Polícia do Rio levou 363 dias para prender o PM Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, acusados de serem os executores da vereadora e do motorista; Ponte relembra as principais questões sobre o caso
Quem foi Marielle Franco?
Militante negra, bissexual e favelada, Marielle Franco é consequência de um projeto social do conjunto de favelas da Maré, no Rio: após cursar o cursinho comunitário da favela, formou-se em ciência sociais na PUC-Rio e concluiu mestrado em administração pública Universidade Federal Fluminense (UFF) com uma dissertação sobre o impacto das UPPs nas favelas. Por dez anos, atuou como assessora do deputado estadual Marcelo Freixo (Psol). Eleita vereadora pelo Psol em 2016, atuou por um ano e três meses na Câmara Municipal representando as bandeiras da favela, dos negros e da comunidade LGBT. Ao mesmo tempo em que denunciava a violência do Estado, auxiliava familiares de policiais mortos.
Como Marielle foi morta?
Marielle Franco e o motorista Anderson Pedro Gomes foram mortos em 14 de março de 2018, após a vereadora do PSOL deixar a Casa das Pretas, na Lapa, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Entre 21h09 e 21h12, na Rua Joaquim Palhares, no Estácio, um veículo Colbat, de placa clonada, emparelhou ao lado do carro onde estava Marielle e atirou. Os 13 disparos de calibre 9 mm vieram de um atirador no banco de trás do Cobalt e atingiram tanto Marielle como o motorista. A assessora Fernanda Chaves, que estava no banco ao lado de Marielle não foi atingida e escapou.
Quem matou Marielle?
A Delegacia de Homicídios, da Polícia Civil, e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público Estadual, acusam pelo crime o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz. Lessa teria sido responsável pelos disparos, do banco de trás, e Queiroz estaria na direção do automóvel.
Quem são os acusados?
Segundo reportagem do Globo, Ronnie Lessa atuava como guarda-costas do bicheiro Rogério Andrade quando perdeu a perna num atentado, em 2009, e foi aposentado por invalidez. Depois disso, Lessa teria entrado para uma organização criminosa formada por matadores de aluguel. Já Elcio Vieira de Queiroz foi expulso da corporação em 2011, após ser denunciado pela Operação Guilhotina, da Polícia Federal, que acusou 45 policiais de integrarem uma quadrilha envolvida em diversos crimes, inclusive a venda de armas para traficantes.
Que provas a polícia e o Ministério Público apresentou contra os dois acusados?
De acordo com informações do jornal Extra, o trabalho investigativo chegou aos dois suspeitos com a quebra de sigilo digital do telefone celular do PM Lessa, que acompanhava a agenda de evento dos quais Marielle Franco participava. O policial também pesquisou informações sobre o então deputado estadual Marcelo Freixo (padrinho político de Marielle no Psol) e dados de uma submetralhadora. O planejamento do crime teria se iniciado em novembro de 2017, quatro meses antes da execução, de acordo com as pesquisas realizadas por Lessa na internet, que ia desde a arma até como apagar vestígios de localização.
Ainda ficou constatado que Lessa tentou despistar os investigadores usando um celular bucha (registrado em nome de outra pessoa) para não ser ligado à cena do crime. O celular particular do PM estava na zona sul na hora do crime, por volta de 9h da noite do dia 14 de março de 2017. No entanto, os policiais civis da DH se basearam em triangulações nas antenas até chegar ao celular usado dentro do veículo prata que seguiu Marielle e Anderson antes de atacá-los.
Outro ponto que chamou a atenção dos investigadores foi um atentado que Lessa sofreu quase um mês depois do duplo homicídio. No dia 27 de abril de 2018, ele e um amigo acabaram baleados por um homem em uma moto. Registrado como tentativa de assalto, o caso chamou a atenção da polícia do Rio pois o PM da reserva chegou a ser socorrido ao hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, mas deixou o espaço logo depois sem receber atendimento ou dar explicações.
Segundo o jornal O Globo, a análise de imagens do Cobalt prata por meio do uso de raios infravermelhos do laboratório de imagens do MP identificou parte de uma tatuagem no braço direito de um dos homens do veículo, que depois foi identificado como o PM Lessa. Apesar de usar uma luva preta, uma parte do desenho, uma espécie de guerreiro que se inicia nas costas e vai até o braço, foi flagrada por uma das câmeras de segurança em um momento em que Lessa recosta o braço no banco traseiro do Cobalt quando ainda estava estacionado, na Rua dos Inválidos. A luva preta seria para tentar disfarçar a cor da pele do atirador. Os policiais da DH também conseguiram imagens de Lessa no hospital após o atentado de abril de 2018 e na “nuvem” do celular do PM para confrontar com o trecho da tatuagem.
O que dizem os acusados?
Os advogados de Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz negam todas as acusações, segundo a Agência Brasil. Lessa “nega de forma veemente que tenha feito qualquer tipo de assassinato“, afirma sua defesa. “O Elcio não estava nem nesse dia. Eu tenho certeza de que não tem foto dele no carro e muito menos gravação dele nesse dia lá. E tenho certeza de que a vítima que sobreviveu não vai reconhecer o meu cliente”, afirma a defesa de Queiroz.
Por que Marielle foi morta?
Na denúncia, o Ministério Público diz que o crime teve “motivo torpe, interligado a abjeta repulsa e reação à atuação política de Marielle na defesa de suas causas”. “O Ronnie tinha um perfil bastante reativo a pessoas que lutavam pelas minorias”, afirmou a promotora Simone Sibilio. Contudo, o MP e a polícia não descartam a possibilidade de os acusados terem sido contratados por um mandante.
Quem mandou matar Marielle?
Essa pergunta é feita por familiares, amigos, especialistas e militantes das causas de Marielle, que sempre afirmaram que a morte de Marielle esteve ligada a interesses de grupos poderosos, possivelmente milicianos ou políticos. “Quem matou Marielle não foi apenas quem puxou o gatilho, quem matou Marielle foi quem planejou a sua morte, quem contratou e politicamente desejou eliminar Marielle”, declarou Marcelo Freixo. A hipótese é reforçado pelo fato de Lessa supostamente atuar como matador de aluguel. Para o promotor Luiz Antônio Ayres, da 2ª Vara Criminal de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, entrevistado pela Ponte, é inaceitável que um matador profissional “vá simplesmente ficar com raiva de alguém e resolve matar aquela pessoa”. Polícia e MP, contudo, não confirmam nem descartam a possibilidade um “crime de mando”.
A escolha da data para a prisão dos acusados foi motivada por marketing?
Não é possível dizer. As autoridades envolvidas afirmam que a escolha da data para a prisão de Lessa e Queiroz, na semana em que a morte de Marielle completou um ano, foi uma coincidência. Nos últimos dias, circulou entre jornalistas o boato de que haveria uma prisão relacionado ao caso Marielle no dia 14, exatamente a data da morte da vereadora e do motorista; a data, contudo, acabou antecipada para o dia 12 por ter vazado também para os acusados. A escolha da data foi criticada por Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: “Se já existiam evidências do envolvimento dos dois presos no caso, por que a Polícia Civil não efetuou as prisões antes? E, se não existiam, a antecipação compromete a obtenção de provas que possam levar à condenação dos dois acusados?”.
Há indícios da participação de Jair Bolsonaro ou de pessoas da sua família na morte de Marielle?
Nenhum. O delegado Giniton Lages, da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, descartou ter encontrado qualquer ligação entre a família Bolsonaro e a morte da vereadora. A questão foi levantada pelo fato de Ronnie Lessa morar no mesmo condomínio onde Jair Bolsonaro tem casa, na Barra da Tijuca, e pelo fato de um dos filhos do presidente da República, Jair Renan, ter namorado uma filha de Lessa, informação confirmada pelo delegado. Para Giniton, esses dados “não dizem muita coisa”. “Nós imaginávamos que esse link fosse feito, mas ele não tem uma relação direta com a família Bolsonaro”, disse. Em entrevista, o presidente Bolsonaro disse que não se lembra do vizinho Renan e que o filho não lembra de ter namorado com a filha de Lessa, porque “namorou todo mundo no condomínio”.
Mesmo que não tenha tido participação na morte da vereadora, contudo, a família Bolsonaro é apoiadora da ação de milícias e de grupos de extermínio. Em 2003, o então deputado federal Jair Bolsonaro elogiou a ação de um grupo de extermínio que cobrava R$ 50 para matar jovens da periferia de Salvador (BA). Seu filho mais velho, Flávio Bolsonaro, na época em que era deputado estadual, defendeu a legalização das milícias, além de ter homenageado suspeitos de integrar milícias e empregado a mãe e a mulher de um suposto miliciano em seu gabinete.
Ninguém conhecia Marielle até ela ser assassinada?
Essa afirmação partiu da família de políticos Bolsonaro. “Ninguém conhecia quem era Marielle Franco antes de ela ter sido assassinada”, declarou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O pai dele, o presidente da República Jair Bolsonaro (PSL), disse “eu conheci Marielle depois que ela foi assassinada” e outro de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (PSL) compartilhou a afirmação de que “Bolsonaro não sabia quem era Marielle, assim como 100% dos brasileiros”. Embora a base de pesquisas do Google mostre que o interesse nacional pelo nome de Marielle tenha explodido após sua morte, dizer que “ninguém conhecia Marielle” é incorreto. Ela foi a quinta vereadora mais votada nas eleições de 2016 e vinha provocando um grande impacto no Psol, ao começar a mudar a cara do partido, tradicionalmente branco, hétero e de classe média.
Por que não perguntar quem mandou matar Jair Bolsonaro?
A questão sobre a facada em Jair Bolsonaro é levantada por seus seguidores e pelo próprio sempre que se fala de Marielle. “Também estou interessado em saber quem mandou me matar”, foi o que o presidente respondeu quando perguntado sobre a prisão de Lessa e Queiroz. Ele se referia à tese de que Adélio Bispo, o homem que esfaqueou o então candidato Bolsonaro, em setembro do ano passado, teria sido contratado por alguém. A Polícia Federal, contudo, já realizou um inquérito sobre o caso e está próximo de concluir o segundo. Até o momento, todas as investigações apontam que ele agiu sozinho. Peritos indicados pela Justiça Federal atestaram que Adelio sofre de transtorno delirante permanente paranoide.
Por que não perguntar quem mandou matar Celso Daniel?
A morte do prefeito petista, em 2002, também costuma ser lembrada por bolsonaristas sempre que se fala em Marielle, ainda que os dois crimes não tenham qualquer relação. No dia em que os dois acusados pela morte de Marielle foram presos, bolsonaristas se movimentaram nas redes para levar o nome de Celso Daniel aos temas mais comentados do Twitter. A tese é de que a morte de Daniel teria sido um crime político e seus mandantes nunca teriam sido descobertos. Como no caso de Adelio, faltam dados para sustentar a teoria, embora a tese tenha sido levantada por um irmão de Daniel e também por membros do Ministério Público. Seis acusados pelo crime foram presos e a morte do prefeito foi alvo de dois inquéritos, durante governos do PSDB, que concluíram pela tese de crime comum.
[…] em 2018. Neste 14 de agosto completou 1 ano e cinco meses que as investigações sobre o crime não apontaram quem mandou matar a parlamentar, que, como Margarida, era também defensora dos direitos humanos. […]
[…] comprovam que o porteiro interfonou para a casa 65 e que a entrada de Élcio foi autorizada por Ronnie Lessa, com quem ele se encontrou horas antes do crime que tirou a vida de Marielle […]