Júri de PM que matou menino de 14 anos é adiado porque policial testemunha trabalhava em fórum como segurança

O TJSP identificou que Adilson Senna de Oliveira, colega de Alécio de Souza, atuava na segurança de sessões plenárias e remarcou para julho julgamento que aconteceria nesta terça-feira (29); cabo Alécio é acusado de matar Luan Gabriel em 2017

Maria Medina mostra foto do filho Luan Gabriel, 14 anos, em 2019 | Foto: Pedro Ribeiro Nogueira / Ponte Jornalismo

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) adiou para 26 de julho o julgamento que aconteceria nesta terça-feira (29/3) contra o cabo Alécio José de Souza, acusado pela morte do estudante Luan Gabriel Nogueira de Souza, 14 anos, que foi baleado com um tiro na nuca quando saiu de casa com um amigo para comprar um pacote de bolachas no bairro Parque João Ramalho, na periferia de Santo André (Grande São Paulo), em 5 de novembro de 2017.

Uma escrevente do tribunal identificou, na sexta-feira (25/3), que o cabo Adilson Antonio Senna de Oliveira, que formava dupla com Alécio no dia do crime e é testemunha no processo, “exerce suas atividades no Fórum de Santo André, desde o mês de novembro de 2021, participando, inclusive, da segurança nas sessões plenárias [julgamentos]”.

Com isso, a promotora Manuela Schreiber Silva e Sousa solicitou, na segunda-feira (28/3), que o júri fosse remarcado “em decorrência do contato havido com os jurados a serviço durante o período para o qual foi pautada a sessão”, “imediata suspensão de referido policial de quaisquer atividades em ambiente forense” e que o comando da corporação informe sua atual lotação e atividade. A juíza Milena Dias acatou o pedido no mesmo dia.

À Ponte, a assessoria do Ministério Público Estadual explicou que o PM enquanto estava lotado no Fórum de Santo André “pode ter mantido contado com outras testemunhas” e por isso requereu a suspensão e o adiamento. Na época da morte de Luan, testemunhas denunciaram à reportagem que foram ameaçadas por Adilson e levaram o caso à corregedoria da corporação.

A reportagem questionou as assessorias da PM e da Secretaria da Segurança Pública sobre a lotação de Adilson, mas não houve retorno. Já o TJSP disse que “a escala do policiamento [no Fórum] é feita pelo batalhão da região”. Caso se manifestem, a reportagem será atualizada.

Com a voz embargada, a mãe de Luan, Maria Medina Costa Ribeiro, 47, lamentou o adiamento. “Não acredito que vou ter que continuar com essa angústia até julho”, disse quando soube pela Ponte sobre a decisão.

Entenda o caso

O cabo Alécio José de Souza foi denunciado por homicídio qualificado por recurso que dificultou a defesa da vítima, em 2018, e pronunciado ao Tribunal do Júri no ano seguinte. Porém, como a defesa do acusado tentou recorrer o máximo que pode para que ele não fosse julgado por um Conselho de Sentença (conjunto de sete pessoas da sociedade civil que formam um júri popular), o julgamento só foi agendado para 2022, quando a sentença de pronúncia transitou em julgado no ano passado, ou seja, não tinha mais possibilidade de que o júri não acontecesse.

Na denúncia, o Ministério Público entendeu que Alécio “assumiu o risco da produção do resultado morte, ao atirar sem ter alvo definido, contra um grupo de pessoas, sem aguardar a chegada do reforço policial para realizar a abordagem” e que, por ter sido um tiro na nuca, pelas costas, não houve a possibilidade de o adolescente se defender. O entendimento foi diferente do relatório da Polícia Civil na época, no qual o delegado Georges Amauri Lopes, do 2º DP, indiciou o PM por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) por entender que Alécio acertou “por erro” o estudante durante abordagem em suposto confronto, quando ele e o cabo Adilson Antônio Senna de Oliveira foram atender um chamado sobre uma moto furtada que estaria sendo desmontada por um grupo de jovens na Rua Paraúna.

Os policiais declararam que haviam sido acionados para verificar suspeitos do furto de uma moto ocorrido no pátio de apreensão de veículos da Prefeitura de Santo André, na Avenida Dr. Jorge Marcos de Oliveira, naquele mesmo dia. Segundo a dupla, ao entrarem na viela da Rua Paraúna, além de Luan e o amigo também adolescente, outros “suspeitos” estariam no local desmontando o veículo furtado e, ao serem notados, teriam fugido correndo. Os policiais não especificaram quantos eram. Na fuga, os PMs alegam que um deles, descrito como de cor parda, 1,70 m de altura, magro, aparentando 20 anos e de bermuda, empunhava um revólver calibre 38 e disparou. Alécio alegou que revidou com três tiros e esse suspeito nunca foi encontrado.

Ação dos cabos Alécio José de Souza e Adilson Antônio Senna de Oliveira terminou com a morte de Luan Gabriel Nogueira de Souza, em 2017 | Foto: arquivo pessoal

Luan Gabriel caiu atingido por um tiro na nuca e não resistiu. Nenhuma arma foi encontrada. Familiares e testemunhas disseram que o menino saiu de casa para comprar bolacha em um mercadinho com um amigo antes do almoço e pararam na viela para conversar com outros que haviam encontrado no caminho. Além disso, uma testemunha ouvida pela Ponte relatou na ocasião que os policiais ainda teriam mexido no corpo do menino, já que ele teria caído de barriga para baixo quando tentou correr dos tiros. Já os policiais disseram que só tocaram no corpo para averiguar a presença de arma, que não foi encontrada. No local, o corpo de Luan estava de barriga para cima, como se tivesse de frente para os PMs, conforme laudos da Polícia Científica. A perícia também comprovou que o tiro que acertou o menino partiu do cabo Alécio.

Uma dessas testemunhas, aliás, que faria parte do julgamento não pode mais dar sua versão. Rodrigo Nascimento de Santana, 16, foi morto por um policial militar à paisana na região um ano depois da morte de Luan. Ele e outro adolescente teriam roubado uma moto no cruzamento da Avenida Sorocaba quando foram baleados pelo soldado Antonio Noronha Barboza durante a fuga, que alegou ter sido ameaçado pela dupla. O caso acabou arquivado pela Polícia Civil. Rodrigo chegou a denunciar em 2017 ameaças por policiais. O jovem relatou ter presenciado tanto os disparos feitos por Alécio quanto a ameaça ao outro rapaz. Segundo ele, após balear Luan, o PM disse “derrubei mais um” e gritado para que “alguém chamasse o Samu”. Depois, afirma que viu o amigo ser “pego pelo colarinho” pelo cabo Adilson Antônio.

Alécio permaneceu dois meses e cinco dias preso preventivamente, entre 14 de agosto de 2018 e 19 de outubro, quando lhe foi concedido um habeas corpus e passou a responder o crime em liberdade. Também foi transferido de batalhão, deixando Santo André para atuar em Campinas, no interior paulista.

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Além da Polícia Civil, os cabos também foram investigados pela própria PM. Segundo o relatório, obtido pela Ponte, a dupla não atendeu os Procedimentos Operacionais Padrão de atendimento da ocorrência de abordagem a pé. Por ser um grupo de seis pessoas a ser abordado, o texto aponta que os policiais deveriam ter aguardado reforço antes de agir por estarem em inferioridade númerica. O Conselho de Disciplina da PM entendeu que Alécio praticou transgressão disciplinar, mas “há perfeitas condições do acusado permanecer na Corporação, restando a todos convicção de ser moralmente capacitado a permanecer nas fileiras da Instituição, não incorrendo em nenhum dos casos de reforma administrativa disciplinar, demissão ou expulsão”. O colegiado propôs a aplicação de sanção não exclusória, que é quando se entende que não cabe a perda da patente, podendo ser uma repreensão ou advertência.

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