Algemado e sufocado por PM até desmaiar: ‘fui humilhado’, diz vendedor

    População gritou para que PMs parassem com a agressão e polícia revidou com spray de pimenta; ação aconteceu no centro de São Vicente, no litoral paulista, durante a manhã de quinta-feira (3/12)

    Era mais um dia comum de trabalho para o vendedor ambulante Willian Romão da Silva, 25 anos. Desde 2019, ele trabalha vendendo água e, há três meses, passou a usar o centro de São Vicente, litoral sul do estado de São Paulo, como local de trabalho. Mas na manhã da última quinta-feira (3/12) pensou que não veria mais a sua família.

    Por volta das 10h30, Willian foi abordado por policiais militares do 39º Batalhão do interior da PM paulista, na cidade litorânea de São Vicente, na rua João Ramalho. Naquela manhã o vendedor estava com o irmão mais novo, a quem ensinava o trabalho. “Os policiais vieram, me abordaram e queriam levar a minha água. Eu falei que eles não iam levar, aí eles ficaram falando que iam levar, porque ali não podia vender, que só vendia quem pagava impostos”, disse em entrevista à Ponte.

    Um vídeo obtido pela reportagem mostra que a ação durou mais de cinco minutos e que Willian foi enforcado pelos PMs, chegando a desmaiar momentaneamente. “Eu me senti humilhado, senti que eu não era um ser humano do jeito que me trataram. Eu acordei na hora que eu estava no colo do policial, eu achei que ia perder a minha família. Estou com muita dor nas costas, na garganta e nos pulsos onde apertaram as algemas”, lamenta o vendedor.

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    Durante toda a ação, a população que estava ao redor dos PMs gritava para que a ação parasse, alegando que Willian era trabalhador. Willian pedia que as pessoas continuassem a gravação. “Eu não vou para a delegacia”, dizia Willian nos vídeos.

    Nesse momento ele começou a ser agredido por dois PMs. Um idoso foi empurrado e caiu ao chão. A mulher que filmava gritava “grava, grava porque isso daí não pode não, vou colocar na internet”. As demais pessoas gritavam que era abuso de autoridade. “Essa é a polícia que mata, que fala que ajuda a população”, gritavam os presentes.

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    Apesar dos gritos, os PMs continuaram. Deram um “mata-leão”, “chave de braço” (golpe de enforcamento), que é proibido em São Paulo desde agosto de 2020, mesmo com Willian algemado, até que o vendedor desmaiou. Três policiais participaram desse momento da ação.

    O irmão mais novo de Willian tentou chegar perto do vendedor, mas foi impedido por uma policial. “Saí daí”, disse a PM. “Você vai fazer o que?”, questionou o adolescente, até que outro policial jogou spray de pimenta nele e na população em volta. Idosos e crianças estavam no local.

    Na Delegacia de Polícia de São Vicente, o caso foi registrado como desobediência, por meio de termo circunstanciado. Como testemunhas o documento trazia os nomes dos PMs Leandro Fausto Gomes, 35 anos, como condutor, e Eduardo de Oliveira Silva, 32 anos, como testemunha. Willian não foi ouvido pelo delegado Luís Carlos Cunha.

    Os PMs contaram para o delegado que estavam acompanhando um fiscal da Prefeitura, para “coibir” o comércio ambulante, quando encontraram Willian vendendo água no local. Segundo os PMs, Willian ficou “bastante exaltado” quando foi informado que não poderia vender naquele local.

    Os policiais também afirmaram que o jovem passou, então, a chutar sua própria mercadoria, tentando quebrar o isopor que armazenava as águas. Só aí, afirma a PM, o cabo Hebron, que estava de apoio e não aparece no registro, usou gás de pimenta para conter a população.

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    À Ponte o advogado Rui Elizeu de Matos Pereira, que cuida de defesa de Willian, afirmou que os PMs omitiram os fatos. “Eu acredito que o delegado que lavrou a ocorrência não viu os vídeos. O que acontece é mais um caso de violência policial, mais um caso em que os policiais levam uma ocorrência para a delegacia sem apresentar sequer uma testemunha ocular dos fatos, não há desculpa para isso”.

    Para o advogado, esse é mais um “típico caso de violência policial e tortura”. “O meu cliente foi agredido a socos na costela, ele tomou um mata-leão, tudo isso tá no vídeo. Ele chegou a desmaiar momentaneamente. Tudo isso acontecendo a luz do dia, na frente de todo mundo e ele algemado. Isso para mim, com todo respeito, é tortura”, argumenta.

    “A gente constante que a violência policial não acontece só nas favelas e nas periferias, ela acontece no centro também. O fascismo institucional, a violência policial, já tá acontecendo. Eles não têm mais nem cuidado para querer esconder, fazem isso na frente de todo mundo, à luz do dia. O povo não está mais tolerando isso”, completa Rui Elizeu.

    O advogado afirmou que na próxima segunda-feira (7/12), irá na delegacia com Willian para solicitar que o vendedor seja ouvido pelo delegado e seja submetido ao exame de corpo de delito. “Também vamos levar os vídeos e um rol de testemunhas”.

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    O advogado criminalista Damazio Gomes, membro da Rede de Proteção e Combate ao Genocídio, analisou as imagens a pedido da Ponte. Para o advogado essa é “mais uma ação desastrosa da Polícia Militar”. “De forma covarde e violenta, o que aconteceu neste caso foi agressão policial, abuso de autoridade”, aponta.

    Para Debora Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, os “direitos não são iguais” para toda a população e a “covardia está reinando”. “É de uma tamanha crueldade eles fazerem o que eles fizeram com aquele jovem. A população gritava para eles pararem, falando que o menino estava trabalhando, que não era nenhum bandido. Mas não adiantou gritar. Tudo o que eles [PMs] falam é aceito. Levar um rapaz que estava trabalhando, vendendo água, agir daquela forma, é abuso de autoridade. Os policiais não podem agir dessa forma”.

    “Esse abuso de autoridade tem que acabar. Para eles fazerem isso é porque é prática corriqueira. A polícia tem que respeitar mais a população, mas agem com racismo estrutural quando colocam uma farda. Eu não acredito na reforma [da polícia], quando tá tudo contaminado temos que recomeçar”, finaliza Débora.

    Outro lado

    A Ponte solicitou posicionamento para a Secretária da Segurança Pública e para a Polícia Militar, além de solicitar entrevista com os policiais militares e com o delegado, e aguarda retorno.

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