Defensoria Pública de SP tenta no STF libertar 3 mil pessoas com mais de 60 anos de todo o estado a partir de inspeção em Sorocaba
Espaços sem ventilação com pessoas amontoadas, parte delas doentes. Há quem esteja diagnosticado com coronavírus, mas ainda é mantido junto das demais. O presos da Penitenciária 2 de Sorocaba, no interior de São Paulo, têm direito a apenas uma hora de banho de sol ao longo de nove dias. O cenário está descrito no relatório de inspeção do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública sobre a condição de idosos presos no local.
A unidade prisional foi onde aconteceu a primeira morte por Covid-19 no estado e, diante dos resultado da inspeção realizada no dia 22 de junho, a Defensoria busca obter no Supremo Tribunal Federal a liberdade de 3.089 idosos. Por terem mais de 60 anos, essas pessoas integram o grupo de risco da doença. O argumento é que as condições precárias das instalações os deixam vulneráveis à doença.
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Após a inspeção, a Defensoria entrou com pedido de habeas corpus coletivo para 3.089 idosos presos em todo o estado de São Paulo, integrantes de parte do grupo de risco. Outros 18.619 presos têm doenças crônicas, respiratórias ou cardíacas, com riscos maiores de morte, caso contaminado com coronavírus; e 615 deles têm obesidade, outro complicador em caso de contágio.
Três defensores vistoriaram as celas, pátio e demais dependências, como cozinha e enfermagem. A partir do que observaram e de conversas com os presos, concluíram que as condições colocam todos em risco, especialmente os idosos.
A água é racionada e fica disponível apenas 3 horas e meia ao longo do dia, segundo o relato dos presos, ainda que a Organização Mundial da Saúde coloque a higiene pessoal constante como um dos métodos para evitar a proliferação da Covid-19.
Os problemas vão além: o espaço não tem ventilação, as celas têm portas com uma pequena abertura em vez de ter grades vazadas, o que dificulta a entrada de ar. Os banhos de sol ocorrem por uma hora a cada nove dias, conforme revezamento para evitar mais aglomerações e contágios.
Os presos afirmam não terem recebido atendimento médico adequado, mesmo os que têm sinais de estarem com a doença. Uma semana antes da visita, uma testagem nos presos identificou mais de 700 casos de contaminações por coronavírus nas 2.080 pessoas presas. Ainda que a capacidade na unidade prisional seja de 757, a taxa de ocupação é 133% acima do limite, segundo dados da Secretaria da Administração Penitenciária.
pessoas presas. Ainda que a capacidade na unidade prisional seja de 757, a taxa de ocupação é 133% acima do limite, segundo dados da Secretaria da Administração Penitenciária.
Quando houve a inspeção, os presos com diagnóstico positivo seguiam nas mesmas celas de antes, dividindo espaços com outras pessoas que não tinha a doença. A direção explicou ao Nesc que a Vigilância Sanitária ainda não havia definido como proceder nesses casos. No mesmo dia, determinaram o isolamento dos contaminados no andar superior de um dos pátios.
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“É superlotado, sem água, sem sabão, sem médico, sem ar… É feito para morrer, não para cumprir pena”, resume Mateus Moro, um dos defensores a vistoriar a P2 de Sorocaba. Ele avaliou a condição dos presos em geral, mas destaca com perplexidade a realidade dos idosos.
Moro descreve que era perceptível a fraqueza de alguns dos senhores com os quais teve contato, com estado de saúde visivelmente debilitado. Um deles não conseguiu falar, outro, nem levantar da cama. “É uma coisa muito triste. Ninguém quer ver o avô e avó em campo de concentração. Ninguém merece. Mas ver um idoso nessa situação choca mais”, lamenta.
No pedido de liberdade feito pela Defensoria entregue ao Supremo Tribunal Federal, os defensores descrevem os problemas vistos na P2 de Sorocaba e alertam para o risco de a mesma condição se repetir em todas as unidades prisionais do estado.
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“Percebe-se que é notória a falta de condições de um estabelecimento prisional superlotado conter o contágio entre as pessoas que estão presas ou que trabalham e circulam nesse ambiente”, afirma o pedido, anteriormente feito ao Tribunal de Justiça de São Paulo e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), negado em ambas as instâncias.
“Quando fomos a Sorocaba, eram 4 mortos. Depois soubemos de outras 2 [mortes]. Assim, das 18 mortes de presos em São Paulo, 6 ocorreram em Sorocaba. Na testagem, um terço dos presos tinham. Por que o mesmo não pode acontecer em todo o estado?”, questiona Moro, que critica a negativa para libertar os idosos.
À Ponte e no documento, ele cita como exemplo a prisão domiciliar concedida ao ex-ministro Geddel Vieira Lima, preso desde 2017 por lavagem de dinheiro quando encontraram R$ 51 milhões em seu apartamento; e de Fabrício Queiroz, ligado à família Bolsonaro, suspeito de integrar um esquema de “rachadinhas” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (RJ), sem contar sua suposta relação com milícias.
“A história não vai absolver o Judiciário com mortes e doenças no meio de uma pandemia. Negar a liberdade é escolher pessoas para mandar para um campo de concentração. Geddel e Queiroz não foram [escolhidos]”, afirma. Cita, ainda, dados da Defensoria Pública paulista em que há comparação dos pedidos de liberdade feito durante a pandemia, com 23.940 petições, e o total de alvarás concedidos, com 1.138 respostas positivas (4,7%).
A Ponte questionou a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo sobre as condições dos presos na P2 de Sorocaba, bem como sobre as denúncias feitas pela Defensoria, e aguarda um posicionamento.