Primeira edição de honraria da Câmara Municipal de SP homenageou, nesta sexta (22), luta da líder do Movimento de Mães de Vítimas da Chacina de Osasco e Barueri, ocorrida em 2015; munições que mataram Marielle e seu filho vieram do mesmo lote
Radiante e de punho cerrado, Zilda Maria de Paula, de 71 anos, foi aplaudida de pé no plenário da Câmara Municipal de São Paulo, na noite desta sexta-feira (22/3), ao receber o primeiro Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos, que valoriza defensores de direitos humanos, destaca a liderança feminina e o combate ao racismo e a toda a forma de violência e discriminação na cidade.
Dona Zilda, como é conhecida, é mãe de Fernando Luiz de Paula, seu único filho que foi assassinado aos 34 anos numa das maiores chacinas do estado, que teve seu ápice em Osasco e Barueri, na região metropolitana, quando 17 pessoas foram mortas em 13 de agosto de 2015. A vida de empregada doméstica para sustentar o filho que tanto desejou após quatro abortos espontâneos virou uma luta interminável em busca por justiça. Ela passou a buscar e mobilizar outras mães e familiares de vítimas por respostas.
Ainda assim, ela diz que segue aprendendo a se ver como ativista. “Muitas mães ainda vão passar [por isso]. A coisa não para. O que eu procuro é dar força, dar a cara a tapa. Onde me chamar, eu vou”, declarou. “Eu não tenho medo, eu não tenho nada a perder.”
A Mãe de Osasco também disse que ficou surpresa ao ser escolhida para ser homenageada na primeira edição do prêmio. “Conheci [a história da Marielle] depois da morte dela. Mas aí eu fiquei sabendo que a mesma bala que matou os meninos é a que matou ela. E para mim é uma grande honra. Eu preferia ter ela viva, eles vivos”, disse. Ela se refere à munição usada na chacina de 2015 que é do mesmo lote desviado da Polícia Federal que assassinou a vereadora carioca e o motorista Anderson Gomes em 14 de março de 2018.
A proposta da honraria só foi aprovada no ano passado, mas o projeto foi criado ainda em 2018 pela ex-vereadora e atual deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP). A vereadora Luana Alves, do mesmo partido, assinou a co-autoria e buscou a aprovação com outros parlamentares. “Não foi tão tranquilo assim. Eu ouvi de vereadores dessa casa ‘pra quê o nome de Marielle num prêmio da Câmara Municipal de São Paulo?’, ‘mas o que Marielle já fez com a nossa cidade?’, ‘mas Marielle é do Rio de Janeiro, não é de São Paulo’. Tudo isso dito a partir de um suposto argumento técnico, mas que no fundo tem uma razão, que é a razão de tentar apagar, invisibilizar as histórias de violência pelas quais o nosso povo passa. Mas nós não vamos permitir esse apagamento. O propósito desse prêmio, levando o nome de Marielle, significa dizer que a gente continua de pé”, discursou.
“A melhor forma de lutar por justiça para Marielle é lutar por justiça por todos aqueles que são assassinados e oprimidos pela violência de Estado, pela lógica de injustiça, do racismo, do machismo, da LGBTfobia” complementou Sâmia. “E honrá-la é honrar todos aqueles que lutam pelos direitos humanos no Brasil.”
Diversos movimentos sociais e de familiares de vítimas do Estado marcaram presença, como Mães de Maio e Amparar. Entre elas, também estava Ana Paula Oliveira, do Movimento de Mães de Manguinhos, do Rio do Janeiro. Na semana passada, com revolta e indignação, ela viu o PM que matou seu filho Johnatha de Oliveira Lima, aos 19 anos em 2014, ser condenado por homicídio culposo (quando não há intenção de matar).
Ela conta que conheceu dona Zilda por volta de 2016, quando teve contato com outros movimentos de mães de diferentes estados. Para ela, ver uma companheira de luta ser reconhecida ainda em vida foi acolhedor. “Ter a oportunidade de estar aqui hoje e ver a Dona Zilda recebendo essa homenagem é me sentir homenageada também”, disse. “Eu conheci a Marielle. Eu tenho certeza que hoje ela também está muito feliz de ver uma mulher preta, mãe como ela, que luta pelas causas do povo preto, que luta contra as injustiças que acontecem nas favelas e nas periferias. Eu acho que todos nós somos sementes de Marielle. E é um orgulho. É um orgulho pra mim, uma alegria imensa ver a dona Zilda hoje recebendo essa homenagem, que é muito simbólica e com o nome de uma mulher que tanto fez também pela nossa luta, que tanto lutou também pra dar visibilidade ao que acontece nas favelas e periferias”.
O evento também contou com duas menções honrosas: Roberta da Silva, liderança na comunidade do Campo Limpo, zona sul da capital paulista, que atuou na pandemia angariando recursos para famílias em situação de vulnerabilidade e no enfrentamento à violência de gênero; e freira Regina Maria Manoel, atuante na assistência social para pessoas em situação de rua.
O encerramento ficou por conta do bloco afro Ilú Obá De Min, que fez uma apresentação com canções que foram compostas para o desfile do carnaval de rua deste ano cujo tema foi Irúgbìn: Família Franco – Marielle.