Entidades questionaram postura de Elizeu Soares Lopes quanto a operação na Favela do Moinho: ‘podemos ver a falta de compromisso’
Um grupo de policiais é acusado de agredir e ameaçar de forma recorrente na Favela do Moinho, no centro da cidade de São Paulo. Em meio a protesto dos moradores, uma operação da polícia reprimiu o povo. Enquanto isso, o ouvidor da Polícia não vai ao local acompanhar a ação.
A Ponte acompanhou a entrada dos PMs no Moinho. Ao mesmo tempo, questionou a Ouvidoria quais ações seriam tomadas. O seguinte diálogo foi tratado por telefone com Elizeu Soares Lopes:
Ponte — Ouvidor, está sabendo da situação na Moinho?
Elizeu Soares Lopes — Já encerrou [a ação policial]. Estou acompanhando, fiz diligências a pedido da comunidade e a pedido de várias autoridades que atuam nos direitos humanos.
Ponte — Está no 77 DP?
Elizeu Soares Lopes — Não… Eu não entendi a sua pergunta.
Ponte — O senhor vai ao 77 DP?
Elizeu Soares Lopes — Não, eu não vou. As providencias que me solicitaram e que nós teríamos que fazem eu já fiz.
Ponte — Quais seriam as providências?
Elizeu Soares Lopes — As providências aqui de ouvir a comunidade, saber quais são os problemas que ocorreram. Eles vão relatar aqui, vão trazer aqui. Um deputado da bancada ativista está organizando para a gente, em seguida, ver os procedimentos. Se houve algum tipo de violação de direitos humanos. Vamos aguardar a comunidade aqui para conversar, pegar o relato deles. Estão organizando e a gente vai…
Ponte — Ida até lá, não?
Elizeu Soares Lopes — Não. Não entendi porque teria que ir até lá.
Segundo apurado pela reportagem, nenhuma pessoa da favela foi ouvida nesta quarta-feira (29/4) sobre a ação policial ocorria na comunidade e as denúncias de perseguição de um grupo específico de PMs.
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Para o advogado Damazio Gomes, integrante da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, a ausência do ouvidor é prejudicial. “O povo com certeza iria se sentir mais seguro”, argumenta.
“Porém, legalmente não existe nenhum regimento ou norma que obrigue o ouvidor de ir in loco. Infelizmente com essa postura podemos ver a falta de compromisso com a sociedade civil”, critica o ativista.
O mesmo entendimento tem Ariel de Castro Alves, advogado que integra o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana). Para ele, o ouvidor deveria ter ido ao local e, se não pudesse, ter mandado algum assessor.
Cita que a ida renderia contato com líder comunitários e familiares de vítimas de abuso. “Se os policiais que cometem violações percebem que a Ouvidoria não atua mais nesses casos, ou atua apenas de forma tímida e burocrática, eles se sentem mais encorajados para cometerem abusos”, prossegue.
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A reportagem apurou que integrantes de outros coletivos pressionaram para que Elizeu acompanhasse a ação policial na Favela do Moinho. As falas surgiram em grupos do WhatsApp. Elizeu não respondeu, segundo informado por integrantes do grupo.
Atuação como ouvidor
A Ponte conversou com três ex-ouvidores de São Paulo para entender o que pode ser feito por quem ocupa este cargo em meio a uma ação policial como a ocorrida na Favela do Moinho. Um criticara a postura de Elizeu, enquanto dois aprovaram a ausência.
Júlio César Fernandes Neves ocupou o posto entre dezembro de 2013 e janeiro de 2018. Segundo ele, sua atuação se baseava em ir aos locais para ver ao vivo o que estava acontecendo em ações policiais. Ele cita um caso justamente na Moinho.
“Teve um acontecimento na Favela do Moinho que eu estive, quando houve uma morte. Você pessoalmente verifica, indo lá, in loco, você mesmo, não precisa requerer tantos procedimentos para chegar à verdade”, sustenta. “Você pega testemunha, conversa com familiares da vítima, com quem estava lá… Enfim, vi o que realmente aconteceu”, continua.
A Ponte cobriu este caso em 27 de junho de 2017, quando dois policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa mais letal da PM paulista) participaram da tortura e execução de Leandro de Souza Santos, de 18 anos, segundo testemunhas.
“A presença é fundamental para deixar claro a lisura ou a arbitrariedade dos agentes que foram lá, para ter transparência. O ouvidor não está só para ouvir, tem que tirar [o corpo] da cadeira e ir ver o que é aquilo”, argumenta Julio, dizendo que a ida tira dúvidas em caso de denúncias falsas. “Mas não lembro de ter denúncia falsa que fui ao local, de agressões, não tinha [falsa denúncia]”.
A posição difere de Benedito Mariano, primeiro ouvidor da Polícia de SP, que esteve durante sete anos no cargo (de 1995 a 2000 e em 2018 e 2019). Para o antecessor direto de Elizeu, não necessariamente o ouvidor deve estar nos locais das ocorrências.
“Eu não ia. Estabeleci desde o primeiro dia”, disse. “O que dizia era o seguinte: todos os casos graves, assumo, peço laudo, torno público relatórios que comprovadamente contradiz policia, propor instaurar inquérito, afastamento de policiais, entretanto, quando ouvidor vai na ocorrência, ele vira parte. Minha opinião”, argumentou.
Mariano lembra que foi em apenas duas ocorrências provenientes de denúncias, ambas que geraram diligências: uma no Deic, em que ficou comprovada a tortura durante a madrugada em presos, em 1997, e uma de espancamento de presas em cadeia na região de Ribeirão Preto.
“Não é que não vai em situação nenhuma. Recebia 5 mil por ano, em média, das quais 70% era abuso policial. Não tenho condições logísticas de ir em todas. Se vou em 2 ou 3, vão perguntar ‘Ah, porque não foi em todas?'”, justificou. “Ouvidor não é advogado do caso. Cotidianamente, não acho que é a melhor forma de atuação”.
No entanto, Mariano questiona a forma geral de atuação do novo ouvidor. “O ouvidor, ele me parece mais um porta-voz da PM do que chefe de órgão de controle. Acho que ele tem pouco perfil. A escolha desse ouvidor tinha objetivo esvaziar a Ouvidoria”, analisa.
Para Antonio Funari Filho, ouvidor de 2006 a 2010, Elizeu tomou a atitude correta. “O mais importante é tomar providências”, define. “Fui durante 4 anos e a experiência mostra que não se tem pernas nem estrutura para estar em todo lugar. Tendo conhecimento, o ouvidor tem que tomar providências no sentido de procurar o que aconteceu e estar aberto para as pessoas poderem fazer as denúncias”, explica.
Antonio diz que o importante é denunciar violações cometidas por policiais e deixar que ocorram injustiças. “Isso é a pior coisa que tem. Um bandido policial é o pior dos bandidos, está armado com o Estado e deveria defender a população”, sentencia.
Para ele, é preciso que exista diálogo, o que não tem havido, em sua opinião. “Tem que retomar o contato da Ouvidoria, representantes da PM, Polícia Civil, sociólogos. Uma comissão que existia. Essa comissão se reuniria para levantar a letalidade policial e questionar”, pondera.