Posso não ter sido atacada com tiros, mas bombas também são intimidatórias, diz Carolina Iara

    Após divulgação de investigação policial que aponta que não houve atentado a tiros contra casa da covereadora da Bancada Feminista do PSOL paulistano, parlamentar conta que ainda não se sente segura. Policia Civil também teria concluído que Samara Sosthenes, covereadora do Quilombo Periférico, não sofreu atentado

    Carolina Iara, covereadora do PSOL paulistano | Foto: Reprodução / Instagram

    Em janeiro de 2021, na semana do Dia Nacional de Visibilidade Trans, a covereadora Carolina Iara, da Bancada Feminista do PSOL na capital paulistana, foi ao DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa) denunciar um atentado a tiros em sua casa, em Itaquera, zona leste da cidade de São Paulo. Após quase dois meses, porém, a Polícia Civil aponta em inquérito policial que o barulho ouvido pela família da covereadora não foram tiros.

    Segundo noticiado pela Folha de S. Paulo, a investigação da polícia teria apurado que o barulho relatado por Carolina teria sido de fogos de artifício. Dois responsáveis foram identificados e confirmaram ter disparado fogos de artifício em frente à casa da covereadora. Dois furos que haviam sido indicados como possíveis marcas de tiros foram identificados como um buraco antigo e a marca de um prego martelado com força excessiva. Ainda de acordo com a Folha, o delegado Fábio Pinheiro Lopes, diretor do DHPP, disse ao programa de José Luiz Datena que “dois bêbados”, localizados por câmeras de segurança, teriam explodido os fogos de artifício.

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    Em entrevista à Ponte, Carolina Iara disse que não há motivos para desconfiar da investigação da polícia, mas, que ainda assim, não se sente segura. “Eles disseram que não foram tiros e que teria sido um artefato explosivo. Eu particularmente, e nós da Bancada Feminista, achamos que o fato continua sendo intimidatório. Não é tão grave como se fosse confirmado os tiros, no entanto alguém parar em um carro para jogar uma bomba em minha casa não dá para noticiar como se estivesse tudo certo. É a famosa guerra da narrativa”.

    Carolina Iara destaca que a tensão permanente de ameaças e discurso de ódio nas redes sociais geraram medo, não só nela, mas em outras parlamentares trans. “Eu recebo muita mensagem de assédio desde que me candidatei. Meu medo maior sempre foi do estupro e sabemos que o estupro, com pessoas trans, vira uma ação contra a vida. Essas violências simbólicas estiveram presentes até o fim do ano passado”.

    “Com a posse, começaram a surgir muitos comentários da extrema-direita com memes deslegitimando os mandatos coletivos, o uso do pronome neutro e nesses comentários aparecem comentários contra a vida, [dizendo] ‘essas coisas merecem morrer’ e muito comentário transfóbico e racista. Era toda uma atmosfera poluída com ameaças de todo o tipo”, aponta. Sobre os furos nas paredes, que havia interpretado como marcas de balas alojadas, Carolina diz: “a minha casa é antiga, pode ser isso mesmo, não vejo porque ser mentira, não acho que a polícia arriscaria falar que é um prego se fosse uma bala”.

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    A covereadora lembra que o Brasil é o país recordista em assassinatos de pessoas trans e travestis, sobretudo mulheres trans e travestis, e que “um monte de travesti morre assim, com homens que cismam com a nossa cara, vão lá e matam. Eu não estou tranquila para voltar para a minha casa. Continuo fora de casa, fazendo atividades como se tivesse sofrido um atentado. A diferença é que não foi a bala. Se tivessem jogado um molotov em um jornal, seria para dar um recado”.

    Em nota, a Bancada Feminista contou que ficou sabendo da conclusão do inquérito pelo jornal Brasil Urgente. “O delegado afirmou que as investigações constataram que o barulho escutado pela mãe de Carolina Iara na noite dos fatos não foi provocado por arma de fogo, mas sim por explosivos de impacto sonoro. Os fortes barulhos ouvidos na noite do ocorrido pelos vizinhos e pela mãe da Carolina nos levaram a requerer a apuração dos fatos para que fosse verificada a possibilidade de ameaça contra nossa covereadora e garantida a sua integridade física”.

    “Caso a conclusão do inquérito seja confirmada, a Bancada Feminista do PSOL respira mais aliviada porque uma de suas integrantes não sofreu um ataque com arma de fogo. No entanto, consideramos que não deve ser naturalizado o fato de que bombas sejam jogadas em frente à casa de uma parlamentar. Não temos, ainda, informações que nos permitam afirmar que não houve uma intimidação”, continuou a nota.

    Apesar de afirmar que as covereadoras respiram “aliviadas”, mas seguindo “atentas e fortes”, a nota da Bancada Feminista lembra do assassinato da vereadora Marielle Franco, também do PSOL, executada na noite de 14 de março de 2018 no Rio de Janeiro.

    “O assassinato da vereadora Marielle Franco e o crescimento de movimentos fascistas na sociedade acenderam um sinal de alerta em todas as parlamentares do país. E esse sinal de alerta continuará ligado para nós. Nesse contexto, Carolina Iara sofre todos os tipos de violência, cotidianamente, por ser uma mulher trans, negra e periférica, e, como se sabe, o Brasil é recordista de assassinatos de LGBTQIA+ no mundo. A proteção de sua vida é, para nós, uma prioridade”.

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    A reportagem da Folha de S. Paulo também apontou que a Polícia Civil havia descartado um atentado contra Samara Sosthenes, covereadora paulistana do Quilombo Periférico, também do PSOL. Segundo a Folha, a Polícia Civil conversou com vizinhos da covereadora, que disseram não ter ouvido barulho naquela madrugada. Esses vizinhos teriam afirmado que Samara não mora ali, apenas sua mãe, o que também faz com que a polícia acredite que é improvável que tenha acontecido ali um atentado.

    Em nota, o Quilombo Periférico argumentou que “não recebemos comunicação formal sobre as conclusões da investigação. Sendo assim, acompanharemos no âmbito do inquérito os desdobramentos, com interesse de que o caso seja rigorosamente esclarecido, uma vez que ataques e ameaças à vereadoras eleitas tem sido a tônica de nosso país”.

    Outro lado

    Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que o inquérito policial está em fase de conclusão pela 1ª Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes contra a Liberdade Pessoal do DHPP. “Em relação ao primeiro caso, as investigações apontaram que dois homens soltaram fogos de artifício em frente à casa da vítima e não houve disparos de arma de fogo. Os laudos periciais estão em andamento”.

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