Músico é segundo funkeiro da Penha, Rio de Janeiro, acusado de ligação com o tráfico de drogas pela polícia e Ministério Público; antes, DJ Rennan da Penha fora criminalizado
Uma arma de brinquedo e declarações de policiais foram as provas suficientes para colocar na prisão Moisés Herculano da Silva Rocha, o DJ Mozai, por associação ao tráfico. Sem condenação, ele permaneceu 9 meses preso preventivamente.
A prisão tem como base uma investigação de três anos (de 2017 a 2019) da Polícia Civil do Rio de Janeiro, focada em uma organização criminosa no Parque Proletário, no Complexo da Penha. O trabalho teve como base trabalho em campo e pesquisas em redes sociais.
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Ao longo do relatório final, os policiais sustentam ter identificado a ação de 28 integrantes da facção criminosa Comando Vermelho. Suas funções se dividiam em comandantes do tráfico local, com gerenciamento e comércio das drogas, e proteção do ponto em que a boca de fumo estaria localizada.
Mozai, cujo apelido é apontado no relatório como simplesmente “Moisés”, seu primeiro nome, estaria neste segundo grupo. A única prova apontada pelos policiais militares P2 (que atuam sem fardas, à paisana), da área de investigação da PM, para ligá-lo ao crime de associação para o tráfico é uma foto dele segurando uma arma.
O outro elemento que pesa contra o DJ é o próprio depoimento dos agentes responsáveis pela investigação. “As declarações dos PMs que figuram como testemunha neste inquérito policial são detalhistas e coerentes com os demais elementos reunidos durante a investigação”, define o delegado Fabrício Oliveira Pereira, responsável pela apuração.
Pereira é taxativo ao dizer que a investigação traz “inúmeros elementos que apontam no sentido de os indiciados serem integrantes de uma facção do tráfico de drogas”. No entanto, a investigação elenca somente a arma fotografada com Mozai como prova desta ligação.
A Ponte conversou com o DJ carioca, libertado no dia 13 de maio de 2020, depois de passar 262 dias no Complexo Penitenciário de Bangu. Segundo ele, os policiais nunca o ouviram ao longo do processo. Seu primeiro contato com a investigação, afirma, foi a sua prisão em 25 de agosto de 2019.
Mozai assegura não ter nenhuma ligação com o tráfico de drogas. Inclusive, usa uma outra foto para se defender da afirmação dos policiais. A imagem em que ele aparece no processo, acusado do crime de associação ao tráfico, está desfocada e não mostra a ponta do fuzil, que ele assegura ser de brinquedo.
Na nova imagem, enviada pelo funkeiro à Ponte, ele aparece com a mesma arma de “grosso calibre”, segundo os policiais, que o ligaria ao Comando Vermelho. Um adesivo na parte de apoio da arma indica se tratar do mesmo modelo. Contudo, a arma possui uma ponta laranja no bico, o que indica ser um brinquedo de airsoft, que não dispara munições letais.
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“Você pode reparar as fotos, é o mesmo fuzil. M16 de airsoft. Pela ponta laranja você identifica. E um perito saberá que esse fuzil não é real”, defende-se o músico. Uma das fotos, a incluída na sua acusação, foi tirada em sua casa, enquanto a enviada à reportagem fora feita em um campo de airsoft.
Ao longo de quase 9 meses, Mozai permaneceu preso na unidade de Bangu 3, para onde são enviados os líderes do Comando Vermelho no RJ. O músico conta que não sabia o motivo da prisão até o advogado Ednardo Mota, que o representa, detalhar as acusações. Isso já dentro de Bangu.
“Por meio dele fiquei sabendo que estava sendo acusado de gerenciar o trafico de drogas no Complexo da Penha”, relembra. Diz que na primeira audiência do caso, em 29 de novembro, policiais militares o acusaram de trocar tiros em ações da PM e de “abastecer 17 bocas de fumo”. “Sem eu nunca ter dado um tiro na vida. Me acusou de vender drogas no Baile da Gaiola”, defende-se.
Mota considera a prisão de Mozai como fora da legalidade. Para ele, apenas a fotografia apresentada pela investigação não seria suficiente para garantir a prisão preventiva.
“A prisão do Moisés ocorreu em um contexto maior e mais antigo de repressão e criminalização do funk e de artistas populares”, diz o advogado. Segundo ele, as somas de “expressões jurídicas genéricas” e “garantia da ordem” pesada para o juiz Rubens Roberto Rebello Casara decretar a prisão preventiva.
O defensor denuncia que não houve um erro policial durante a investigação, mas, sim, “má-fé das agências do sistema” ao modificarem fotos retiradas do Facebook do DJ para que não fosse possível identificar a arma como sendo um item de brinquedo e não de “grosso calibre”.
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“Sua imagem sob custódia e algemado foi repassada a certos veículos de mídia que estamparam seu rosto em diversas manchetes, atribuindo-lhe o factoide de criminoso perigoso, o que não foi retratado por nenhum deles até hoje”, ataca Ednardo.
A Ponte apresentou os elementos da prisão do DJ Mozai ao advogado criminalista Flavio Roberto de Campos, integrante da EducAfro Brasil. Para ele, a prisão preventiva é descabida neste caso.
O especialista considera o caso vivido por Mozai como similar ao do DJ Rennan da Penha, também preso com alegação da polícia de estar associado ao Tráfico de drogas no Complexo da Penha. Diferentemente de Mozai, Rennan já foi condenado na Justiça, mas aguarda em liberdade até o fim dos recursos do processo.
“Podemos extrair daí a mesma história que prendeu o Rennan da Penha, o mesmo modus operandi [da polícia]. Que inteligência é essa? A prova é o depoimento de PMs, o que viram, deixaram de ver”, questiona.
Segundo Campos, a fotografia e a declaração dos policiais não deveriam gerar a prisão preventiva. O criminalista ainda afirma ter sido um equívoco e falta de garantia de defesa ao músico e questiona o fato de não haver mais elementos probatórios.
“Esse tempo todo e não conseguiram uma planilha, uma folha de caderno. Não tem nada que vire dinheiro que não tenha contabilidade”, diz, sobre uma possível contabilidade do crime, caso de fato houvesse a venda de drogas pelas pessoas denunciadas.
Flavio aponta que era preciso um detalhamento da ação de cada um dos 28 suspeitos de integrarem o Comando Vermelho, o que não aparece nem na investigação da PM, nem da denúncia feita pelo Ministério Público.
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Com base na investigação, o MP denunciou Mozai e os demais 27 suspeitos pelos crimes de tráfico de drogas e associação ao tráfico. “Durante a investigação, restou apurado que os denunciados exercem as funções nas comunidades dominadas pela facção Comando Vermelho”, define o promotor de Justiça Márcio José Nobre de Almeida.
Para ele, está claro que Mozai, cujo apelido no documento é apontado como “Moisés”, cumpria a função de proteger o comércio das drogas junto de outros 22 suspeitos. Os outros quatro chefiavam o tráfico na região, segundo a denúncia.
“Temos que ver que tem uma questão politica por de trás da forma de tratar o direito. Uma coisa é lei, outra é a vontade do juiz diante das questões culturais e sociais”, explica Flavio Campos, sobre a facilidade com que a versão de policiais é encarada como verídica pelo sistema judiciário.
Ao considerar o policial um servidor público com fé pública, de que não teria motivos para prejudicar uma pessoa, os magistrados deixam de lado questões básicas de direito.
“Agindo assim, [o juiz] acaba relativizando alguns direitos, como presunção de inocência, o contraditório”, afirma, antes de debater a prisão de Mozai. “A prisão preventiva entra em cena como jargão autoritário, baseado em uma pretensa segurança pública que nunca ocorre”, diz.
A Ponte questionou a Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre a investigação que culminou na prisão de Mozai, o Tribunal de Justiça para explicar o motivo da prisão preventiva do funkeiro, bem como o Ministério Público para detalhar a denúncia feita à Justiça. A reportagem aguarda respostas oficiais.
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