Bruno Silva Pereira foi morto anos com tiros de fuzil, em cima de sua cama, no dia 3, durante buscas por PM desaparecido na favela, em São Paulo
B.G.M.(*), 21 anos, inaugurou neste sábado (12/6) sua loja para vender roupas, depois de ter sido muito incentivada pelo namorado a realizar o sonho de ter seu próprio negócio. Neste 12 de junho, eles estariam passando o Dia dos Namorados juntos, como todos os outros dias ao longo dos últimos três anos.
Mas Bruno Silva Pereira, 24, o namorado dela, foi morto em cima da cama, no quarto onde vivia, com um tiro de fuzil disparado por policiais militares na favela do Heliópolis, zona sul da cidade de São Paulo, em 3 de junho. Foi um dos dias de terror na comunidade com a Polícia Militar fazendo buscas pelo soldado Leandro Patrocínio, que acabaria sendo encontrado morto em um terreno da região no dia 5, uma semana depois de ter desaparecido.
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Em vez de ir ao shopping comer com o namorado, o programa que costumavam fazer, a comerciante foi neste sábado (12/6) para frente da igreja católica na entrada da comunidade, em um protesto organizado pela Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio — grupo que articula movimentos e pessoas para denunciar a violência de Estado nas periferias — pedindo por justiça e homenageando Bruno.
Na versão da polícia, Bruno escondia drogas e recebeu a PM a tiros. “Isso é mentira, porque ele até deixava a chave da casa dele para a mãe e o irmão entrar quando quisessem, ele não escondia nada”, contesta a namorada.
Ela explica que Bruno morava sozinho, próximo da mãe e do irmão. Quando os policiais chegaram, teriam entrado no local e ido para a casa do jovem. Os familiares dele foram levados para rua, e os PMs entraram na casa de Bruno. Em seguida, os parentes ouviram cinco disparos.
A comerciante conta, ainda, que a porta da casa do namorado não estava arrombada, o que pode significar que Bruno abriu a para os policiais antes de ser assassinado.
Bruno e ela começaram a namorar em junho de 2018, e viviam um relacionamento intenso. Chegaram a morar juntos por um tempo, mas devido a algumas discussões acharam melhor ficarem em tetos diferentes. Ele morando sozinho, no quintal próximo à casa da mãe dele, ela em um apartamento com a família. Os dois em Heliópolis.
“Mesmo assim, a gente ficava grudado 24 horas por dia. Era o tempo todo. Eu era a única pessoa que sabia tudo da vida dele, porque ele falava para mim. Isso até mostra que se ele tivesse mesmo alguma coisa errada, como a polícia falou, eu saberia”, afirma.
E era ao lado dela que ele mudava até de comportamento, conforme ela relata. “Com as outras pessoas ele era muito fechado, tímido e não gostava de conversar, mas comigo era diferente, ele se abria, brincava, fazia de tudo para me deixar bem”, diz. Ela também lamenta que ele tenha partido sem deixar um filho.
Foi pensando no futuro que Bruno foi o maior incentivador para ela abrir a loja de roupa. “Ele fez eu acreditar em mim, e agora eu vou até o fim”, afirma.
Balões brancos, bandeiras, a foto do jovem dizendo “Bruno presente”, e uma oração marcaram o protesto acontecido hoje, que durou pouco mais de duas horas. Para Raoni Gruber, 35, articulador da Rede, o ato foi importante para ter “uma troca entre comunidades e para trocar informações, sem esperar um governo, para se proteger”.
Quem também esteve presente no ato foi Maria Marques Martins dos Santos, de 40 anos. Ela é mãe do menino Lucas Eduardo Martins dos Santos, encontrado morto em um lago no município de Santo André, no ABC Paulista, em novembro de 2019, após a família afirmar que ele foi abordado e levado por policiais militares.
Desde que perdeu o filho, Maria busca estar presente ao lado de outras pessoas que perdem familiares vítimas da violência policial. Em 21 de março, participou de um protesto em Santo André por Victor dos Santos Lima, morto aos 22 anos pela PM ao tentar impedir os policiais de matarem um amigo de infância. “A gente precisa apoiar um ao outro para que não pareça que é caso isolado e a justiça seja feita para cada uma das mortes cometidas por policiais”, disse.
(*) Atualizaçãoem 14/6, às 16h45 – Após a publicação da reportagem, a namorada de Bruno pediu que seu nome completo fosse tirado do texto, por temer represálias.