Justiça decide que SP vai ter que pagar pensão integral para fotojornalista cegado pela PM

Procuradoria Geral do Estado havia entrado com recurso para que valor de pensão vitalícia para Alex Silveira não fosse corrigido pelo salário mínimo; “alívio”, diz defesa da vítima

Protesto ocorrido em maio de 2000 em frente ao Masp em que Alex Silveira foi atingido | Foto: Caio Guatelli | Folha

O Tribunal de Justiça de São Paulo negou, nesta segunda-feira (13/2), o pedido feito pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), que representa o governo estadual, para rever o pagamento de pensão vitalícia ao fotojornalista Alex Silveira, cegado pela PM há 23 anos.

A PGE havia feito duas solicitações à 4ª Câmara de Direito Público: a suspensão do pagamento da pensão ao argumentar que não poderia ser corrigida pelo salário mínimo e sim por outros índices econômicos, como Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e a suspensão da multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos foram negados pelos desembargadores.

Em junho de 2021, os ministros determinaram que o governo paulista indenize Silveira em 100 salários mínimos a título de danos morais e estéticos, pague pensão vitalícia calculada a partir do salário que ele ganhava à época, quando trabalhava no jornal Agora SP, do grupo Folha de S. Paulo, a ser corrigida pela variação do salário mínimo, e arque com os custos médicos que ele teve.

A íntegra do acórdão ainda não foi publicado. Participaram da votação os desembargadores Jayme Martins de Oliveira Neto (relator), Ricardo Santos Feitosa e Osvaldo Magalhães Junior.

Para Virginia Veridiana Barbosa Garcia, advogada do fotógrafo, a decisão dos magistrados foi “um alívio”, já que, em 2014, o tribunal paulista decidiu de forma desfavorável a Silveira, apontando que a responsabilidade pela lesão sofrida era do próprio fotógrafo. O caso teve de chegar ao STF, após 21 anos do episódio, para que fosse reconhecida a responsabilidade do Estado. O fotógrafo entrou com a ação judicial pedindo indenização ao Estado em 2003.

“É um alívio porque poderia vir uma decisão que negasse a vigência ao acórdão [decisão de um conjunto de magistrados] do Supremo”, diz a advogada. “Imagina, nessa altura do campeonato, após quase um ano do trânsito em julgado da decisão [recursos esgotados] se viesse uma decisão dizendo que não havia critérios claros para a pensão e para a correção [monetária], seria um absurdo e um prejuízo enorme para essa questão.”

Alex também entende que o Estado travou uma briga para não pagar o que lhe deve. “A decisão do STF estava clara sobre a correção monetária”, disse à Ponte.

Esse recurso à justiça estadual se deu após a PGE ter sido submetida a uma multa por atrasar o cumprimento da decisão do STF, durante a gestão Rodrigo Garcia (PSDB). Como agora a determinação dos ministros transitou em julgado, ou seja, não pode mais ser contestada, o governo paulista pode levantar questões voltadas apenas aos valores. “Essa é uma discussão inglória, mas se a Procuradoria quiser procrastinar o processo, ela pode”, critica Virginia.

Desde setembro do ano passado, Alex afirma que está recebendo de pensão apenas um terço do valor compatível que recebia quando trabalhava no jornal. “Na época eu ganhava cerca de 12 salários mínimos”, explicou à Ponte. “A gente pediu, mas ninguém nos mostrou em que base de cálculo foi estabelecido este valor.”

Na esfera estadual, a defesa do fotógrafo está solicitando que a pensão mensal deveria ser calculada a partir dos reajustes do salário mínimo dos últimos 23 anos, tempo decorrido desde o episódio, o que ainda está sendo discutido e não teve decisão judicial.

“O Alex está recebendo um valor que foi aleatoriamente eleito pela Fazenda, de R$ 4.600, que incluiu na folha de pagamento, mas esse valor, na nossa visão, não está correto porque é menor do que o valor devido, que é em torno de R$ 14 mil”, explica a advogada. “E só para ele receber esses 4.600 foram cerca de sete meses [desde a decisão do STF]”.

Já sobre a indenização por danos morais, o pagamento deve demorar mais porque a decisão judicial não gera automaticamente o valor na conta. Alex vai ficar na fila dos precatórios, como são chamadas as dívidas que o Estado tem para pagar. “A indenização e o pagamento dos valores atrasados são por precatórios e só Deus sabe quando vai ser pago, é difícil prever” aponta Virginia Barbosa.

Relembre o caso

Em 18 de maio de 2000, Alex tinha 29 anos e cobria uma manifestação de professores na Avenida Paulista quando foi baleado pela PM. O disparo o deixou sem a visão do olho esquerdo, sendo que já tinha problemas na visão do olho direito, contou o fotógrafo em entrevista à Ponte. “Estávamos na manifestação e já estava acontecendo toda a repressão, estava fotografando e o choque e a cavalaria já estavam lá. Em um momento a coisa se acalmou um pouco. Mas logo em seguida, uma bomba foi jogada próximo de mim e estourou, eu me virei de volta para a manifestação, foi quando eu senti que a bala pegou bem no canto do olho e outra nas costas”. 

Na hora do desespero, Alex diz que já se viu caído no chão, momento em que passou um filme de sua vida pela sua cabeça . “Nesse segundo a única coisa que vinha na minha cabeça, era ‘eu não acredito que depois de tanto esforço, correndo atrás do que eu quero, vou acabar cego’. Neste momento, ainda foram jogadas mais duas bombas atrás, eu lembro como se fosse ontem das bombas explodindo atrás de mim. E entre a primeira e a segunda bomba, os manifestantes estavam tentando me levantar, me ajudar”, conta, revoltado. 

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Segundo Alex, a câmera já estava ensanguentada, mas em nenhum momento ele deixou o equipamento quebrar. O instinto profissional foi tanto que o fotógrafo ainda retirou os filmes da câmera e guardou no bolso de sua calça. “Cheguei no hospital com os filmes todos dentro da calça, com medo da polícia chegar e levar”. 

Ele foi levado por manifestantes para o Hospital das Clínicas, próximo da Avenida Paulista, e passou por uma cirurgia imediatamente, ficando cinco dias internado. Depois dessa operação, o fotógrafo passou por mais três, foram oito meses para “reparar parte da visão e voltar ao trabalho em um sistema bem limitado”. 

“Eu tinha uma carreira promissora pela frente. Hoje poderia ser uma pessoa estabelecida financeiramente e profissionalmente, mas isso foi tirado de mim. Nunca mais trabalhei com fotojornalismo depois disso”, desabafou.

O que diz o governo

A assessoria da Procuradoria Geral do Estado disse que “ainda não foi intimada desta decisão” a respeito do acórdão da 4ª Câmara de Direito Público.

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