Jovem negro foi morto após ser colocado em viatura; policiais tinham sido indiciados por “cárcere privado com resultado morte”
Após ter concluído que PMs mataram o vendedor ambulante David Nascimento dos Santos, 23 anos, mas não cometeram homicídio, a Corregedoria da Polícia Militar mudou de ideia depois do laudo necroscópico que comprovou que o jovem morto pelos disparos da Polícia Militar.
O órgão havia indiciado os policiais por “cárcere privado com resultado morte”, mas não por homicídio. Na ocasião, a pedido da Ponte, o advogado criminalista Roberto Tardelli analisou o documento e classificou o indiciamento como “absurdo”. “Ele leva tiros, é colocado na viatura e morre. Isso é homicídio clássico. Passaram um pano sujo de sangue. Isso é absurdo”, criticou.
Na noite de 24 de abril, David saiu de casa para baixar um filme na internet de um amigo e esperar um lanche que pediu no iFood na entrada da viela onde morava, na Favela do Areião, na região do Jaguaré, zona oeste da cidade de São Paulo.
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Enquanto aguardava, policiais militares do 5° Baep (Batalhão de Operações Especiais) se aproximaram, realizaram uma rápida abordagem e o colocaram no banco de trás da viatura. Horas depois, o corpo de David foi encontrado na Favela da Fazendinha, em Osasco, na Grande SP. David tinha sinais de tortura.
Um vídeo divulgado pela Ponte mostrou o exato momento em que o jovem foi abordado pelos PMs e colocado no banco de trás da viatura. Em 3 de maio, a Justiça Militar determinou a prisão de 8 PMs envolvidos na ação.
De acordo com Raphael Blaselbauer, advogado da família, no primeiro indiciamento, a Corregedoria entendeu que sequestraram David no momento da abordagem e que ele teria falecido em decorrência da violência das torturas causadas pelos policiais. Ou seja, os disparos por arma de fogo teriam sido usados apenas para acobertar as torturas e maus tratos que o levaram a óbito.
Com a chegada do laudo necroscópico, porém, a causa da morte de David foi apontada como disparo por arma de fogo. “A Corregedoria, então, decidiu tirar o indiciamento pelo sequestro com resultado morte e modificar para homicídio, porque não teria mais sentido. Em decorrência da fraude processual, de eles terem pegado o David, levado para outro local, dele só ter morrido em decorrência dos disparos, a Corregedoria entendeu pelo indiciamento pelo homicídio”, detalha Blaselbauer.
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Para efeitos de pena, continua o advogado, os crimes de cárcere privado com resultado morte e o de homicídio doloso possuem as mesmas penas: de 12 a 30 anos. “Contudo, a partir do momento em que se aponta para a prática do crime de homicídio, a competência para se julgar o crime deve, necessariamente, ser deslocada para a Justiça comum e os PMs poderão ser levados à júri popular”, explica.
Segundo investigação da Corregedoria da PM, duas equipes do Baep fizeram parte da ação. Os policias da primeira equipe (Baep E-05207), composta pelo 1º sargento Carlos Antonio Rodrigues do Carmo, cabo Lucas dos Santos Espíndola e soldado Vagner da Silva Borges, responderão por homicídio doloso e organização de grupo para prática de violência.
O sargento Carmo também responderá por falsidade ideológica por terem apresentado à Polícia Civil que a abordagem filmada não foi a de David. No dia 20 de mario, o cabo Mauricio Sampaio da Silva, que faria parte da mesma equipe, foi solto a pedido da Corregedoria por não ter envolvimento com a ação.
Já os PMs da segunda equipe (Baep E-05303), composta pelo 2º sargento Carlos Alberto dos Santos Lins, cabo Cristiano Gonçalves Machado, soldado Antonio Carlos Rodrigues de Brito e soldado Cleber Firmino de Almeida, responderão por homicídio doloso, fraude processual, organização de grupo para prática de violência e cárcere privado.
Assim como o sargento Carmo, o sargento Lins também responderá por falsidade ideológica. Os sete PMs estão detidos no Presídio Militar Romão Gomes, zona norte da capital paulista.
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Agora, além da investigação na Polícia Civil, que, segundo os defensores da família de David ainda não ouviu os policiais e, portanto, ainda não foi concluída, a investigação na Corregedoria continua. “Eles vão apurar administrativamente os PMs, o que, pela gravidade dos fatos, significa que os policiais poderão ser expulsos da corporação”, afirma o advogado Stefano Fabbro, que também integra a defesa da família.
Outro lado
A reportagem questionou a Secretaria da Segurança Pública, por meio de sua assessoria terceirizada InPress, sobre a investigação no DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa). Também reforçamos o pedido de entrevista com os sete PMs citados no texto à SSP e à assessoria da Polícia Militar de São Paulo.
Sobre o pedido de entrevista, a pasta informa que responderá por nota. “A investigação do caso citado segue em sigilo pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), de acordo com o Artigo 20 do Código de Processo Penal. A PM também apura o caso por meio de IPM. Sete policiais estão detidos no Presídio Romão Gomes. O oitavo envolvido foi solto por determinação judicial e está afastado do serviço operacional”, diz a nota.