Operação de buscas do Baep no bairro Rádio Clube, na sexta (15/1), terminou com um preso e um morto; para PM da reserva Adilson Souza, imagens não deixam dúvidas de que “o jovem foi executado” e que os policiais “deixaram o corpo na água”
Após o desaparecimento do soldado Bruno de Oliveira Gibertoni, 30 anos, no litoral sul do estado de São Paulo, o Baep (Batalhão de Operações Especiais), da Polícia Militar, realizou uma operação em uma favela no bairro Rádio Clube, em Santos, na tarde desta sexta-feira (15/1), que teria terminado com um jovem preso e outro morto.
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Em vídeos gravados durante a operação dos policiais, e na página do Facebook Vila Siri Pescadores, moradores afirmaram que um dos jovens, chamado Wallace, conhecido como Pilão, que é negro, “foi executado dentro da água, levantando as mãos pro alto e se rendendo”. Segundo a página, um outro jovem, Felipe, branco, teria sido preso.
Para Adilson Paes de Souza, tenente-coronel da reserva da PM paulista, doutor em psicologia, mestre em direitos humanos e autor do livro “O Guardião da Cidade – Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares”, as imagens demonstram, sem dúvidas, que o jovem foi executado pelos policiais.
“Após isso, deixaram o corpo na água. Os polícias devem ser presos pelos crimes que praticaram, para aguardar julgamento. A condenação deles é medida de justiça”, afirma Souza.
Já Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, analisa que, com as imagens, “não dá para afirmar categoricamente o que efetivamente houve em termos de execução”.
Nesse caso, aponta, é preciso investigar e realizar a perícia criminal no corpo da vítima e no local da ação policial. “Do laudo necroscópico você tem informações sobre a causa da morte e, pensando na causa por arma de fogo, você teria a descrição dos orifícios que poderiam indicar o que aconteceu”.
“Aí dá para saber que tipo de armamento fez o disparo e você pode recuperar projéteis no corpo da vítima. Existe também o exame do local, que poderia ser feito na canoa. Buscar projéteis que tenham ficado ali para buscar o armamento em busca do que aconteceu e a sua autoria. Não pode não ter perícia ou flexibilizar essa produção de provas. É justamente a perícia que vai levantar os elementos que não vão ser só o vídeo”, pondera.
A Secretaria da Segurança Pública do governo João Doria (PSDB) confirma a operação na favela de Santos e a detenção de um dos jovens. Segundo o governo, um outro jovem teria desaparecido após trocar tiros com os policiais.
Os policiais que fizeram a operação estavam em busca do PM Bruno de Oliveira Gibertoni, que estava desaparecido desde a última terça-feira (12/1), após sair para assistir ao jogo do Palmeiras pela Copa Libertadores da América.
O corpo do PM foi encontrado em uma cova rasa, com as mãos amarradas e marcas de tiros, na madrugada deste sábado (16/1) em uma área de mangue na cidade de Cubatão, vizinha a Santos, após uma denúncia anônima, segundo informações do G1. De acordo com o Uol, o local onde Gibertoni foi encontrado é utilizado pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) para o cometimento de crimes. Ele deixou um filho de 5 anos.
Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública), a operação em Santos foi realizada ontem pelo Baep (Batalhão de Operações Especiais) — uma espécie de versão da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa mais mortal da PM paulista, para interior e litoral.
Segundo a nota do governo, os policiais faziam buscas na região do Rádio Clube para tentar localizar o PM Gibertoni, “quando do outro lado do canal que faz divisa com a última ponte foram recebidos a tiros por indivíduos que fugiram em duas embarcações”. Na versão da Secretaria, só nesse momento os policiais atiraram.
Ainda de acordo com o governo, um dos barcos retornou do local e outro seguiu em sentido Cubatão. “Foi solicitado apoio para equipe de bote do Baep que se encontrava no canal para que se interceptasse um dos barcos que fugiu. A equipe foi alvejada por disparos e revidou”, afirma a nota.
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“Em seguida, dois indivíduos pularam do barco, sendo que um deles continuou dentro d’água efetuando disparos em direção aos policiais e outro se entregou. Foi solicitado apoio do Corpo de Bombeiros para realizarem buscas pelo canal, mas o comparsa não foi localizado até o término da operação”, continua o governo.
No barco, afirma a Secretaria da Segurança Pública, foram apreendidas drogas, caderno com a suposta contabilidade referente ao tráfico de drogas e uma pistola calibre 380. Na outra embarcação, dois aparelhos celulares, cápsulas deflagradas, um rádio HT, mais cadernos e entorpecentes. O caso foi registrado como drogas sem autorização ou em desacordo, tentativa de homicídio, posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito pela Central de Polícia Judiciária (CPJ) de Santos.
Histórico de violência
Em novembro de 2019, policiais do Baep mataram quatro pessoas em ação na Dique do Caxeta, periferia de São Vicente, próximo a Santos. Moradores do local filmaram o momento que os policiais jogam um dos corpos na água. Em maio de 2020, o delegado Luiz Ricardo de Lara Dias Junior concluiu o caso afirmando que os PMs agiram em legítima defesa.
Em 2019, o Baep foi recordista nas mortes na cidade de Santos, também no litoral sul de SP, com 27 homicídios.
A presença dos Baeps explodiu no primeiro ano do governo João Doria (PSDB). Nos primeiros 11 meses de mandato, a gestão aumentou de 5 para 9 o número de Baeps presentes no estado, fazendo o número de municípios abrangidos por esses batalhões saltar de 117 para 382.
Para o advogado criminalista Rui Elizeu de Matos Pereira, que atua na Baixada Santista, apesar de entender como “fato trágico e muito triste” a morte do PM, a incursão do Baep nas periferias “não deve ocorrer sem os critérios, normas operacionais e a necessária inteligência para se elucidar o fato, sob o risco de decorrências tragicamente colaterais, como prisões e mortes de inocentes”.
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“Não há sentido em se conceber a ‘realização de diligências’ ou ‘apuração’ do desaparecimento do policial por seus colegas fardados, caracterizados, com viaturas ostensivas. Fala-se isso apenas porque a PM conta um serviço reservado, com aparente legitimidade apuratória”, completa Rui.
O advogado avalia isso como uma usurpação de função da Polícia Militar, já que a competência investigativa e apuratória é da Polícia Civil. “É patente o nexo de ação e reação entre os dois fatos e isto não pode subsistir, pois demonstra um claro estado de exceção, sendo inaceitável que a polícia militar faça ‘operações’ sob claro desejo de vingança e retaliação, sem a necessária investigação”, afirma.
“Tal situação configura ilegalidade, execução, justiçamento e um manifesto estado de exceção, o que ataca as garantias e os direitos individuais inerentes ao Estado democrático de direito, à Constituição e aos princípios republicanos”, completa Rui.
ATUALIZAÇÃO: Reportagem atualizada às 14h do dia 17/1/21 para inclusão das falas do tenente-coronel da reserva
ATUALIZAÇÃO: Reportagem atualizada às 17h22 do dia 17/1/21 para inclusão das falas do perito criminal