TJ nega indulto e STF suspende parte de decreto que beneficia PMs do Massacre do Carandiru

Desembargadores consideraram perdão judicial de Bolsonaro como inconstitucional nesta terça (17); um dia antes, ministra Rosa Weber suspendeu trecho do decreto pelo mesmo motivo e por violar compromissos internacionais

Protesto realizado em 2016 em SP pedindo justiça para familiares de vítimas do massacre | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) negou, nesta terça-feira (17/1), o perdão judicial aos 74 PMs condenados pelo Massacre do Carandiru por considerar que parte do decreto de indulto assinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em dezembro de 2022, é inconstitucional.

Os desembargadores da 4ª Câmara de Direito Criminal consideraram que o artigo 6º do texto viola a Constituição Federal. É esse trecho do decreto que determina que o indulto será concedido a agentes das forças de segurança pública que “no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática”.

O indulto é um ato legislativo assinado pelo presidente da República e não é de efetividade automática, já que a defesa dos presos condenados que se encaixam nos critérios da norma precisam ingressar com um pedido a ser avaliado pelo Poder Judiciário.

O relator Roberto Porto argumentou que o artigo se amolda perfeitamente ao caso dos policiais condenados pelo massacre, já que os estavam em serviço quando invadiram a Casa de Detenção em 1992 e o homicídio qualificado só foi considerado crime hediondo dois anos após a chacina, em 1994, após uma mudança na lei a pedido da autora de novelas Gloria Perez, mãe da atriz assassinada Daniella Perez.

Como o indulto é vedado em casos de presos condenados por crimes hediondos, o desembargador entendeu que o ato legislativo “deve se submeter ao ordenamento jurídico vigente”. “Assim sendo, a concessão de indulto a crime de natureza considerada hedionda na data da sua publicação contém potencial ofensa à ordem constitucional, prisma que dá razão à presente arguição”, escreveu.

O acórdão (decisão de um grupo de magistrados) foi proferido um dia depois de a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, ter determinado a suspensão desse mesmo artigo com base em argumentação semelhante, conforme revelou o UOL (embora os desembargadores não tenham feito referência à decisão da ministra). A 4ª Câmara Criminal também determinou a abertura de um procedimento no Órgão Especial do TJ-SP para avaliar a inconstitucionalidade do trecho do decreto e suspendeu o julgamento do mérito dos recursos impetrados pela defesa dos policiais.

No caso do STF, a ministra acolheu um pedido liminar (de urgência, de precaução) da Procuradoria Geral da República (PGR) que havia entrado com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7330 contra o decreto. Além de considerar esse ponto da inconstitucionalidade, a PGR também mencionou que o trecho viola “os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro”, já que “relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA [Organização dos Estados Americanos] declarou o Brasil responsável por graves violações a direitos protegidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos, expedindo recomendações para que o Estado brasileiro reparasse os danos causados e evitasse novas violações”.

O procurador-geral Augusto Aras sinalizou que “indultar crimes de lesa-humanidade consubstancia
transgressão aos direitos humanos e acarreta ignorar direitos inerentes ao ser humano, como os direitos à vida e à integridade física, indo na contramão do processo evolutivo dos direitos fundamentais plasmados na ordem jurídica interna e internacional, com violação direta do dever constitucional de observância dos tratados internacionais de direitos humanos”.

Rosa Weber decidiu suspender parcialmente o decreto até que o relator do caso, ministro Luiz Fux, retorne do recesso judiciário. Ela justificou que é melhor o caso ser analisado após a volta dos trabalhos a fim de “evitar a consumação imediata de efeitos concretos irreversíveis” e que “o indulto aos agentes públicos envolvidos no Massacre do Carandiru pode, em princípio, configurar transgressão às recomendações da Comissão, no sentido de exortar o Brasil à promoção da investigação, do processamento e da punição séria e eficaz dos responsáveis”.

Como o caso está hoje

Em novembro do ano passado, o STF reconheceu o trânsito em julgado (ou seja, o fim do processo) de dois recursos sobre a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2021 que restabeleceu as condenações dos 74 PMs envolvidos na chacina. Com essa decisão, ficou confirmada a condenação dos policiais, proferida em cinco júris populares ocorridos entre 2013 e 2014. Na época, as sentenças somavam mais de 600 anos de prisão por homicídios qualificados tentados e consumados.

Contudo, a discussão sobre a dosimetria da pena, ou seja, o tempo que os acusados devem cumprir e os recursos da defesa dos policiais para reduzir esse período ficou parada na 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e tramita em sigilo. O desembargador Edson Brandão pediu vistas, ou seja, tempo para analisar. Ele e Camilo Léllis, que também integra a 4ª Câmara que analisa essas questões, são dois dos desembargadores que votaram pela anulação dos júris em 2016 e em 2018. Esses também são os desembargadores que participaram da votação pela inconstitucionalidade do decreto de indulto feito por Bolsonaro.

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O massacre completou 30 anos de impunidade em 2022 e a Ponte lançou um documentário ouvindo as vozes sobreviventes e testemunhas da matança, que pode ser assistido aqui.

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