Ações coordenadas do PCC contra policiais da Rota geram promessas de vingança

    Senador Major Olimpio reforça tese do MP de que execução de dois PMs da Rota seja retaliação à ação de Guararema com 11 mortos e pede que policiais ‘sentem o dedo nesses malditos’; Cabo Fernando não participou da operação no interior de SP

    Momento em que atiradores matam Cabo Fernando na zona sul de São Paulo | Foto: reprodução

    O assassinato do cabo da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Fernando Flavio Flores, 38 anos, neste sábado (4/5), na zona sul de São Paulo, a segunda execução de um integrante da tropa mais letal da PM paulista em dez dias, gerou pedidos de vingança vindos das redes sociais e até de políticos. O senador Major Olímpio (PSL) divulgou um vídeo em que lamenta o assassinato e pede que os policiais revidem. “Estão caçando os policiais militares, estão caçando os policiais militares. Mas nós não vamos nos intimidar. Meus irmãos, redobrem as cautelas, redobrem a munição e senta o dedo nesses malditos”, diz.

    A Polícia Civil encontrou algumas horas depois do crime um veículo i30 pegando fogo na região de Parelheiros, também na zona sul, e investiga a relação do veículo com o assassinato do Cabo Fernando.

    https://www.facebook.com/olimpio.major/videos/860010734348460/?q=major%20olimpio&epa=SEARCH_BOX

     

    Ícone da Bancada da Bala, o deputado estadual Coronel Telhada (PP), ex-comandante da Rota, poucas horas após o crime postou uma foto de Flores com a legenda: “Luto novamente. A guerra está aí só não enxerga quem não quer. Cb. Fernando, descanse em paz. Não ficará assim”.

     

    Em uma página do Facebook com mais de 150 mil seguidores, chamada “Admiradores da Rota”, muitos comentários falam em guerra e pedem “uma resposta à altura”. “É fato que devido a grande operação da PM de São Paulo a bandidagem vai tentar fazer pressão, mas acredito que de cada 1 policial morto tem que mandar 50 vagabundos pra vala”, escreve um seguidor nos comentário da postagem da página que presta condolência aos familiares do policial morto. Outro, logo abaixo, sugere dobrar o revide: “a cada um policial morto, 100 bandidos na vala”.

    De acordo com o boletim de ocorrência registrado no 101º DP, uma testemunha disse que Cabo Fernando foi ameaçado há cerca de 6 meses por um indivíduo conhecido como “Zé Bedeu”, que tinha passagem pelo CDP 1 Chácara Belém. (Veja vídeo do momento da execução do PM).

    No entanto, a versão do MP é outra. As mortes dos dois PMs da Rota são uma reposta do crime organizado à ação realizada em Guararema, no dia 4 de abril, quando 11 integrantes de uma quadrilha especializada em roubo a banco foram mortos, segundo um promotor que investiga o PCC (Primeiro Comando da Capital). Na ocasião, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adotou um discurso muito semelhante ao dos seguidores da página do Facebook e ao do senador do PSL. “A polícia agiu corretamente e mandou para o cemitério 11 bandidos”, disse em uma entrevista à Rádio Bandeirantes, poucas horas após a operação.

    Não há confirmação oficial se Cabo Fernando estava na equipe que atuou em Guararema, mas a esposa dele, em seu perfil no Facebook, compartilhou uma publicação parabenizando a Rota pela morte das 11 pessoas.

    Cinco dias depois, mesmo sem saber se a ação estava dentro da legalidade, o governador homenageou os policiais que participaram da ação na cidade do interior paulista, a terceira mais letal da PM, da qual participaram agentes da Rota e do COE (Comandos e Operações Especiais). Sobre a morte de Fernando, o governador tucano usou as conta do Twitter para escrever que o policial “foi executado de forma covarde na porta de sua casa. O caso está sendo investigado e os assassinos não ficarão impunes”.

    O clima de revide entre o Estado e o crime organizado está tendo um novo capítulo este ano, conforme mostrou reportagem da Ponte. Desde a semana passada, pelo menos 5 pessoas já morreram: no dia 25/4 Cabo Gonçalves foi executado em Santos, no litoral paulista; no dia seguinte, uma ação da Rota na periferia da cidade deixou 3 mortos; e neste sábado houve a execução do Cabo Fernando. A Ponte questionou a PM sobre a possível relação das execuções dos agentes com a ação de Guararema, que informou que Cabo Fernando não participou da ação do dia 4 de abril. A informação reforça a ideia de que o levante do crime é contra policiais da Rota de uma forma geral.

    Em artigo escrito para a Revista Época, Guaracy Mingardi, ex-investigador da Polícia Civil de São Paulo e especialista em Segurança Pública, já previa esse cenário que agora está acontecendo. Ele analisou que que policiais se infiltraram na quadrilha que atacou os bancos em Guararema e emboscaram o suspeitos, versão que confronta a oficial. “Segundo fontes da área de segurança, além das escutas, haveria um ou mais informantes infiltrados na gangue. Foram eles que teriam avisado sobre o crime — bem como qual seria a rota de fuga. Sabendo disso, a Polícia Militar armou uma emboscada; assustou os criminosos logo após as explosões e os direcionou para a armadilha”, diz um trecho do texto.

    E na conclusão, um alerta: “Em algumas vezes, casos com muitas mortes e grande repercussão provocam reações do mundo do crime. Por isso, mais importante do que nunca, os órgãos de informações devem ficar alertas pelos próximos dias para evitar qualquer surpresa”, escreve Mingardi.

    Pelo menos três grandes chacinas em São Paulo aconteceram após o assassinato de policiais. Uma delas está completando 13 anos neste mês de maio. Os “Crimes de Maio de 2006” foram resultado de uma ofensiva do Estado aos ataques coordenados pelo PCC nas ruas e deixou 564 vítimas entre civis e agentes da segurança pública. No mês passado, o MP entrou com pedido de indenização às vítimas. Há pessoas desaparecidas até hoje. Os ataques do PCC ocorridos na época tiveram relação com o descontentamento de lideranças da facção por causa de transferências dentro do sistema prisional. Em fevereiro deste ano, integrante da cúpula do PCC foram para presídios federais e, como mostrou reportagem da Ponte, a movimentação gerou descontentamento dentro das prisões e nas ruas.

    Em janeiro de 2013, no Jardim Rosana, periferia da zona sul de São Paulo, sete homens foram mortos. Policiais militares foram acusados de serem os executores e, segundo o ex-delegado Mauricio Blazeck (1963-2015), que cuidou do caso, a motivação seriam os ataques da facção criminosa contra as forças de segurança no ano anterior. Em agosto de 2015, a maior chacina da história de São Paulo aconteceu em Osasco e Barueri, na Grande São Paulo. Um dos motivos seria o assassinato do Cabo Pereira alguns dias antes da série de assassinatos ocorrida entre 8 e 13 de agosto. No mesmo ano, alguns meses antes, em abril, a chacina na sede da torcida organizada do Corinthians Pavilhão 9 e um ex-policial militar responder pelos crimes até hoje. Outro PM, esse da ativa, chegou a ser acusado, mas foi impronunciado por falta de provas.

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