Na quarentena, PM paulista é responsável por três em cada dez mortes em SP

    De março a maio de 2020, a Polícia Militar foi responsável por 262 mortes, 17% a mais do que no mesmo período do ano passado

    Guilherme Guedes, morto em junho, David Nascimento, em maio, e Igor, em abril | Foto: Arquivo Ponte

    Durante a quarentena, de março a maio de 2020, três em cada dez mortes no estado de São Paulo foram praticadas pela Polícia Militar. No período, a PM paulista matou 262 pessoas, nos registros definidos como “morte em decorrência de intervenção policial”, enquanto os homicídios dolosos comuns fizeram 774 vítimas.

    Em 2019, primeiro ano do mandato do governador João Doria (PSDB), de março a maio, foram registrados 698 homicídios e 223 mortes praticadas pela PM. O aumento de 2019 para 2020 é de 17%. Os dados são da Corregedoria da Polícia Militar de SP, por meio do Diário Oficial do Estado de São Paulo, e foram divulgados na terça-feira (30/6).

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    Dos 262 casos registrados em 2020, no período em que o isolamento social já estava valendo, 234 foram realizados por policiais militares durante o serviço e 28 durante a folga. Em 2019, foram 187 mortes durante o serviço e 36 durante a folga. Em março, mês que marcou o início da quarentena, a PM paulista matou 75 pessoas. Em abril, quando o isolamento social foi completo, 116 pessoas foram assassinadas e, em maio, 71.

    O ano de 2020 é o que tem maior índice de letalidade policial desde 2016, mas a PM tem matado menos durante as folgas. De lá para cá, foram 855 pessoas mortas pela PM em serviço e 235 durante a folga. No contexto da pandemia (março a maio), houve redução de 22% no número de assassinatos cometidos por PMs fora do serviço.

    No período, reportagens da Ponte mostraram esse cenário: o assassinato de Guilherme Guedes, 15 anos, cujo principal suspeito é o PM Adriano Fernandes, que estava de folga; a morte de David Nascimento, 23, enquanto esperava um lanche perto de casa em uma favela da zona oeste da capital paulista e foi abordado por policiais do Baep (Batalhão de Operações Especiais); e Igor Rocha, 16, morto com um tiro na nuca durante uma abordagem na zona sul de São Paulo.

    Para David Marques, coordenador de projetos do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), o “crescimento acentuado” de mortes causadas pela PM paulista durante a pandemia pode ter relação com o baixo controle externo da corporação.

    “Com menos gente na rua, tivemos uma diminuição do que se pode chamar de vigilância social sobre a atuação da polícia”, explica. “Essa redução do controle social do trabalho da polícia pode estar contribuindo com essa atuação mais letal das polícias”, pondera.

    Marques também aponta para duas possíveis causas: os discursos de Doria durante a campanha eleitoral, clamando por uma “atuação mais dura” da PM paulista, e mesmo depois que já estava no cargo, ao dizer que “lugar de bandido é no cemitério”; e a postura do ouvidor das polícias de SP, Elizeu Soares Lopes.

    “Sempre que você tem discursos de lideranças políticas, sejam de secretários de segurança ou governadores, que incentivam ainda que simbolicamente esse tipo de comportamento isso acaba refletindo na prática”, argumenta.

    Leia também: Com Doria, mortes pela PM batem recorde histórico em SP

    “A gente tinha uma Ouvidoria bem mais ativa no mandato anterior, que fazia um acompanhamento mais propositivo de discussão da atuação policial no geral. O papel da Ouvidoria precisa ser revigorado, precisa ter essa atuação mais propositiva dentro do contexto. E também como o Ministério Público se comporta como controle externo”, aponta Marques.

    O ouvidor das polícias foi procurado pela reportagem para comentar os dados da letalidade policial, mas, até o momento de publicação, não se posicionou.

    Sobre a diminuição de 22% nas mortes praticadas por PMs durante as folgas, Marques aponta que é difícil explicar o motivo. “Não me parece que a gente tenha tido uma mudança grande nos salários que possa justificar uma menor dedicação ao bico, por exemplo”.

    A socióloga Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, explicou à Ponte, em agosto de 2019, que “o fato de a polícia estar matando mais nos seus horários de trabalho pode indicar que se sente respaldada pelo governo a usar a violência de um jeito mais oficial”.

    Outro lado

    Questionadas pela reportagem, a Secretaria da Segurança Pública e a Polícia Militar disseram, em nota conjunta, que “as polícias paulistas atuam para combater a criminalidade e proteger a população, levando à Justiça aqueles que infringem a lei”. A nota também destacou que desvios de conduta não são toleráveis e que, nos primeiros cinco meses deste ano, a cada dois dias, um policial foi expulso ou demitido da corporação. Não foram explicados os principais motivos.

    “O compromisso das forças de segurança é com a vida, razão pela qual medidas para a redução de mortes são permanentemente estudadas e implementadas. Por determinação da SSP, todos os casos de MDIP [morte decorrentes de intervenção policial] são imediatamente investigados pela Polícia Civil e pela PM, além de comunicados ao Ministério Público”, continuou a nota.

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    “As instituições também analisam todas as ocorrências para verificar a conduta dos policiais e avaliar a adoção de alternativas de intervenção para evitar o mesmo resultado em episódios futuros. Nos primeiros cinco meses deste ano, 70 policiais foram demitidos ou expulsos”, frisa.

    A PM também informou que na quarta-feira teve início um programa de treinamento envolvendo todos os níveis hierárquicos, visando a reforçar os conhecimentos e técnicas da instituição. “O governo do estado também iniciou a instalação de câmeras corporais nos uniformes dos agentes de segurança para dar mais transparência às ações da polícia”, finalizaram.

    Análise de dados: Maria Elisa Muntaner
    Infografia: Antonio Junião

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