Levantamento da Ponte mostra que 9 das 27 unidades federativas já retomaram as visitas e há crescimento nas denúncias de maus-tratos; em SP, policiais presos receberam parentes em toda a pandemia
O Brasil tem 562.652 pessoas isoladas sem nenhuma chance de furar a quarentena imposta pelo coronavírus. Isso porque elas estão em presídios e fazem parte dos 75% dos presos sem receber visitas de familiares. Enquanto isso, há policiais presos recebendo seus familiares.
O dado é fruto de um levantamento feito pela Ponte junto aos estados e comparado à população carcerária disponibilizada pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional). Segundo o órgão, 110 pessoas morreram vítimas de Covid-19 nas cadeias brasileiras.
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Somente oito das 27 unidades federativas voltaram com as visitas: Amazonas, Maranhão, Amapá, Ceará, Rio Grande do Norte, Acre, Espírito Santo, Pará e Minas Gerais. São 195.088 pessoas, o equivalente a 25,8% dos 757.740 presos em todo o Brasil.
O estado que reabriu as cadeias mais recentemente foi Minas Gerais, com as famílias protestando. Reclamaram de maus-tratos na unidade Nelson Hungria, em Contagem. Houve um princípio de motim, mas o governo local garante ter controlado a situação antes que os presos fizessem uma rebelião.
Rondônia, Piauí e Rio Grande do Norte (59.041, 7,78% do total) abrirão as cadeias até 3 de outubro.
A maior parcela da população carcerária não faz a menor ideia de quando voltará a ver um familiar no presídio, pois 15 governos não definiram um prazo para a retomada ou não responderam a reportagem.
A opção, em alguns casos, segue sendo as visitas online. Há reclamações, como em São Paulo, e casos de aproximação das famílias, como no Maranhão, conforme noticiado pela Ponte.
Parte dos departamentos penitenciários consultados explicou que estuda como retomar sem gerar prejuízos para a saúde: Alagoas, Mato Grosso do Sul, Bahia, São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Goiás, total de 340.949 pessoas ou 45% dos presos no país.
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Em Alagoas, um dos estados sem visitas, cinco presos agonizaram no chão com falta de ar mais cedo neste mês. A denúncia foi possível graças a vídeo compartilhado pela Agenda Nacional Pelo Desencarceramento, que mostra a situação no presídio Cydirião Durval, em Maceió.
Outra parcela significativa dos aprisionados, com 161.989 pessoas (21,38%), não sabe sobre a abertura das visitas pois os governos deixaram de responder a Ponte. Omitiram informações Rio de Janeiro, Santa Catarina, Pernambuco, Tocantins, Roraima, Paraíba, Sergipe e Distrito Federal.
Ainda há 673 pessoas (0,08%) em unidades federais, também sem vislumbrar a presença de seus parentes.
Impactos do isolamento
Mesmo com a abertura, há locais em que unidades do interior seguem fechadas. Abriu-se apenas na capital. Irmã Petra, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, critica a proibição e traz essa separação de capital e interior.
“Em situação normal falta remédio, água, alimentação. Imagina agora com as restrições, que os familiares não podem levar coisas?”, questiona, sobre a entrada do jumbo (sacola com comida, medicamentos, itens de higiene e roupas) enviado aos parentes somente pelos Correios para evitar contaminação.
Petra considera vários fatores negativos sem a presença dos parentes dentro dos presídios. “Se uma pessoa presa não tem família, é um abandono. Fica mais difícil de retornar para a vida em comunidade”, diz.
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A abertura precisa de um planejamento para evitar o contágio, como alerta Thiago Cury, defensor público de São Paulo.
Ele visitou presídios durante a pandemia para verificar as condições de saúde dos presos e identificou a contaminação de 700 pessoas em um único presídio de Sorocaba, em São Paulo.
“Tudo está retomando, reabrindo, mesmo shoppings. Uma situação de suma importância, as visitas, seria o mínimo voltar até para evitar eventuais tensões no sistema”, diz.
Denúncias aumentaram
Mesmo sem as famílias dentro das unidades, as denúncias de abusos feitas à Pastoral de forma online quase dobraram na pandemia.
Entre março de setembro, a entidade recebeu 86 denúncias de supostas violações, sendo que no mesmo período de 2019 recebera 45. O aumento é de 91%.
Gustavo Magnata, perito do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura, considera as denúncias outro ponto importante para a volta das visitas.
“Temos a perspectiva de que a tortura é um crime de oportunidade. Quanto mais restringir, mais difícil de ser executada”, explica, defendendo a abertura das visitas.
Magnata cita que nenhum canal de denúncia de violações foi criado ou ampliado durante a pandemia, com os presos incomunicáveis.
A falta de informações é um ingrediente para gerar insegurança. “Imagina as pessoas que durante seis meses não têm nenhuma informação do que está acontecendo lá dentro?”, questiona, sobre os parentes.
Cury explica que as visitas são a forma de fazer esse controle. “O que vem de informação é pelas visitas. Sem isso, violações acabam acontecendo sem que fiquemos sabendo delas”, afirma.
Policiais privilegiados
Enquanto 84% dos presos do Brasil seguem sem se comunicar presencialmente com seus familiares há seis meses, um grupo é privilegiado: os policiais presos em São Paulo.
No estado, os presos do Presídio Militar Romão Gomes seguiram recebendo seus parentes durante o isolamento forçado pelo coronavírus. A unidade é gerenciada pela Secretaria de Segurança Pública, diferentemente das prisões comuns, que são de responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária.
Há uma determinação da Justiça paulista que proíbe a visita aos presos. No entanto, a decisão é da Justiça comum e não vale para os policiais.
Integrantes do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo confirmam que o argumento é de que os policiais respondem à Justiça Militar e, por isso, podem seguir vendo os familiares.
Depen bate cabeça
Responsável pelo controle dos presídios no Brasil, o Departamento Penitenciário Nacional apresenta números diferentes sobre o total de presos.
Segundo a plataforma criada para informar números do coronavírus, há 748.009 pessoas presas em todo do país. No entanto, quando se soma o número de detentos apresentado por cada estado o número sobe para 757.740, faltando cerca de 10 mil pessoas no que é considerado a soma total.
A ferramenta para controlar a Covid-19 é alimentada pelas secretarias estaduais que cuidam dos presídios.
Ao todo, 26.038 pessoas estão ou estiveram com a doença, outras 4.749 têm ou tiveram a suspeita de contaminação. Desse total, morreram até a noite desta terça-feira (29/9) 110 presos vítimas do coronavírus, enquanto 23.025 já se recuperaram.
A Ponte questionou o Depen sobre a diferente contagem de presos e aguarda um posicionamento.
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