Saída de Marcelo Vieira Salles, tido como moderado, do comando da PM, junto com chegada de ouvidor da Polícia “controverso”, podem ser sinais de preocupação, segundo Samira Bueno, do FBSP
O coronel Marcelo Vieira Salles não é mais comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, informou a Folha de S.Paulo. Ainda segundo a reportagem, a gota d’água teria sido o massacre de Paraisópolis, quando nove jovens foram mortos durante uma ação policial.
Em um primeiro momento, o governador João Doria (PSDB) defendeu a ação policial. Depois que depoimentos de testemunhas e até vídeos mostraram excesso nas ações dos PMs, Doria recuou e mudou o discurso. Chegou até a pactuar com as famílias, em reunião no Palácio dos Bandeirantes, que levaria até o fim as investigações para punir os culpados pelo massacre. Nesta quinta-feira (5/3), além de reafirmar o que já havia sido dito — de que a PM teria agido em legítima defesa — o relatório da Corregedoria indicou que os verdadeiros culpados são os pais das vítimas.
A mudança de postura de Doria, ainda segundo a reportagem da Folha, desagradou Salles, que decidiu sair agora. Outra hipótese para a saída de Salles passa pelo jogo político do ano eleitoral.
Marcelo Vieira Salles é remanescente da gestão Márcio França (PSB), de quem é amigo e chegou a criticar Doria, durante a campanha ao governo, quando ele disse que a “PM deveria atirar para matar”.
Quando Doria venceu o governo, ele trocou toda a cúpula, mas manteve Salles, que tinha assumido o comando da PM, em abril de 2018, com uma expectativa de que a letalidade policial diminuiria, porque sempre foi definido como uma pessoa aberta ao diálogo e negociador. No início de fevereiro, aliás, em entrevista à Folha, Salles falou do direito à vida e chegou a dizer: “Não existem mais jagunços. Somos uma instituição técnica, profissional. Polícia não entra para matar”.
Passados quase dois anos, homicídios e outros crimes intencionais violentos caíram, mas a Polícia Militar continua matando. E matando mais: no ano passado, a PM foi responsável por 1 em cada 3 mortos no estado.
Para a cientista social Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a saída de Salles não surpreende e, embora ela manifeste preocupação, justamente pelo fato de que o coronel era aberto ao diálogo, defende que existem mudanças necessárias que não dependem de uma única pessoa. “A questão da violência policial é institucional, estrutural e remonta quatro décadas. Estruturalmente, a saída de um comando muda muito pouca coisa”.
Samira teme que a chegada do novo ouvidor Elizeu Soares Lopes, que a pesquisadora considera controverso, e a saída do comando da tropa possam gerar instabilidade e riscos na condução da segurança pública. “A entrevista que o ouvidor deu para vocês é chocante. Um homem negro, dos direitos humanos, fazendo falas como as que ele fez. A função do ouvidor é justamente ouvir e criar soluções a partir dos diálogos, do entendimento. Pouco tempo depois disso, temos a mudança do comando da PM. Podemos ter problemas maiores dos que os que a gente vem tendo”, avalia.
Além de Paraisópolis, Samira cita dois casos recentes, um de flagrante abuso da polícia e outro que ainda está sob investigação, como prova dessa violência estrutural. “Temos um problema sério no uso da força e atuação da Polícia Militar de São Paulo. Tivemos Paraisópolis, depois o desaparecimento do jovem em Jundiaí após abordagem policial [Carlos Eduardo, desaparecido desde o dia 27 de dezembro] e o episódio da escola pública [quando a PM agrediu dois estudantes dentro da Escola Estadual Professor Emydgio de Barros]”, elenca.
“São Paulo não consegue baixar de 800 mortes por ano em ações da PM desde 2014. Quem conseguiu, de alguma forma, baixar isso foi o Grella [Fernando Grella, ex-secretário de Segurança Pública de Alckmin]”, afirma.
Fontes ouvidas pela Ponte disseram que, para além de qualquer descontentamento com a forma de entender a segurança pública, a saída de Salles pode ter ligação com o anúncio da pré-candidatura de França à Prefeitura de São Paulo, na segunda-feira (2/3), em aliança PSB-PDT. Salles, aproveitando o momento de rusgas com Doria, poderia pensar em trabalhar na campanha ou até estar de olho em algum cargo em um eventual mandato do ex-governador.
Com relação ao perfil conciliador de Salles e a boa relação que tinha com o controle externo da PM, comprovado em declaração do ouvidor Benedito Mariano, que chegou a dizer que “a cúpula da segurança pública iria pedir a recondução dele ao cargo”, Samira Bueno sugere cautela.
“O coronel Camilo também fazia discurso de diretos humanos e quando foi comandante colocou o Telhada na Rota”, ponderou. Entre 2009 e 2012, Camilo foi comandante-geral da PM e nomeou o atual deputado estadual Paulo Telhada ao comando da Rota, a tropa mais letal da PM paulista. Telhada, em mais de uma oportunidade, defendeu a letalidade policial e é adepto do lema “bandido bom é bandido morto”.