
Cândido foi preso no dia 8/1. À imprensa, a Polícia Civil afirmou que o homem havia confessado o crime, após Silva supostamente ter furtado R$ 10 mil que ele guardava em uma carroça. O montante seria relativo a uma aposentadoria que recebe por invalidez. A versão foi questionado pela defesa do suspeito, por entidades que acompanham o caso e até mesmo pelo ouvidor da Polícia de SP, Benedito Mariano.
Incomodado após receber em seu gabinete duas pessoas que afirmaram que Buiú é inocente da acusação, Mariano pediu que o vídeo que registrou o ataque seja periciado. À Ponte, o ouvidor alegou que seu pedido foi realizado já que “uma prova técnica pode mudar a natureza das investigações”. Além disso, explicou que o objetivo da perícia “é sanar qualquer dúvida de que as quatro imagens são da mesma pessoa. Em duas delas, 30 minutos antes do crime, é possível identificar o morador de rua preso. Em outras duas, há dúvidas”, explicou.
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Uma das pessoas que procurou o ouvidor é um homem, testemunha ocular do crime, que afirma que a pessoa que realizou o ataque contra Silva é branco e magro, enquanto o homem preso é negro e robusto.
Já a outra testemunha é uma mulher, moradora do bairro, que conhece Cândido, e afirmou que o homem tem problemas de locomoção, o que o impediria de correr como o autor do ataque, que foge ao atear fogo na vítima. A defesa de Buiú também confirmou à Ponte essa mesma informação. “Ele tem dificuldade de mobilidade, pés inchados e não poderia ter imprimido aquela velocidade que aparece em alguns vídeos já divulgados”, afirmou, em 20 de janeiro, o advogado Márcio Araújo.
“A Ouvidoria da Polícia solicitou à SPTC (Superintendência da Polícia Técnico-Científica) perícia nas imagens que levaram a prisão temporária do morador de rua como principal suspeito de ter matado um outro na marquise de supermercado. Há várias contradições no caso, em especial, testemunhas que disseram que o perfil físico do autor do crime difere e muito do morador de rua preso. Tem que continuar as investigações”, declarou Benedito Mariano à Ponte.
O padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, que chegou a visitar Buiú na prisão, também defende que devem ser realizadas novas diligências e perícia no vídeo. “Ao meu ver as provas contra ele precisam ser melhor comprovadas, com perícia dos vídeos para comprovar que a pessoa que aparece correndo é ele mesmo, além da reconstituição do crime”.
O advogado Márcio Araújo cita alguns elementos que, para ele, tornam frágeis a versão de que Buiú cometeu o crime. “Tive acesso aos autos principais e, de acordo com o depoimento, ele confessou. Mas tem um detalhe: ele é analfabeto. Primeiro, teria que ter um defensor junto com ele, o que não aconteceu. No depoimento formal, ele negou. Os depoimentos das testemunhas que relatam ter sido ele ou alguém parecido são muito vagos, baseados no vídeo. É impossível identificar qualquer pessoa naqueles videos”, explicou.
A Ponte questionou a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) sobre as dúvidas com relação à versão apresentada pela Polícia Civil, as provas e a confissão. Em nota, a pasta reitera que o caso foi investigado e concluído pelo 18º DP (Alto da Mooca). “O autor foi identificado, reconhecido por testemunhas, confessou o crime e teve o pedido de prisão temporária deferido pela Justiça. A autoridade policial ouviu uma das testemunhas apontadas pela Ouvidoria e solicitou a qualificação da outra à instituição para ouvi-la. Até o momento, no entanto, não há nenhuma alteração no resultado das investigações”.
O Ministério Público de São Paulo informou que o inquérito foi recebido na última segunda-feira (27/1) e está sob análise.
O TJ-SP (Tribunal de Justiça de SP) foi questionado sobre a negativa do pedido de liberdade provisória e informou que “o caso está em segredo de Justiça e não temos acesso aos andamentos”.