Plataforma multimídia do Instituto de Defesa do Direito de Defesa reúne notícias, entrevistas, pesquisas e histórias de pessoas para contar como provas frágeis e enviesadas levam inocentes ao cárcere
Desenvolvida pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) foi lançada em 27 de maio a plataforma do Prova sob Suspeita, projeto que se debruça sobre a produção e a avaliação de provas criminais no Brasil. O objetivo é compilar informação de qualidade sobre o tema para o público em geral, mas também para profissionais do sistema de justiça e pesquisadores.
A plataforma compila as mesmas histórias que a Ponte está acostumada a contar: de pessoas inocentes que foram condenadas injustamente ou de maneira arbitrária, em denúncias marcadas por preconceito e em decisões que se estruturam em provas materiais frágeis ou inexistentes. Como o caso de Gabriel, preso em novembro de 2022 sob alegação de ter participado de um crime que ocorreu enquanto ele trabalhava. A única prova utilizada – seu “reconhecimento” por duas das vítimas – foi colhida de maneira irregular. Ainda assim, Gabriel ficou 15 dias preso antes de ter sua liberdade provisória concedida, e só foi absolvido no ano seguinte. As vítimas eventualmente voltaram atrás no reconhecimento irregular do jovem.
É exatamente sobre este tipo de prova, que depende da memória, que se debruça a plataforma Prova sob Suspeita, conta Vivian Peres, coordenadora de programas do IDDD. Ela argumenta que o artigo do Código de Processo Penal que garante a utilização de provas dependentes de memória não é alterado desde 1941, mas desde então existem estudos “que mostram como a memória opera, como se transforma, como pode ser influenciada e como isso impacta na qualidade de uma prova que dela dependa”. A isso, se somam preconceitos que podem alterar ainda mais a veracidade das informações geradas. “Quando falamos de provas dependentes da memória, segundo estudos da psicologia, quanto antes forem produzidas, melhor. Isso porque quanto mais o tempo passa, mais a memória sofre influências externas e pode ir se modificando.”
O problema, Peres explica, não é a existência deste tipo de prova, mas o escoramento de prisões e, eventualmente, até condenações, apenas nelas. É isto que o IDDD chama de “escassez de provas”. “A importância dada a essas provas é tão grande, que faz que não sejam sequer produzidas outras”, ela diz. O uso de provas de memória como fonte única para prisões ou eventuais condenações é ainda mais comum nos crimes de roubo, furto e tráfico, que são os que mais encarceram, ela ressalta.
Essas provas, Peres analisa, afeta de formas distintas determinados grupos. “O fato de o inquérito policial não obrigar a presença da defesa faz que pessoas que não tenham condição de constituir advogado particular sejam investigadas muitas vezes sem sequer saber que existe um inquérito contra si”, ela explica. “Não existe nenhum tipo de acompanhamento que garanta que os direitos da pessoa investigada estejam sendo assegurados.”
Como Gabriel, “reconhecido” de maneira irregular por vítimas cuja memória não era confiável, a Justiça brasileira já encarcerou milhares de pessoas. A mesma coisa aconteceu com Hugo, com Kaick, com Francisco, com Fábio, com Tulio, com Ezequiel, com Igo e Felipe, com Jefferson, com Marcos Vinícius. A lista é longa, e esses são algumas das histórias contadas pela Ponte. Graças à cobertura jornalística, pressão da família, amigos e da sociedade civil e ao apoio de advogados, muitos deles conseguiram sair da prisão. Outros tantos seguem presos injustamente.
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É possível mudar a forma como provas frágeis e baseadas em memória são produzidas e utilizadas, Peres garante. Para isso, no entanto, é necessário observância ao que já foi produzido sobre o tema, e não apenas no campo jurídico, mas também da psicologia, mudança da cultura punitivista e produção consistente de provas confiáveis: “É possível diminuir os casos de prisões e condenações injustas, se a produção de prova for feita seguindo critérios que primam pela qualidade e não pela tentativa de confirmação de uma única hipótese pré-concebida”.