Veja lista de ações colocadas em prática pelo presidente eleito, além de declarações com promessas de novos ataques às garantias básicas
“Vamos defender a família e os verdadeiros direitos humanos”. Assim o presidente Jair Bolsonaro discursou no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em sua apresentação ao mundo como presidente eleito do Brasil. A fala, que dá a entender a existência de direitos humanos falsos, reflete um posicionamento do novo governo sobre o tema, na linha prometida durante a campanha pelo então candidato – “Conosco não haverá essa politicalha de Direitos Humanos”, disse em uma das carreatas pelo país, esta em Araçatuba, interior de São Paulo. A Ponte listou ações postas em prática ou declarações com promessas de restringir tais direitos básicos para todos neste primeiro mês de governo Bolsonaro.
População LGBT excluída
A primeira medida provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) apresentou as mudanças na estrutura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos com a inclusão de missionários cristãos e antifeministas – ainda não há mudanças práticas no Ministério. Uma novidade foi a retirada da política de Direitos Humanos de todas as ações destinadas à garantia de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e demais grupos LGBTs. Antes da mudança, o Ministério dos Direitos Humanos contava com a Diretoria de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Ameaças e ataques promovidos por apoiadores de Bolsonaro tem sido constante (leia abaixo).
Posse de arma liberada
Jair Bolsonaro assinou o decreto que altera a posse de armas no país, sem discutir com a sociedade e o Congresso, diminuindo a burocracia para obtenção da arma de fogo, uma das promessas de sua campanha. O texto usa de artimanha para incluir os 26 estados da federação e o Distrito Federal na medida, que torna todo brasileiro “com a efetiva necessidade” de ter uma arma: o critério para tal é a pessoa morar em uma região com taxa de 10 homicídios a cada 100 mil habitantes, o que engloba o país todo. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública lamentou o decreto. “Trata-se de uma aposta na violência, uma vez que existem evidências bastantes robustas dentro do debate sobre segurança pública que, quanto mais armas, mais crimes”, aponta o FBSP.
Monitoramento de ONGs
Bolsonaro também prometeu “botar ponto final em todos os ativismos” no país, conforme fala logo após confirmada a sua eleição, em outubro de 2018. A MP 870 estabelece que compete à Secretaria de Governo “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”. Antes da MP, a Secretaria tinha a atribuição de auxiliar “no relacionamento e na articulação com as entidades da sociedade civil”. Nesse ponto, a MP pode ser considerada inconstitucional, pois a Constituição de 1988 prevê a liberdade de associação sem interferência estatal. Diretor da Abong, (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais), Mauri Cruz denuncia que a MP (Medida Provisória) coloca em sua mira ONGs voltadas aos direitos humanos.
Funai e Incra nas mãos de ruralistas
O presidente passou ao Ministério da Agricultura a responsabilidade pela Funai (Fundação Nacional do Índio), organização que tem a tarefa de identificar, delimitar e demarcar terras indígenas. Antes, a Funai era vinculada ao Ministério da Justiça. A Reforma Agrária também mudou de pasta e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), que foi presidente da bancada ruralista no Congresso, assumiu o controle do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Entre suas ações iniciais, ela determinou a interrupção da compra e demarcação de terras para a criação de assentamentos. Posteriormente, o governo recuou sobre a paralisação.
Outra denúncia envolve a ministra Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, acusada por indígenas de sequestrar uma criança, segundo reportagem da revista Época. Os indígenas apontam que o governo Bolsonaro tem ameaçado limitar os seus direitos, assim como cobram colocar a Funai sob o Ministério da Justiça. E denunciam invasões de terras indígenas por posseiros, que exaltaram Bolsonaro.
Censura e ataques à imprensa
Em um mês, já há denúncias de censura no âmbito federal. A TV Ines, do Instituto Nacional de Surdos, que transmite programas para esta população, retirou do ar vídeos sobre pensadores considerados de esquerda, como Karl Marx, Friedrich Engels, Marilena Chauí e o deputado Jean Wyllys, entre outros. Já na EBC (Empresa Brasil de Comunicação) o estado de alerta passou a ser constante, com mudança no quadro de funcionários e a exclusão de alguns programas tradicionais.
No dia da posse de Bolsonaro, a liberdade de imprensa, prevista na Constituição, não foi respeitada, com tratamento diferenciado para apoiadores, o que quebra o princípio básico de nenhuma restrição. Veículos com posicionamento favorável ao presidente eleito tiveram caminho livre para trabalhar, enquanto representantes de mídia internacional ou críticas ao novo governo precisaram pedir autorização até para ir ao banheiro durante a cobertura do evento, tratamento criticado por profissionais de todo mundo. Somente neste mês, Bolsonaro utilizou 4 vezes o termo “Fake News” em seu Twitter, seja em um post escrito por ele ou em compartilhamento de conteúdo de terceiros no perfil, utilizado praticamente como canal oficial do governo – é uma acusação de notícias falsas por semana.
Faculdade para ‘elite’
O direito ao estudo também é alvo do governo Bolsonaro, que colocou como “meta” em seu governo “combater o lixo marxista” no ensino nacional. Em entrevista ao jornal Valor, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, garantiu que não existe no novo governo “a ideia de universidade para todos“. “As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica”, explicou Vélez, contrariando o artigo 205 da Constituição, o qual aponta a educação como “direito de todos e dever do Estado”. O ministro protagonizou a perseguição a um jornalista ao acusar, em nota do MEC, que o profissional era “treinado em marxismo e leninismo na Escola de Formação de Jovens Quadros do Partido Comunista soviético” e integrava a KGB, ala de espiões da União Soviética, uma paranoia antimarxista baseada no “inimigo imaginário como forma de se legitimar”.
Supostas ligações com milícias
Denúncias feitas mostram envolvimento de Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo Rio de Janeiro e filho do presidente, com a mãe e esposa do ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais da PM carioca) Adriano da Nóbrega. Ele é acusado de chefiar uma milícia no RJ e teve a mãe e esposa empregadas por Flávio em seu gabinete enquanto deputado estadual no estado, além do parlamentar ter homenageado o policial com uma honraria na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) – o PM estava preso à época. Seis testemunhas ligam Nóbrega ao assassinato de Marielle Franco (Psol), vereadora carioca executada em março de 2018. À época, Jair Bolsonaro, que já defendeu grupos de extermínio, foi o único pré-candidato à presidência a não se posicionar sobre o crime. Sobre as denúncias contra o filho, Jair se esquivou e disse que ele pagaria e, “se por um acaso ele errou e for provado, eu vou lamentar como pai, mas ele terá que pagar o preço”.
Descaso e ironias com Jean Wyllys
Depois de Jean Wyllys (PSOL) desistir de seu terceiro mandato e decidir sair do Brasil, integrantes da família Bolsonaro comemoraram a notícia com mensagens nas redes sociais, Carlos Bolsonaro (PSL) escreveu “Vá com Deus” em um tweet e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) usou a mesma rede para questionar a decisão de Wyllys: “Será mesmo que o motivo foi uma ameaça?”. O presidente Jair Bolsonaro publicou um “Grande dia”, mas negou relação com Jean Wyllys na mensagem. Apesar de garantir que não ironizava Wyllys, o presidente não demonstrou preocupação com o fato de um parlamentar abandonar o mandato por falta de segurança, ação criticada por entidades internacionais.
Embaixada de Jerusalém
Bolsonaro decidiu dar acesso ao governo de Israel, governado pelo primeiro ministro Benjamin Netanyahu, ao declarar que mudaria a embaixada brasileira no país de Tel Aviv para Jerusalém, ação que reconheceria a cidade como capital do país. Com o anúncio, o presidente coloca o Brasil ao lado apenas de Estados Unidos e Guatemala, únicas nações a reconhecer a cidade como pertencente a outro Estado – ação condenada em Assembleia da ONU (Organização das Nações Unidas) por 128 países, dentre eles o Brasil. É a primeira vez que o país assume um lado na questão árabe-israelense, se posicionando a favor de Israel, contra os palestinos.
Política de migração
Ainda na política externa, outra decisão que afeta diretamente os direitos humanos envolve a migração. O capitão da reserva do Exército retirou o Brasil do Pacto Global para Migração Segura, fechado em 2017 e que estabelece orientações para o recebimento de estrangeiros. Ele considera que o país precisa de critérios mais rigorosos para aceitar imigrantes, posicionamento que gera reação contrária por parte de entidades internacionais de direitos humanos, considerando frágil o argumento dado por Bolsonaro, que justifica a saída para “garantir a soberania nacional”.
“Ao anunciar a saída do Pacto, o governo Bolsonaro adota uma gramática antiquada e equivocada de considerar o migrante como ameaça à soberania nacional. Ao mesmo tempo, esquece-se que a decisão tem impacto significativo sobre os brasileiros que atualmente vivem no exterior. Hoje temos mais brasileiros vivendo fora do que pessoas de outras nacionalidades aqui no Brasil”, explica Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos, que considera a decisão contrária à uma das principais credenciais internacionais do país: “ser um país formado por migrantes e com uma política migratória vista como referência”, aponta.
Exaltação após ataques
O primeiro mês de Bolsonaro à frente do país registrou ataques de apoiadores do presidente, fato que repete ações ocorridas durante a campanha eleitoral e no fim de 2018, após sua vitória. Um dos casos aconteceu em Santa Catarina, quando policiais militares agiram de forma truculenta para retirar uma banda da rua, atirando com balas de borracha e jogando bombas, conforme relatado pelos músicos. Após a ação violenta, os PMs teriam exaltado o presidente eleito: “aqui é Bolsonaro, caralho!”.
[…] governador, como esse do Rio de Janeiro [Wilson Witzel, do PSC] está fazendo atualmente, como o próprio presidente da república faz, como o governador daqui [de São Paulo, João Doria] fez durante a campanha e vem fazendo […]